Efeitos traumáticos

Faculdade de Columbia adia provas por tensão com violência policial em Ferguson

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10 de dezembro de 2014, 17h15

A Faculdade de Direito de Columbia decidiu atender pedido de seus estudantes negros — e de alguns alunos de outras raças — para adiar suas provas finais, por um motivo incomum: falta de condições mentais e emocionais para fazer as provas, muito menos estudar para elas, por estarem “traumatizados” e profundamente desiludidos com o sistema judiciário americano.

O motivo do trauma psicológico e da desilusão com o sistema foram as recentes decisões da Justiça — um grand juri em Ferguson, Missouri, e outro em Nova York — de não denunciar policiais brancos que mataram dois homens negros (Mike Brown e Eric Garner), criando um senso de impunidade. A mesma medida pode ser tomada pelas faculdades de Harvard e de Georgetown, segundo o New York Times, NBC e outras publicações.

O reitor interino da Faculdade de Direito de Columbia, Robert Scott, explicou a decisão em um comunicado por e-mail a toda a escola: “Para alguns estudantes, especialmente os estudantes de cor, mas não apenas eles, essa cadeia de eventos está entre as mais profundas, porque ameaça minar a noção de que a lei é um pilar fundamental da sociedade para proteger o senso de justiça, o devido processo e a igualdade”. Ele acrescentou que esses acontecimentos causaram “efeitos traumáticos” no ambiente acadêmico.

A decisão da faculdade — uma das integrantes da “Ivy League” (um grupo de oito faculdades americanas que se destacam pela “excelência acadêmica, seletividade nas matrículas e elitismo social”) — gerou algumas manifestações de apoio e outras de crítica, algumas ácidas.

“No meu tempo, os professores ensinavam, mais do que Direito, como enfrentar a vida real. Você não vai ganhar todos os casos. Testemunhas sob juramento mentem no julgamento. O sistema jurídico nem sempre funciona. Juízes tratam você de forma injusta. Jurados tendem a ignorar a lei. A verdade pode trair você. Acostume-se com isso e crie mecanismos de defesa. Se não fizer isso, você vai falhar com seus clientes e com você mesmo”, escreveu, em artigo para o site da Fox News, o advogado Gregg Jarrett.

O advogado Benjamin Brafman, um criminalista muito conhecido no país, disse ao New York Times que a decisão lhe parece “absurda”: “Apesar do trauma ser autêntico, os estudantes têm de saber que, como advogados, vão lidar com tragédias constantemente. Se um estudante de Direito não pode funcionar em situações traumáticas, talvez ele deva desistir de ser advogado”.

De uma maneira geral, os professores de Direito de outras universidades americanas apoiaram a medida ou colocaram panos quentes no assunto. “A medida mostra um alto grau de empatia entre a escola e os estudantes”, disse o professor de Direito da Universidade de Nova York Stephen Gillers. “Mas eles não podem esperar a mesma coisa de seus futuros chefes e muito menos de juízes, quando, por exemplo, há um prazo a cumprir. Mas as instituições acadêmicas vivem em um mundo à parte”.

Em uma carta divulgada na Internet, os estudantes afirmaram que é muito difícil estudar quando suas famílias estão nas ruas protestando contra a violência, seguida de impunidade, dos policiais. E classificaram as recentes decisões de Ferguson e Nova York como “violências jurídicas”.

Um estudante latino, solidário com os colegas negros, disse ao jornal: “A palavra trauma está sendo mal empregada. A questão real é a impossibilidade de se concentrar, para o estudo e para as provas, diante de acontecimentos traumáticos, porque você está preocupado com membros de sua família e com amigos. E também há uma preocupação quanto a nosso futuro como advogados. Como vamos lidar com uma lei que é usada para nos oprimir?”, perguntou. 

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