Estante Legal

A fronteira entre o direito legítimo e o abuso do poder

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17 de fevereiro de 2014, 8h34

Spacca
A discussão é polêmica e envolve variáveis que nem sempre são visíveis ou fáceis de se identificar: o que acontece quando um direito legítimo, explícito na própria Constituição, rompe a barreira a ponto de voltar-se contra quem o exerce? Quando isso ocorre, quais são as consequências e os caminhos para a reparação, de modo a devolver o equilíbrio entre as partes, reforçando e realimentando o próprio sistema? São várias as perguntas e os contornos enfrentados por Carlos Valder do Nascimento, em Abuso do Exercício do Direito Responsabilidade Pessoal, livro no qual reuniu jurisprudência e doutrina para formular uma teoria sobre os excessos do poder, assim entendido como o exercício injusto de um direito legítimo.  "Não é o direito que se torna injusto, mas apenas o seu exercício", sintetiza o autor.

Procurador federal aposentado, advogado e professor, Valder do Nascimento diz que o abuso do direito consiste, antes de tudo, em ultrapassar os limites reservados ao exercício de um direito. Se há violação de regras legais, o fato não apresenta dificuldade alguma de apreciação, afirma, com a ressalva de que, muitas vezes, os limites de um direito são fixados somente pelo uso: comete abuso de direito aquele que o exerce de maneira anormal em comparação com o modo de exercício habitual do direito. Tal qual o proprietário que instala em seu terreno uma industria que certamente vai causar prejuízo ao vizinho, exemplifica.

Mas não são questões de vizinhanças o objeto de sua preocupação. Embora não deixe de lado a análise de "decisões arbitrárias" cometidas por magistrados, o autor reserva as críticas mais duras a uma parcela do Ministério Público responsável, segundo ele, por uma onda de "denuncismo inconsequente, forjado pelo imaginário construído pelos seus mentores e assentado em construções hipotéticas, produto da imposição do arbítrio". Para Valder do Nascimento, tal comportamento, "edificado em ornamentos retóricos, de conteúdo vazio", vai muito além da propalada autonomia funcional, que ele não contesta, pelo contrário, valendo-se de expedientes, inclusive, intimidatórios. Conter arbítrios não significa limitar a autonomia e a liberdade de atuação do promotor ou procurador da justiça estadual ou da República. Mas ele não considera crível "admitir-se o uso da competência institucional para transformar, num passe de mágicas, o probo em ímprobo, escorado numa duvidosa legalidade dissociada de uma pauta de valores na persecução de uma ilusória verdade que busque seu fundamento na realidade fática".

No livro, ele afirma que "é público e notório" o clima de descontentamento com a forma ideológica de atuação de um segmento minoritário de promotores do Ministério Público e lembra que o exercício no plano procedimental e jurisdicional não é ilimitado. "A ruptura de limites, diante da persecução implacável em desfavor do direito individual ofende os padrões de justiça e, consequentemente, implica responsabilidade pessoal daqueles que exerçam o munus público, sujeitando-os assim à reparação por danos patrimoniais e morais", afirma. Nessa direção, ele cita dois projetos em tramitação no Congresso Nacional, ambos com o objetivo de prevenir "exageros" e propondo sanções mais severas àqueles "que ampliam, por conta própria, o objeto da representação".

O abuso, de acordo com o autor, ocorre, muitas vezes, antes mesmo da denúncia, seja com o tom inquisitório dos pedidos de informações," sempre acompanhado por ameaças explícitas", seja com recomendações na quais membros do MP "se arrogam ao direito de substitutos dos gestores públicos, quando tentam ditar regras de como deverá ser operada a burocracia oficial". Ele sublinha o fato de a lei autorizar o Ministério Público a expedir recomendações sugerindo a melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, mas diz que, na prática, o que se vê são solicitações para alterar instruções normativas baixadas pelo Poder Público, tentando fazer prevalecer o entendimento de cada um sob sua óptica pessoal. "Como não são dotados de formação para recomendar modificações de cunho operacional na Administração Pública, inclusive nos procedimentos por ela adotados, fica a impressão de que os promotores de Justiça ampliam seu espaço de manobra a fim de evidenciar o peso político de sua ação", critica.

Nascimento reafirma várias vezes ao longo do trabalho que o impasse não está no Ministério Público enquanto instituição, mas naqueles que exorbitam de suas atribuições legais e regulamentares, indo além do razoável, quando incorrem em persecução exacerbada em detrimento da prudência recomendada para exercício dessa natureza. Ele diz que é necessário rever essa situação, não com o objetivo de inibir a iniciativa, mas para evitar a consagração de injustiças em decorrência de ações sem fundamento. "É ingênuo pensar que em uma democracia republicana alguém está acima das leis", afirma. "Atos exercidos de maneira abusiva, equidistantes dos fins sociais e econômicos preconizados pela lei, devem ser repelidos de plano pelo judiciário", conclui. O livro tem prefácio do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

Serviço:
Autor:  Carlos Valder do Nascimento
 Editora: Saraiva
Edição: 1ª Edição — 2013
Números de páginas: 132
Preço: R$ 44,27

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