Penhora administrativa

Execução argentina permite penhora antecipada de bens

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28 de abril de 2010, 4h20

A execução fiscal na Argentina é regulada pelo Decreto 821, de 13 de julho de 1998, que aprova o conteúdo da Lei 11.683, de 1978. Tem-se modelo fracionado em instâncias administrativas e judiciais. Entre aquelas, administrativas, verifica-se a atuação de agentes fiscais, e de um modelo de Tribunal Fiscal, vinculado ao Poder Executivo, e detentor de jurisdição. Potencializa-se a ação do Poder Executivo.

À Administração, no que se refere à cobrança de créditos fiscais, outorga-se ampla gama de poderes, que transitam da penhora à citação, de medidas cautelares a decisões de cunho definitivo. Há um Tribunal Fiscal, com estrutura desvinculada do Poder Judiciário, em seu sentido organizacional, em que pese a ele subsumido, quanto a regimes de interpretação de normas, especialmente de fundo constitucional. A execução fiscal na Argentina desdobra-se junto à Administração, como regra, não obstante ao Judiciário garanta-se competência corretiva, de modo permanente e recorrente.

Outorga-se poder de cobrança para a Administracion Federal de Ingresos Publicos, que conduz modelo denominado de judicial, em que pese a expressão, concretamente, reportar-se a tribunal fiscal de feição mais administrativa. Intimado, o devedor está autorizado a invocar exceções, defendendo-se. Com tal objetivo o executado poderá, em cinco dias da intimação, alegar, entre outros, o pagamento da obrigação (comprovando o alegado por documentação), a prescrição ou a imprestabilidade do título executivo. O rol é limitado.

A execução é proposta por agente fiscal junto a órgão administrativo que detém competência para apreciar matéria tributária; informa-se a numeração indicativa da dívida que se cobra, nome e domicílio do executado, bem como se indicam os nomes dos oficiais de Justiça ad hoc e de demais autorizados a cumprir diligências, com vistas a cobrança, penhora, arresto e notificações, entre outras informações. O órgão é a própria Administração fiscal. Juízo superior é de competência do Tribunal Fiscal.

Tomadas estas cautelas, o agente fiscal confecciona mandado de intimação para pronto pagamento, bem como para penhora imediata, explicitando-se o devido, acrescido de mais 15%, a título de juros e custas; a intimação também abre prazo para contestação da cobrança, por meio de oposição. No mesmo documento indica-se o juízo competente, bem como a autoridade julgadora. O mandato é instruído por cópia do documento de cobrança.

À autoridade fiscal se faculta promover a penhora de contas bancárias, fundos e valores depositados em entidades financeiras, ou de bens, de qualquer natureza, na busca da realização do crédito público. A qualquer momento da execução a autoridade fiscal poderá determinar penhora geral de fundos e valores de qualquer natureza, depositados em instituições definidas em lei. Contados 15 dias da medida restritiva, as instituições financeiras notificadas da constrição deverão encaminhar informações às autoridades fiscais. Se medidas cautelares recaírem sobre as contas bancárias do devedor, o agente fiscal deverá confeccionar e expedir ofício para que se procedam as anotações necessárias. Na eventualidade de que medidas acautelatórias sejam tomadas antes da intimação do devedor, quanto à execução, a legislação prevê que o executado seja noticiado em cinco dias, contados da providência implementada pelo fisco.

O executado pode impugnar a cobrança junto à autoridade competente. Esta peça será encaminhada ao agente fiscal que figura no polo ativo da execução, em cinco dias. Deste passo, o agente do fisco será notificado pessoalmente ou por mandato. A sentença da execução não comporta apelação. Resguarda-se, no entanto, o direito da Administração confeccionar um novo título executivo, bem como se resguarda ao executado o direito de repetir o indevidamente pago, ou ainda ajuizar ação de cobrança.

A inexistência de impugnação suscita que o agente fiscal requeira à autoridade julgadora que se circunstancie o fato, por certidão, extinguindo-se o feito, no que toca à oposição do devedor, operando-se a preclusão. O agente fiscal está autorizado a liquidar a obrigação, se garantias há. Deve, no entanto, notificar ao executado, em cinco dias. Uma vez notificado a respeito da liquidação que se aproxima, o executado tem cinco dias para explicitar que pretende se opor à liquidação, nos termos da legislação processual civil e comercial argentina.

O executado pode também se opor à determinação administrativa de honorários, requerendo que estes sejam fixados em âmbito judicial. E quanto a estas verbas, a Administração fiscal tem poderes para estabelecer valores, valendo-se de parâmetros que a legislação tributária impõe a advogados e procuradores. O arresto e leilão de bens devem ser comunicados à autoridade julgadora, notificando-se o executado, administrativamente.

Dispõe-se que entidades financeiras e terceiros deverão transferir valores penhorados a contas bancárias vinculadas aos juízos competentes até que se obtenha o montante legal do cobrado pelo fisco. Determina-se que a providência deva ser tomada em dois dias úteis, contados da respectiva intimação. Os gastos decorrentes do implemento destas providências correrão por conta do executado. À autoridade fiscal permite-se a indicação de leiloeiro. Os editais deverão ser divulgados por dois dias, assim em diário oficial, como em jornal de circulação local.

A legislação prevê que nos órgãos competentes para a cobrança de impostos, direitos, recursos da seguridade social, multas, juros, de interesse da Administração tributária, a representação do fisco seja exercida por procuradores ou agentes fiscais. As referidas autoridades recebem instruções diretas do fisco, e ao fisco devem informar as medidas que tomam, na busca dos créditos públicos. Aos procuradores e agentes fiscais reserva-se o direito à percepção de honorários advocatícios. Exceto, no entanto, quando estes sejam devidos pelo Erário, e sempre que satisfeito o crédito tributário que se persegue. Indica-se, ainda, que na hipótese de funcionários designados pela Administração fiscal, pode esta fixar modelos de distribuição dos honorários auferidos.

Dispõe-se que a Administração fiscal deva disponibilizar a seus representantes os fundos necessários para despesas com custas referentes a publicação de editais, diligências, notificações, mandados, entre outros. Deve o represente legal do fisco, por outro lado, prestar contas, documentadamente, no que toca às providências tomadas. Ainda, deve ressarcir o fisco, na medida em que o executado recolher os valores devidos. Para tais fins, cria-se conta com rubrica correspondente.

O modelo prevê citações, notificações e intimações. Utiliza-se carta com aviso de recebimento, instando-se o correio a agir com urgência e segurança. Dispõe-se que o aviso de recebimento faz prova da notificação, na medida em que o documento seja entregue no domicílio do devedor, ainda que assinado por terceiro. O referido ato também será realizado pessoalmente. A incumbência da intimação pessoal é de servidor da Administração. É requisito de validade do ato a indicação de lugar, dia e hora da diligência, a par da assinatura do executado.

Na impossibilidade deste fazê-lo pode-se recorrer de testemunha a rogo. Na hipótese do devedor não se encontrar no local da diligência, ou se o executado se recusar a acusar o recebimento do documento, não o assinando, deve-se consignar a situação em ata. Em dia útil subsequente, dois funcionários da Administração vão até o domicílio do executado. Caso não o encontrem, deixam o documento a quem esteja no domicílio.

Na eventualidade de ninguém aceitar receber a intimação, os fiscais estão autorizados a fixar na porta do domicílio do devedor o documento que até então não fora entregue. As atas que circunstanciarem os fatos aqui noticiados fazem fé, suscitam presunção relativa, isto é, são verossímeis até prova em contrário. Possibilita-se a intimação também por meio telegráfico, ou semelhante.

Na impossibilidade do uso dos meios aqui indicados faculta-se a intimação por edital, que deverá ser publicado por cinco dias em diário oficial, sem prejuízo das demais providências e diligências que a Administração venha eventualmente tomando. Quanto ao uso de meios telemáticos, exige-se comprovante de que a mensagem fora encaminhada ao domicílio fiscal eletrônico do devedor, quando estes optaram pelo uso da aludida modalidade de comunicação com a Administração.

Faculta-se à Administração fiscal o poder de realizar penhora preventiva, a qualquer momento. Alternativamente pode-se requerer a indisponibilidade dos bens do contribuinte, no limite da dívida. Pode-se inclusive requerer penhora preventiva ou indisponibilidade de bens de responsável tributário ou de devedores solidários. A autoridade provocada para autorizar a constrição tem 24 horas para se manifestar, positivamente, comprovadas as instâncias justificadoras da medida. É ao fisco que cabe postular a medida, e também ao fisco se fixa a responsabilidade pelas informações prestadas, bem como por tudo que advenha da medida deferida.

A penhora preventiva pode ser substituída por garantia real, desde que suficiente. Perde eficácia em 300 dias úteis, contados do deferimento da medida, isto é, se a Administração ao longo deste tempo não promover a respectiva execução fiscal. Dispõe-se que o referido prazo pode ser suspenso, na medida em que se tenha recurso pendente no Tribunal Fiscal da Nação, desde a data do protocolo do recurso até 30 dias do trânsito em julgado da decisão da Justiça fiscal.

Este Tribunal Fiscal da Nação é competente para apreciar recursos interpostos das decisões administrativas de primeira instância. O tribunal tem sua sede em Buenos Aires podendo, no entanto, atuar em outros pontos do país. Para tal, confeccionam-se ordens, identificadas como fixas ou móveis; aquelas primeiras dependem de conveniência, estas últimas são permanentemente apontadas no regulamento da corte.

Aos juízes permite-se que despachem em qualquer lugar do país. Faculta-se que contribuintes e responsáveis possam optar por demandarem na capital ou nas várias jurisdições ad hoc, fixas ou móveis.

O modelo não admite controle de constitucionalidade, por parte do referido Tribunal Fiscal. Permite-se, no entanto, que o Tribunal se manifeste sobre inconstitucionalidade de regra, na medida em que a Suprema Corte da Argentina já se tenha pronunciado. E ao Tribunal Fiscal a legislação determina que se aplique a norma discutida, e plasmada como inconstitucional, nos mesmos termos definidos pela Suprema Corte daquele país.

O Tribunal conta com 21 juízes, denominados de vogais, que devem ser argentinos, e que precisam ter mais de 30 anos de idade. Exige-se que o magistrado fiscal comprove o exercício da advocacia ou da atividade de contador, pelo prazo mínimo de quatro anos. O Tribunal divide-se em sete câmaras, que o Direito argentino nomina de salas. Três câmaras cuidam de matéria aduaneira, as quatro restantes têm competência para questões tributárias gerais, a chamada matéria impositiva.

Estas câmaras, de matéria impositiva geral, são integradas por dois advogados e por um contador público, o que sugere composição paritária. Cada um desses magistrados conta com a assistência de um secretário, formado em Direito ou em Ciências Contábeis. A composição do Tribunal, no que toca à alteração do número de câmaras e de julgadores é matéria afeta ao Poder Executivo.

É também o Poder Executivo quem designa o presidente do Tribunal. Ao presidente do Tribunal prevê-se mandato de três anos, permitindo-se a recondução. Os membros do Tribunal exercem as respectivas funções nos locais originários das nomeações. Detêm prerrogativa de inamovibilidade, dado que não podem ser transferidos sem consentimento.

A regra comporta exceções. Há previsão para afastamento, garantindo-se, no entanto, ao julgador vogal, o direito de defesa e o cumprimento do devido processo legal. Entre os motivos que justificam o afastamento do julgador vogal, a legislação indica o mau desempenho do julgador, conduta inadequada, negligência recorrente que qualifica demora no julgamento dos processos, cometimento de delitos que comprometam nome e honra do julgador, inépcia, desrespeito às previsões normativas sobre incompatibilidade, entre outros.

No Tribunal Fiscal da Nação há lista indicativa de incompatibilidades. Veda-se que o julgador exerça o comércio ou quaisquer atividades políticas. Proíbe-se o exercício de atividade profissional, exceto na defesa de interesses pessoais, de cônjuge, de pais, filhos, bem como o exercício de empregos públicos ou privados, excluindo-se destes últimos a participação em comissão de estudos ou o magistério.

O caminho procedimental regular transita da propositura da execução pelo agente fiscal, em âmbito administrativo, com destino à satisfação do crédito, limitando-se a discussão, em princípio, ao Tribunal Fiscal. No entanto, faculta-se ao contribuinte executado o acesso ao Poder Judiciário, ajuizando-se ação na Justiça comum, em face do Fisco, com prazo contado a partir do conhecimento da decisão administrativa. Toma-se então o rumo previsto na legislação processual.

Tem-se exceção, dado que, como regra, na Argentina, o crédito tributário é cobrado a partir de atuação firme da Administração, e em âmbito administrativo. Configura-se modelo híbrido, em função da possibilidade de se alcançar ao Judiciário, circunstância mitigada na prática pela posição preponderante que a legislação confere à Administração, na busca da satisfação de seus créditos, o que poderia suscitar a figura da autotutela, tal como desenhada na Teoria Geral do Direito Administrativo.

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    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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