Importância e influência

Sociedade deve fiscalizar de perto atuação do Serasa

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  • Gildásio Pedrosa de Lima

    é advogado especialista em Direito dos Contratos (ICAT/UDF) e em Direito Empresarial (FGV). Mestrando em Direito do UniCEUB. Professor de Direito Empresarial. Vogal da Junta Comercial do Distrito Federal. Gerente Jurídico Emgea (Empresa Gestora de Ativos S.A).

16 de agosto de 2013, 8h15

A Serasa é provavelmente o banco de dados mais conhecido entre os brasileiros, e a consulta aos seus dados se tornou quase que indispensável para concessão de qualquer tipo de crédito no país. O que poucos sabem é que a Serasa é uma empresa privada do bilionário grupo de origem inglesa Experian PLC, líder mundial na organização e no fornecimento de informações de consumidores e empresas.

O banco de dados da Serasa Experian é o maior da América Latina, e em um só dia recebe cerca de seis milhões de consultas somente entre os brasileiros, o que sem dúvida lhe rende um considerável faturamento. Com uma atuação tão contundente em um mercado tão extenso como o nosso, não é de se estranhar que a administração desses dados invariavelmente receba questionamentos judiciais, sobretudo de consumidores inconformados com utilização indevida de suas informações pessoais.

Esse popular desconhecido tornou-se alvo de muitas notícias na última semana, por dois fatos de grande relevância e que levantaram grande discussão sobre os limites de sua atuação. O primeiro diz respeito ao polêmico julgamento do Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1033274) no qual foram estabelecidas as “obrigações” da Serasa perante os consumidores e, o segundo, um convênio anunciado e posteriormente anulado entre a empresa e o Tribunal Superior Eleitoral para o compartilhamento de dados de cerca de 140 milhões de eleitores, tendo como contrapartida o fornecimento ao tribunal de certificados digitais.

No recurso julgado no STJ, a Serasa Experian questionava decisão da Justiça do Mato Grosso do Sul, em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público, que estipulava a obrigação da Serasa de confirmar a veracidade das informações dos devedores antes de promover a negativação. A 4ª Turma do STJ acolheu parcialmente o recurso da empresa e abrandou suas responsabilidades perante os consumidores.

Entre as deliberações, o tribunal considerou que os bancos de dados não precisam exigir documento que prova a existência da dívida. A responsabilidade por eventuais informações incorretas e/ou imprecisas é dos clientes/credores que fornecem os dados para a Serasa visando negativação. Nesse caso, entendeu o tribunal que cabe ao banco de dados tão somente inserir os dados em seu cadastro e promover a notificação. Se a informação for indevida, a responsabilidade é exclusiva daquele que forneceu os dados.

Outro ponto do julgado que favoreceu a Serasa e os demais bancos de dados foi a dispensa de notificação quando a negativação tiver por origem informações ‘públicas’ extraídas de cartórios de protestos de títulos e de distribuição de feitos judiciais (execuções, busca e apreensão, falência e recuperação judicial de empresas). Nesse ponto, vale registrar que os convênios entre a Serasa e tribunais, para inclusão de devedores em ações judiciais, é antigo e já mereceu amplo debate no Judiciário, sendo inclusive considerado ilegal em algumas oportunidades. A decisão do STJ acaba por consolidar a prática do registro de dados judiciais nesses bancos de dados, dispensando inclusive a notificação do devedor em ação judicial ou protesto.

Para agravar ainda mais a situação dos devedores, os ministros da 4ª Turma do STJ afastaram a exclusão obrigatória de anotação/suspensão no caso do débito ser questionado judicialmente. Ou seja, mesmo com oposição da dívida em ação judicial, a Serasa não estará obrigada a retirar a restrição, será necessária uma ordem judicial específica nesse sentido para a retirada do nome do devedor do referido cadastro.

Para completar o pacote de vitórias da Serasa no referido recurso, a Turma reafirmou o teor da Súmula 404 do próprio STJ e dispensou a utilização pela Serasa de carta com aviso de recebimento (A.R.) para informar ao consumidor que seu nome será inserido no cadastro de inadimplente. Para os bancos de fados, basta o envio da correspondência para o endereço indicado pelo credor. Ou seja, não é necessária a confirmação da ciência do suposto devedor para que seu nome seja negativado. Mais uma vez, se a informação estiver incorreta a responsabilidade é do comerciante ou instituição financeira que forneceu os dados.

Felizmente, a isenção de responsabilidades dos bancos de dados parou por aí, pois a Serasa ainda pretendia desobrigar-se de excluir de seu banco de dados nomes de consumidores com débitos já pagos, prescritos ou negativados há mais de cinco anos. A empresa ainda continua obrigada a notificar o consumidor por todas as inscrições, mesmo que o nome já conste inscrito por débitos anteriores, inclusive em relação às restrições por emissão de cheques sem fundos. O tribunal manteve ainda obrigação de excluir os dados dos consumidores que comprovarem diretamente à empresa erro sobre a inscrição da dívida.

Preferimos crer que o posicionamento do STJ não quis beneficiar a poderosa empresa, mas se pautou na defesa dos credores e da sociedade em geral, já que as fraudes e a inadimplência acarretam o aumento de juros e do spread bancário, limitando o acesso ao crédito e a insegurança das relações comerciais para todos, além de outras consequências. Mas sobre o ponto de vista do consumidor, resta claro que a isenção de responsabilidades dos bancos de dados permitirá com mais frequência a negativação indevida do crédito e suas danosas consequências para a imagem e reputação dos consumidores.

Não restam dúvidas de que a decisão representa um enorme ganho financeiro para a Serasa, pois a isenta de responsabilidade em relação às inúmeras condenações que são impostas diariamente por restrição indevida do nome de consumidores nesses bancos de dados, além das despesas judiciais com as demandas que deverá deixar de suportar se esse posicionamento se consolidar.

Nessa queda de braço entre consumidores e Serasa, parece-me que a empresa tem se sobressaído e ganhando cada vez mais importância e influência em nossa rotina. O convênio que conseguiu firmar com o TSE, ao arrepio de nossa ordem constitucional, deixa muito claro que sua atuação deve ser fiscalizada de perto por toda a sociedade, pois um convênio dessa natureza, com um Tribunal Superior, revela sua influência sobre as nossas instituições.

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