Caminhos da partilha

Lei errou ao diferenciar união estável do casamento

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20 de setembro de 2009, 6h36

Mesmo com importantes mudanças trazidas pelo Código Civil de 2002, principalmente na área do Direito de Família, a lei falhou ao diferenciar a união estável do casamento civil na hora da partilha de bens. É o que afirmam advogados ouvidos pela revista Consultor Jurídico. Segundo especialistas, o problema está no artigo 1.790, que dá ao companheiro direito sucessório diferente ao do cônjuge. Os direitos do cônjuge na partilha são enumerados no artigo 1.829 do Código.

Pela lei, o cônjuge não precisa dividir a herança com parentes colaterais (tios e sobrinhos). Já o companheiro, sim. O novo Código também alçou o cônjuge à condição de herdeiro necessário, independente do regime do casamento. Isso não aconteceu com o companheiro, que pode ser excluído do testamento e ficar sem a herança. A lei de 2002, no entanto, não foi de todo ruim para aqueles que vivem em união estável. Em alguns casos, na hora de dividir a herança, a companheira pode ter um quinhão a mais, o que não aconteceria se os dois fossem casados.

A diferenciação é tida pelos especialistas como inconstitucional. O advogado de família Cássio Namur explica que a Constituição, em seu artigo 5º, diz que todos são iguais perante a lei. O Código Civil a contraria ao diferenciar os casados daqueles que vivem em união estável. Namur lembra que a Constituição assegura, no seu artigo 226, que a família é a base da sociedade, tendo especial proteção do Estado e, ainda, que é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Portanto, de acordo com ele, a Constituição não traz nenhum elemento discriminatório entre as instituições do casamento e da união estável.

“Não há como admitir a discriminação contida no artigo 1.790, já que é incompatível com a Constituição Federal, que equipara as entidades familiares. Na verdade, o Código Civil, ao regular o direito de família, lamentavelmente distanciou-se dos valores constitucionais”, diz o advogado Luiz Guilherme Marinoni, professor da Universidade Federal do Paraná. Para Marioni, a diferenciação diminuiu a proteção constitucional dada às famílias. “A união estável teve o seu significado constitucional simplesmente ignorado pelo artigo 1.790, que trata, em algumas situações, o companheiro como alguém inferior ao cônjuge.”

O advogado Luiz Kignel concorda com os colegas. Ao regulamentar a união estável, o espírito do legislador foi atribuir a este instituto familiar as mesmas garantias do matrimônio civil. Igualaram-se direitos e obrigações entre companheiros, tal qual no casamento civil. Mas, na hora da sucessão, foi feita a diferenciação. “Ora, se durante todo o curso da união estável as regras aplicáveis se igualam ao casamento civil, o evento morte não deveria diferenciá-los.” Kignel conta que já está em estudo uma reforma do código para tirar essa diferenciação. "Tudo depende da pressão da sociedade como um todo para que a tramitação seja rápida”, diz.

Em entrevista à ConJur, a especialista Alessandra Rugai Bastos, também abordou o assunto. De acordo com ela, essa diferenciação gera polêmica desde a vigência do Código e ainda ao há jurisprudência pacificada sobre o tema. “O Código Civil não poderia diferenciar. A discussão já chegou à Justiça. Alega-se a inconstitucionalidade desse dispositivo que faz a diferenciação. É uma das grandes polêmicas do Código Civil.”

Artigo da discórdia
Recentemente, a constitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil foi discutida no Tribunal de Justiça do Paraná. A inconstitucionalidade da norma foi defendida pelo advogado Guilherme Marinoni. Ao analisar o pedido, a 12ª Câmara Cível do tribunal, em votação unânime, acolheu a tese e suscitou incidente de inconstitucionalidade, que deve ser apreciado e julgado pelo Órgão Especial da corte.

O relator na 12ª Câmara Cível, desembargador Costa Barros, destacou que o Código de 2002, quando tratou da sucessão, rebaixou o status do companheiro sobrevivente em relação ao cônjuge, ao diferenciar o regime de sucessão na herança. “Trata-se, pois, de regra supostamente inconstitucional, uma vez que vulnerou os princípios da igualdade e da dignidade. Dito isso, cabe ressaltar que seria vedado a esta Câmara isolada desta corte estadual firmar a inconstitucionalidade do artigo 1.790, III, do Código Civil, em face do princípio da reserva de plenário, previsto no artigo 97 da Constituição Federal”, escreveu. Clique aqui para ler a decisão.

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