Suspeição questionada

Procuradora cedida a tribunal é pivô de briga no CNJ

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15 de junho de 2012, 18h46

A audiência pública marcada para o próximo dia 20 pelo Conselho Nacional de Justiça, que vai discutir a cessão de procuradores federais para trabalhar como assessores jurídicos em gabinetes de juízes, desembargadores e ministros, está ganhando proporções que não eram esperadas nem mesmo pela seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil, que começou o debate sobre a questão.

Especula-se que a mineradora Vale compareça à audiênca para a qual foram convidados o Conselho Federal da OAB, a Procuradoria-Geral da República, a Advocacia-Geral da União, a Associação Nacional de Procuradores da Fazenda e o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional. O Instituto dos Advogados do Brasil já confirmou presença e o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) deverá também comparecer.

A mineradora tem interesse particular em participar do encontro. Execução fiscal de cerca de R$ 35 bilhões a que ela responde na Justiça Federal fluminense passou pelas mãos da procuradora da Fazenda Nacional no Rio Patrícia de Seixas Lessa em recurso julgado recentemente pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região — clique aqui para saber mais. Um mês antes de a corte apreciar o pedido, Patrícia foi nomeada assessora no gabinete do juiz federal convocado Theophilo Antonio Miguel Filho, relator do caso. Ela é a única procuradora da Fazenda Nacional cedida à corte. Teophilo negou a suspensão da cobrança enquanto tramita ação cautelar da empresa. 

O tribunal é o alvo do Procedimento de Controle Administrativo no CNJ de autoria da OAB-RJ, que afirma que a cessão de procuradores vai contra a paridade de armas. É nesse processo, relatado pelo conselheiro José Lúcio Munhoz, que o CNJ convoca a audiência pública para o dia 20.

A procuradora é conhecida por integrar o pelotão de frente da PGFN que defende a tese de que o lucro de empresas no exterior coligadas ou subsidiárias de empresas brasileiras deve ser tributado integralmente, mesmo no caso de resultado positivo da equivalência patrimonial decorrente da variação cambial do valor investido nessas empresas. O assunto é o mesmo questionado na execução contra a Vale. Em maio, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, deferiu liminar que garantiu à mineradora não ter de depositar os R$ 35 bilhões exigidos pelo Fisco pelo menos por enquanto.

Patrícia não nega nem confirma ter atuado no processo como procuradora, alegando não poder conceder entrevistas. No entanto, em defesa apresentada no Procedimento de Controle Administrativo da OAB-RJ contra o TRF-2, à qual a ConJur teve acesso, a procuradora afirma que sua atuação como assessora no tribunal não tem qualquer relação com sua atuação como procuradora.

“Esta servidora pública federal foi convidada pelo órgão cessionário (TRF-2), em razão, objetivamente, de sua especial qualificação técnica, para ocupar o cargo de assessor judiciário”, diz ela em defesa enviada ao CNJ. O documento reforça que, como assessora judiciária, a servidora passa a estar subordinada exclusivamente aos magistrados do tribunal, estando afastada da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e licenciada do quadro de inscritos da OAB-RJ.

No documento, Patrícia afirma ainda que, como assessora, não tem poder para interferir em casos do gabinete, “posto que a atividade jurisdicional é reservada exclusivamente ao magistrado, cabendo a este o poder de decidir as demandas judiciais”. Ela diz também que, antes de ser nomeada procuradora da Fazenda, militou como advogada privada, o que mostraria sua capacidade de atuar em diferentes posições na Justiça.

Subprocurador da OAB-RJ, o advogado Guilherme Peres ressalva que o Procedimento de Controle Administrativo em que a entidade questiona a atuação de procuradores da Fazenda no TRF-2 não tem qualquer cunho pessoal nem faz qualquer ataque a Patrícia. “É uma questão de ideologia de procuração. A pessoa que foi formada na Procuradoria e que vai para o tribunal não vai conseguir ser neutra na análise”, diz.

Ele se diz surpreso com a proporção dada ao caso pelo CNJ. “Estávamos falando apenas da nossa área, o TRF-2, mas com a manifestação da defesa no processo, falando que isso é feito também no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, a questão passou a ter repercussão nacional”.

Em nota, o presidente do IAB, Fernando Fragoso, afirma ser "inconcebível um juiz ser assessorado pelo representante dos interesses do Fisco, a ajudá-lo na orientação e decisão em processos tributários". Segundo ele, "a Procuradoria exerce os interesses da defesa da Fazenda Pública, naturalmente contrários aos do contribuinte com quem contende em juízo”.

O presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, concorda. Ele classificou a cessão de servidores como "promiscuidade institucional", já que desfalcam a administração pública em favor da magistratura. “São incompatíveis as atuações de procuradores da Fazenda com as de assessoras de juízes”, afirma.

A Vale e a Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional na 2ª Região não se manifestaram sobre o assunto.

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