Direção oposta

Projeto antidrogas é um passo para trás sobre a matéria

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21 de setembro de 2013, 6h30

Em direção oposta à tendência global da descriminalização do uso de drogas e da regulamentação da venda de determinadas substâncias, sob prescrição médica, bem assim da absoluta rejeição à internação involuntária para o tratamento de dependentes químicos, que é condenada por, praticamente, toda a sociedade médica, tramita, no Senado Federal — neste momento, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania —, o Projeto de Lei do deputado Osmar Terra.

Nos Estados Unidos, por exemplo, uma milionária indústria, voltada para produtos à base de cannabis sativa, já vem se preparando para a ”anunciada” legalização da maconha.

Por aqui, o retrógrado Projeto de Lei, cujo teor revela verdadeira violência social, deixa uma sensação de manobra política mal planejada, na busca de popularidade junto aos conservadores extremos.

Caminhando na contramão da evolução legislativa sobre a matéria, que busca a descriminalização do consumo pessoal, o Projeto de Lei, felizmente, viu amputado de seu texto, antes de sua aprovação na Câmara dos Deputados, a previsão de um aumento nas penas previstas nos incisos II e III (prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo) do artigo 28 da atual Lei Antidrogas, de 10 meses para até 24 meses, no caso de condenação de usuários reicidentes. Outros equívocos, entretanto, continuam no texto.

Fugindo, pela tangente, da tendência mundial de descriminalização, o arcaico Projeto de Lei peca ao buscar introduzir na legislação brasileira a internação involuntária de dependentes químicos, medida ineficaz e reprovada pela comunidade médica, a qual pode causar prejuízos irreparáveis para usuários, familiares desesperados e a todo corpo social.

Pesquisas desenvolvidas em países que utilizaram, no passado, a aludida medida extrema, descortinam que, em menos de 5% dos casos, foi obtido êxito com esta forma de tratamento, motivo pelo qual a excluíram de suas legislações.

O reflexo da implementação de tal medida — que viola a dignidade do cidadão — será, exclusivamente, onerar o estado com tratamento dispendioso que, de acordo com especialistas no assunto, não traz resultados efetivos.

O Projeto de Lei — em sua redação final aprovada pela Câmara dos Deputados — prevê, igualmente, o aumento da pena mínima prevista para o crime de tráfico (de 5 para 8 anos de reclusão), no caso de o acusado exercer o comando “individual ou coletivo” de organização criminosa. No entanto, não foi cuidadoso, como deveria, ao buscar melhorias no ponto mais frágil da legislação atual, que merece uma distinção menos subjetiva entre as condutas de usuário, traficante e, agora, traficante no comando “individual ou coletivo” de organização criminosa, visando a evitar o encarceramento equivocado do dependente para o cumprimento de uma pena mínima elevada, juntamente com medalhões do narcotráfico, cujas consequências serão incalculavelmente danosas ao detento, e, mais adiante, à sociedade, que terá “formado” um verdadeiro e nocivo criminoso.

Não de hoje, o professor Evaristo de Moraes, mais precisamente em 1995, antevendo a necessidade de reformas legislativas pontuais, propugnava a necessária distinção objetiva entre o traficante, que sobrevive e fomenta a indústria do ilícito, e o cidadão errante:

“À luz da experiência estrangeira, inclusive a norte-americana, poderíamos estabelecer uma diferenciação no tratamento penal dos intitulados traficantes, mantendo as severas penas de prisão para os médios e grandes, e abrindo oportunidade para os pequenos, não-reincidentes”[1].

Ainda acerca dessa problemática questão em nossa sociedade, através dos tempos: – o liame das drogas com a injusticia social[2], reflete Evaristo de Moraes que se torna essencial a “diferenciação” entre os “delinquentes afortunados que tiveram todas as oportunidades para sobreviver dignamente, sem infringir as normas penais” e “aqueles, sobretudo os jovens e primários, a quem a sociedade negou um mínimo de espaço social, e que por razões conjunturais de desemprego, ou de grave crise econômica, cometeram delitos”:

“Após estas considerações sobre a questão dos tóxicos, resta ponderar que sempre que se cogitar de promover alterações nas leis repressivas, não se devendo esquecer de que, em grande número de casos criminais, no pano de fundo, está a ‘injusticia social’ (Roberto Bergalli, "El Poder Penal del Estado", ob. coletiva, 1985, p. 6). Se o rigor deva ser a resposta para os delinquentes afortunados, que tiveram todas as oportunidades para sobreviver dignamente, sem infringir as normas penais, a compreensão há de prevalecer em relação àqueles, sobretudo os jovens e primários, a quem a sociedade negou um mínimo de espaço social, e que por razões conjunturais de desemprego, ou de grave crise econômica, cometeram delitos contra a propriedade, sem o uso de violência (vide Cervini, "Los Procesos", cit., p. 23).

Para encerrar, há de se ter sempre presente a sábia advertência de Alessandro Baratta (apud, Cervini, ibidem, p. 86), que constitui uma verdadeira síntese do pensamento moderno, em matéria penal, embora seja a reprodução de verdades antigas: ‘Una política de justicia social, la satisfacción de las necesidades reales de los sujetos de una comunidad, constituyen formas activas de prevención y la verdadera alternativa democrática de la política criminal’”[3].

A aprovação do aludido Projeto de Lei terá, como resultado óbvio, o inchaço, ainda maior, de nossos estabelecimentos prisionais com dependentes e/ou pequenos traficantes, em tentativa clara de esconder o sol com a peneira, ao invés de esmiuçar hipóteses objetivando a elaboração de uma Lei Antidrogas séria e focada nas verdadeiras mazelas de sua aplicação.

Em suma, não se pode corrigir um erro com outro. A aprovação do referido Projeto de Lei trará consequências perigosas para o estado de direito, impedindo a necessária evolução — que vem ganhando força em diversos países mundo afora — de nosso ordenamento jurídico sobre a sensível matéria.


[1] “Nova Política Penal em Face do Tráfico de Drogas”, Revista da Faculdade de Direito da UERJ, nº 3, Renovar, Rio de Janeiro, 1995, pp. 249/264.

[2] Roberto Bergalli, "El Poder Penal del Estado", ob. coletiva, 1985, p. 6.

[3] “Nova Política Penal em Face do Tráfico de Drogas”, pp. cits.

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