Encontro da Magistratura

V Fórum Mundial de Juízes discute crimes políticos

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26 de janeiro de 2009, 11h36

Torturas e sequestros ocorridos durante a ditadura militar na América Latina foram o foco das discussões no terceiro e último dia do V Fórum Mundial de Juízes, nesse domingo (25/1), em Belém. Logo cedo, o juiz chileno Juan Guzmán falou sobre a intervenção do Poder Judiciário durante e após a ditadura de 1973 a 1990, no Chile. O magistrado foi quem investigou os casos de tortura e homicídios praticados pelo ditador chileno Augusto Pinochet, que não chegou a ser condenado em vida, mas acumulou 14 perdas de imunidade e vários julgamentos. O Caso Pinochet influenciou, em parte, na criação do Tribunal Penal Internacional.

“A repressão que sofreu o Chile pode ser resumida na prática indiscriminada de prisões, na utilização de torturas mais sofisticadas e no desaparecimento de pessoas como forma de terrorismo por parte do Estado.” Segundo o juiz, “o Poder Judiciário colaborou com a perpetração dos crimes cometidos por agentes do estado neste período. Deveriam ter sido investigados e julgados os magistrados que delinquiram como cúmplices nos crimes de sequestro, assassinato e tortura”. Para ele, apesar das mudanças que se fizeram em nome da democracia, há no Chile um aumento da pobreza e insegurança, além de uma criminalização dos povos originais e movimentos sociais, com uma polícia militarizada, resquício de uma ditadura recente.

Segundo Juan Guzmán, a troca de experiência entre juízes de gerações e nacionalidades diversas são sempre válidas e importantes. “Brasil, Itália, Chile e Espanha, em especial, são países progressistas e, como tais, assumem compromisso com os povos originais e usam o Direito para fins sociais, com o objetivo de pregar a igualdade entre as nações, priorizando os tratados internacionais do direitos humanos.”

Ainda durante a manhã, o painel sobre a responsabilização dos agentes públicos violadores dos direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil, o procurador-regional da República de São Paulo, Marlon Weichert, e a procuradora da República no estado de São Paulo, Eugênia Fávero, falaram sobre a Ação Civil Pública, da qual são autores, contra o coronel Carlos Alberto Ustra, primeiro oficial condenado na Justiça brasileira por sequestro durante o regime militar.

Ustra comandou de setembro de 1970 a janeiro de 1974 o DOI-Codi de São Paulo, órgão de repressão aos grupos de oposição do regime militar brasileiro. Houve, segundo números oficiais, 502 denúncias de torturas referentes a esse período das quais muitas estão ligadas ao nome de Ustra.

À tarde, na conferência de encerramento, o juiz e procurador da República em Roma Giancarlo Capaldo falou sobre os crimes praticados na Operação Condor, aliança político-militar entre os vários regimes militares da América do Sul (Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai), cujo objetivo era coordenar a repressão aos opositores do regime.

Após denúncias de parentes de desaparecidos políticos, Capaldo passou a investigar 25 casos de crimes que envolviam italianos e que aconteceram nos cinco países. Apesar dos pedidos, o governo brasileiro não colaborou com as investigações, interrogatório e extradição de alguns acusados pelo desaparecimento de dois ítalo-argentinos na década de 80 – Horácio Domingo Campiglia e Lorenzo Ismael Viñas. Há alguns meses, a Justiça reconheceu a responsabilidade indireta do governo brasileiro e determinou o pagamento de indenizações às famílias de vítimas italianas.

Quanto à concessão de refúgio concedida pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, ao italiano Cesare Battisti, condenado por homicídio na Itália, Capaldo disse não acreditar que a relação entre os dois países será abalada.

Ao final do encontro, foi redigida e aprovada a Carta de Belém, um documento que sintetiza os princípios discutidos durante os três dias, entre os quais o reconhecimento de que juiz deva ter um perfil humanista e saber conciliar a razão e o sentimento para construir uma sociedade mais justa. A carta expressa solidariedade aos magistrados da Colômbia que são vítimas de atentados e a aprovação da PEC 438/01, como medida necessária para a erradicação do trabalho escravo no Brasil. 

Leia a carta

Carta de Belém

Os participantes do V FÓRUM MUNDIAL DE JUÍZES, reunidos em Belém (PA) entre os dias 23 e 25 de janeiro de 2009, adotam a seguinte carta:

1. Reconhecem que a dignidade da pessoa é o fim de toda a atividade humana e princípio jurídico fundamental;

2. Defendem que o juiz tenha um perfil humanista e saiba conciliar razão e sentimento para construir uma sociedade mais justa;

3. Expressam compromisso com uma sociedade livre, fraterna, igualitária, pluralista, construída em ambiente sadio e comprometida coma defesa efetiva dos direitos fundamentais, reconhecidos na Constituição e Tratados internacionais;

4. Sustentam a universalidade dos direitos humanos e defendem o cumprimento das decisões das cortes internacionais de defesa dos direitos humanos e repressão aos crimes contra a humanidade;

5. Expressam solidariedade aos magistrados da Colômbia que são vítimas de atentados e ameaças graves. Essas violências representam a violação mais dramática da independência da magistratura. Também por isso os Estados têm obrigação de proteger a vida dos magistrados e de seus familiares. Cada forma de inércia ou de tolerância representaria objetivamente um tácito consentimento a essas violências;

6. Protestam, do mesmo modo, pela necessidade de que as autoridades assegurem o pleno funcionamento do Poder Judiciário, especialmente em Estados como o Pará e Maranhão, evitando-se que se repitam atos de violência já praticados contra a instituição seus operadores e o próprio jurisdicionado;

7. É dever do Estado, por outro lado, assegurar mecanismos eficazes para proteger as liberdades, entre as quais a de exercício dos mandatos associativos e sindicais da magistratura, sem o que estaria comprometido o funcionamento das entidades e também a autonomia que devem preservar perante os Tribunais;

8. Consideram, que é importante que se reconheça, definitiva e isonomicamente, em harmonia com os princípios constitucionais, o direito de afastamento dos juízes presidentes de associações para exercício de mandato associativo;

9. Apóiam a proposição de eleições diretas para os Tribunais e Conselhos da Magistratura, como forma de democratização do Poder Judiciário;

10. Defendem que a nomeação dos juízes dos Tribunais se dê por ato dos próprios Tribunais, sem qualquer intervenção do Poder Executivo;

11. Defendem a extinção do Quinto Constitucional nos Tribunais Brasileiros;

12. Defendem a reforma processual com a finalidade de alterar o atual sistema de recursos, para valorização das decisões de Primeiro Grau;

13. Apóiam a aprovação da PEC n° 438/2001, como medida necessária para a erradicação do trabalho escravo, bem como a criação e adequado aparelhamento de comarcas do trabalho no sul e sudeste do Pará;

14. Entendem que as indenizações decorrentes da ações civis públicas, que têm por objeto o tema do trabalho escravo, devem reverter para as comunidades lesadas;

15. Em face de tantos perigos, devemos prosseguir sustentando a bandeira de um sistema jurídico protetor, destinado a compensar juridicamente uma realidade de desigualdades que, sendo inerentes ao conjunto das relações sociais de trabalho, tendem a multiplicar-se e aprofundar-se na crise.

1. Renovamos nossos compromissos com a defesa dos princípios do Direito do Trabalho, em especial o da progressividade, com o constitucionalismo social, com os Direitos Humanos e com suas garantias.

2. Afirmam a necessidade da interpretação técnico-jurídica da lei de anistia para que se apurem efetivamente os crimes contra a humanidade, perpetrados pelos agentes do estado durante o período da Ditadura Militar.

3. Afirmam a necessidade de que o Ministério Público promova a persecução criminal necessária para a responsabilização dos autores de crimes contra a humanidade praticados durante a Ditadura Militar no Brasil, com a criação de força tarefa para este fim.

4. Por fim, reafirmam os manifestos e deliberações externados nas edições anteriores do Fórum Mundial de Juízes.

Belém, 25 de janeiro de 2009.

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