Igualdade de condições

Instituição que não dá assistência a deficiente em concurso deve indenizar

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19 de outubro de 2014, 4h52

A entidade que organiza um concurso público precisa atentar para as particularidades do candidato com deficiência visual, já que ele é o hipossuficiente da relação. Assim, não lhe cabe apenas zelar pelo registro confiável e fidedigno do exame, mas também provar que forneceu ao candidato o que estava previsto no edital e o prometido em termos de acessibilidade e condições especiais na hora da inscrição.

Por contrariar esse entendimento, a Fundação Carlos Chagas (FCC), sediada em São Paulo, irá pagar R$ 19,6 mil a título de danos morais a um deficiente visual prejudicado em seu desempenho durante as provas do concurso para analista do Judiciário — promovido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em abril de 2010. O valor arbitrado pela 4ª Turma do TRF-4 é a soma de três meses de salário inicial da função buscada e não conseguida pelo autor, refletindo, cada mês, as três ordens de danos morais sofridos: tratamento discriminatório, angústia relevante e perda de uma chance.

O relator da Apelação, desembargador Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, disse que o deficiente solicitou à comissão organizadora do concurso as condições especiais de acessibilidade, mas essas, embora deferidas no ato de inscrição, não foram oferecidas na prática. A maior controvérsia ocorreu na hora da prova de redação, onde a fiscal-ledora — que não tem especialização para tratar com deficiente visual — foi criticada pela transcrição do conteúdo.

‘‘Quem deixou de cumprir a legislação e o edital não foram os outros dois réus (União e primeiro colocado), mas a ré Fundação Carlos Chagas. Portanto, é ela quem responde pelos danos causados, porque foi ela quem executou o edital, quem aplicou as provas, quem escolheu e contratou os fiscais e quem deixou de atender o edital quanto à acessibilidade que o autor fazia jus’’, cravou no acórdão, lavrado na sessão do dia 30 de setembro.

Ação indenizatória
O autor, deficiente visual, participou do concurso público no dia 11 de abril de 2010, para provimento de cargos e formação de cadastro de reserva do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, concorrendo ao cargo de analista Judiciário para a subseção de Foz do Iguaçu (PR). No cômputo geral, ficou na segunda colocação, tendo obtido 284,50 pontos no total e 75 na redação. O primeiro colocado conseguiu 288,37 pontos no total e 85 na redação.

Na ação indenizatória ajuizada em maio de 2011, ele reclama que a Fundação Carlos Chagas, responsável pela aplicação das provas do concurso, cometeu vários erros, prejudicando-o na classificação geral. O mais grave foi a transcrição defeituosa da prova de redação, feita por uma ‘‘ledora’’ não-treinada. Afirma que ‘ditou’ o texto que havia digitado, mas a fiscal cometeu inúmeros erros de grafia, acentuação e paragrafação durante a transcrição. Garante que o texto que digitou no programa Word, da Microsoft, não possui qualquer dos erros existentes no gabarito transcrito pela fiscal. Enquanto isso, os demais candidatos deficientes não tiveram que ler a sua redação. Apenas imprimiram o texto, que foi encaminhado para correção.

Pelos efeitos do descaso a que foi submetido, o candidato pediu R$ 50 mil a título de danos morais, além de reparação material decorrente da diferença de remuneração entre o cargo que ocupa (analista judiciário na Justiça do Trabalho do Paraná) e o que viria a ocupar (analista judiciário no TRF-4) se passasse em primeiro lugar.

Sentença improcedente
O juiz substituto Emanuel Alberto Sperandio Garcia Gimenes, da 1ª Vara Federal de Maringá (PR), observou que o autor não solicitou a transcrição da redação pela auxiliar, diferentemente do que ocorreu com outro candidato-deficiente, que acabou conseguindo a vaga. Isso, por si só, já feriu o princípio da isonomia, pois colocou o autor numa situação desfavorável em relação ao concorrente. Assim, deu parcial procedência para determinar apenas nova correção da prova de redação, utilizando-se do texto digitado no Word — o que já havia sido providenciado em abril de 2013, quando da prolação da sentença.

O julgador ressaltou que a nova avaliação expôs os critérios adotados e demonstrou os erros cometidos pelo autor, o que justificou a manutenção de sua nota. Com isso, ele indeferiu o pedido de indenização por dano moral. ‘‘O autor restou aprovado em 2º lugar no concurso, tendo obtido nota superior (209,50) à do primeiro colocado (203,37), excetuada a redação. Portanto, efetivamente, considerando o desempenho obtido na prova, não vislumbro a ocorrência do alegado abalo moral a que tenha sido submetido e que tenha lhe influenciado negativamente no concurso’’, escreveu na sentença.

O fato de a nota final ter permanecido inalterada também derrubou o pedido de reparação por dano material. ‘‘Assim, dada a inexistência da vaga e da própria certeza da nomeação do candidato, não há se falar em dano material decorrente de futura e eventual nomeação’’, concluiu. Mas a decisão foi revertida em segundo grau.

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