Caça às bruxas

Órgãos de segurança dos EUA violam direitos individuais

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10 de setembro de 2011, 8h08

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Nos escombros das torres gêmeas do World Trade Center, derrubadas nos ataques de 11 de setembro de 2001, nasceu a "Lei Patriótica dos EUA", um ato institucional que deu poderes extraordinários aos órgãos de segurança e cerceou as liberdades individuais dos americanos, entre outras coisas, segundo a União Americana para as Liberdades Civis (ACLU – American Civil Liberties Union). Às vésperas do 10º aniversário dos ataques, a ACLU afirma que programas implementados pelo FBI e pela Polícia de Nova York estão violando os direitos constitucionais de americanos inocentes, ao espionar pessoas que não fizeram qualquer coisa errada — um efeito da paranoia criada em torno da segurança nacional.

Como exemplo, a ACLU cita duas reportagens recentes do The New York Times (sobre o FBI) e da Associated Press (sobre a Polícia de Nova York), segundo as quais as investigações incluem "mapeamentos raciais e étnicos". Para a ACLU, "mapeamento racial é o perfil racial em esteroides" (em maior grau). "Perfil racial" é definido como "uma forma de discriminação pela qual as autoridades policiais usam a raça de uma pessoa ou sua etnia como razão principal para tê-la como suspeita", segundo o About.com.

FBI
Segundo documentos obtidos graças à Lei da Liberdade de Informação pelo New York Times, num período de dois anos (de 25 de março de 2009 a 31 de março de 2011), o FBI fez 82.325 investigações de pessoas ou grupos, em busca de sinais de qualquer coisa errada, sem que fossem suspeitos de quaisquer atos ilegais. Separadamente, o FBI fez 1.819 investigações para identificar possíveis ameaças em distritos geográficos predeterminados e a possível presença de organizações com características de gangues ou grupos terroristas. Essas investigações foram estendidas a universidades com muitos estudantes estrangeiros.

No mesmo período, agentes do FBI abriram 42.888 investigações de pessoas ou grupos para averiguar, particularmente, se havia entre elas suspeitos de terrorismo ou espionagem. Segundo os documentos obtidos pelo New York Times, 41.056 desses casos foram encerrados e 1.096 permaneceram abertos para investigações preliminares ou completas. Os documentos também mostraram que os agentes abriram 39.437 investigações de pessoas ou grupos possivelmente envolvidos em crimes. Desses casos, 36.044 foram encerrados e 1.329 permaneceram abertos para maiores averiguações.

Os casos são encerrados, mas as informações sobre os cidadãos permanecem em poder do FBI, disse um ex-agente do órgão ao New York Times. Michael German, que agora é membro da ACLU, disse ao jornal que o FBI mantém em seus arquivos os dados que coleta, mesmo depois de constatar que as pessoas ou grupos são totalmente inocentes. Nesses dez anos, o FBI se transformou de uma agência dedicada a investigar e solucionar crimes federais, em uma agência de inteligência doméstica, que se dedica a investigar ameaças à segurança nacional.

Durante a "guerra fria" contra a extinta União Soviética, o FBI operou um programa de inteligência e contrainteligência dentro do território americano, chamado "Cointerlpro", que tinha como missão investigar ameaças à segurança nacional por países hostis, mas que se transformou, rapidamente, em um órgão de combate a dissidências políticas internas, como a dos comunistas. Nos Estados Unidos, esse foi período da "caça às bruxas", uma perseguição política executada sob as asas do Macartismo, que durou do fim da década de 40 a meados da década de 50. O movimento se nutria da febre anticomunista e, em nome da segurança nacional, não se constrangia em desrespeitar direitos civis.

Durante o Macartismo, muitos milhares de americanos foram investigados pelos órgãos de segurança e acusados de comunistas. A "caça às bruxas" perdurou até que a opinião pública americana se mostrou indignada com as frequentes violações dos direitos individuais e das liberdades civis. A população se cansou das atividades ilegais praticadas, por exemplo, pelo FBI e dos abusos de seus agentes, o que levou o país a adotar uma legislação nova, que redefiniu as atribuições do FBI. Com o advento da Lei Patriótica dos EUA, essa legislação foi deixada de lado — idem para os direitos individuais e as liberdades civis. "E o FBI começou a usar todas as técnicas e ferramentas que adquiriu para investigar possíveis espiões soviéticos contra a própria população do país", diz a ACLU.

Polícia de Nova York
O Departamento de Polícia de Nova York (NYPD), por sua vez, "se converteu em uma das agências mais agressivas de inteligência doméstica, visando comunidade étnicas de uma maneira que entraria em conflito com as regras das liberdades civis, se praticadas por agências do governo federal", segundo investigação da Associated Press. As operações da NYPD "têm tido a assistência, sem precedentes, da CIA, uma parceria que turva a linha entre a espionagem interna e externa", diz a AP.

O NYPD tem despachado agentes secretos, conhecidos como "rastelos", a bairros habitados por minorias raciais ou étnicas, como parte de um programa de mapeamento humano, diz a AP. Eles monitoram a vida diária das pessoas em bares, cafés, clubes noturnos e até mesmo em livrarias. A Polícia tem usado informantes, apelidados de "rastejadores de mesquitas", para monitorar sermões e quaisquer outros eventos, mesmo que não haja qualquer suspeita.

Nem o conselho da cidade, que financia o departamento, nem o governo federal, que destinou verbas de mais de US$ 1,6 bilhão ao NYPD depois de 11 de setembro de 2011, são informados sobre o que é apurado, relata a AP.

Muitas das operações foram desenvolvidas com a ajuda da CIA, que é proibida de espionar americanos, mas foi providencial na transformação do NYPD em unidade de inteligência. A CIA treinou detetives policiais para essas missões na "Fazenda", escola de espionagem da CIA no estado de Virginia. E, na semana passada, enviou um oficial experimentado para trabalhar como um detetive clandestino nas dependências da NYPD.

Além dos taxistas estrangeiros, os policiais de Nova York investigaram todas as mesquitas em um raio de 100 quilômetros. O Conselho para Relações Americanas-Muçulmanas pediu ao Departamento de Justiça que investigasse os fatos, declarou a intenção de rever o caso. A unidade de inteligência do NYPD foi criada por um ex-chefe aposentado da CIA. Segundo a AP, ele criou uma versão da CIA dentro da Polícia de Nova York.

Companhias telefônicas espiãs
A Lei Patriótica dos EUA garantiu à Agência Nacional de Segurança amplos poderes para monitorar chamadas telefônicas, e-mails, bate-papos pela internet e o uso de websites pelos americanos, sem qualquer autorização judicial. Em 2006, a imprensa descobriu uma nova frente de espionagem contra os americanos, sem qualquer evidência de atos ilícitos praticados por eles e sem ordem judicial: as grandes companhias telefônicas do país passaram a fornecer aos órgãos de segurança "quantidades massivas" de gravações de conversas telefônicas e outros tipos de comunicações de milhões de consumidores do país, diz a ACLU.

Mais de 40 ações judiciais foram movidas por grupos e organizações ligados às liberdades civis e direitos humanos, entre as quais a ACLU. As organizações alegavam, entre outras coisas, violação direta de leis federais e estaduais, bem como os direitos à privacidade e à associação protegidos pela constituição. Em vão: por exigência do governo Bush, o Congresso americano aprovou um projeto de lei, com efeito retroativo, que garantiu imunidade às gigantes das telecomunicações que colaborassem com o governo no serviço de espionagem. Todas as ações, que acabaram combinadas em uma só, foram encerradas e arquivadas, diz a ACLU. 

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