Royalties do petróleo

Proposta de Dilma para educação soa vazia e distante

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27 de junho de 2013, 7h00

Nas últimas sexta e segunda-feiras (dias 21 e 24/6), a presidente Dilma Roussef veio a público prestar contas do quanto realizado por sua gestão em face do que ela mesma denominou “voz das ruas” e propôs pactuar soluções de impacto. Um dos pontos suscitados nas manifestações feitas país afora nas últimas semanas e por ela enfrentado timidamente foi o dos precários índices de qualidade e de investimento na educação pública do país.

A pretexto de passar a cumprir os “pactos” propostos por Dilma, o Congresso Nacional também teria encampado a tese de que é preciso priorizar o setor, ao aprovar na terça-feira (25/6) a destinação dos royalties do pré-sal para a educação (75%) e saúde (25%).

Os rumos da política pública de educação são, sem sombra de dúvidas, uma das agendas estagnadas há décadas em nossa dinâmica pretensão de bem-estar social e, sobretudo, de dignidade da pessoa humana, nos moldes em que a Constituição de 1988 a prescreveu.

Educação é pauta prioritária de discursos em quaisquer espectros partidários da política, mas não se revela, na prática, como ação cotidianamente executada com tal primazia, a despeito da existência de patamar de gasto mínimo definido no artigo 212 da nossa Constituição.

Para a arguição de que falta qualidade aos nossos sistemas públicos de ensino, a resposta padrão é de que faltam recursos. Será tal relação de causalidade, de fato, tão causal quanto aparenta ser à primeira vista? Por que as manifestações das ruas têm razão de cobrar, como feito de forma objetiva e brilhante, que também sejam ofertadas educação e saúde no “padrão-Fifa” de qualidade?

A primeira resposta para tais questões é de fácil conclusão e infelizmente também nos acompanha há décadas: a previsão de gasto mínimo em educação (25% das receitas com impostos e transferências para estados e municípios e de 18% para a União) não necessariamente assegura que haja gasto adequado. Gastar o mínimo apenas para cumprir formalmente a lei, por vezes, leva a que gestores gastem mal (de modo displicente) e nem sempre o mínimo é tão pouco assim para tão baixa elaboração didático-pedagógica.

O problema da qualidade nos sistemas públicos municipais e estaduais de ensino é o nosso mais grave impasse, uma vez que, na década passada, já foi razoavelmente cumprida a universalização de acesso à educação fundamental (o popularmente chamado “1º grau”).

Desde 2009, contudo, o desafio passou a ser o de universalizar a educação básica dos 4 aos 17 anos de idade, sem descuidar da qualidade. Aliás, é precisamente em torno desse desafio que orbita a segunda resposta ao clamor das ruas pelo “padrão-Fifa” para a educação brasileira.

Apenas para seguir usando a analogia com os moldes de organização propugnados pela Fifa, há um “caderno de encargos” para a política pública de educação que foi definido pelo artigo 214 da Constituição e que segue descumprido desde a edição da Emenda 59/2009. Ou seja, sabemos que é preciso editar um Plano Nacional de Educação — PNE, de duração decenal, mas nossos governantes não conseguiram até o presente momento (quatro anos depois) aprová-lo com a mesma seriedade que elaboraram e vêm executando os encargos da Copa de 2014.

O ponto central que justifica a paralisia do PNE 2011-2021 no Congresso Nacional reside na justa demanda de aplicação de 10% (dez por cento) do produto interno bruto (PIB) no setor, enquanto o governo federal se compromete apenas a entregar até 2021 a cota de 7%.

A falta que o PNE faz não é só jurídico-formal, mas substantiva. Sem uma concepção nacional estratégica e planejada, não poderemos seriamente enfrentar nossos históricos desarranjos na área de educação, como o são, por exemplo, a falta de efetiva valorização do magistério, o analfabetismo funcional, o baixo índice de oferta de ensino em horário integral e o déficit de vagas no ensino infantil.

Eis por que, do ponto de vista constitucional e mesmo social, a resposta dada pela presidente Dilma nos últimos dias (o que ela chamou de “pacto”) de buscar a destinação da aplicação dos recursos do pré-sal para a educação soa vazia e algo distante da sua alçada de responsabilidade política.

Não se trata apenas de reclamar aplicação dos royalties do petróleo assim ou assado, a pretexto de cumprir o inciso VI do artigo 214 da Constituição de 1988, que reclama meta de aplicação de recursos públicos na educação em proporção da riqueza nacional (PIB).

A inconstitucional omissão que as ruas têm vocalizado em tons cada vez mais inflamados e conscientes reside na falta de um pacto intangível ao curto prazo dos mandatos eleitorais em prol da qualidade da educação, nos termos de todo o artigo 214 da nossa Carta Magna.

Eis o pacto, quiçá “padrão-Fifa”, que nos falta no essencial: que haja mais recursos, mas que os mesmos sejam aplicados com vistas à qualidade da educação, algo já prescrito e até agora inconstitucionalmente descumprido no nascedouro do seu planejamento.

Aliás, esta é a quinta meta que o Movimento Todos pela Educação vem sustentando há anos: investimento em educação ampliado e bem gerido… Temos aqui mais uma reclamação histórica da sociedade, mas nossos governantes não se dão conta da inconstitucionalidade de sua omissão, nem das consequências para o nosso futuro.

As ruas e as urnas, agora mais conscientes do que nunca, certamente hão de cobrar tamanho descaso.

Autores

  • É procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Pós-Doutora em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ) e doutora em Direito Administrativo pela UFMG.

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