Saúde restrita

Acesso a medicamentos é direito constitucional

Autor

  • Patrícia Luciane de Carvalho

    é assessora Jurídica da Agência USP de Inovação; professora da Universidade Anhembi; membro da Associação Portuguesa de Direito Intelectual; membro da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual; membro da Consultora da Comissão da Propriedade Imaterial da OAB/SP.

21 de janeiro de 2009, 8h18

Seguem algumas observações, sem maiores apreços jurídicos, no sentido de oferecer uma resposta e/ou um complemento aos reclamos estatais diante do aumento da demanda pela tutela do Poder Judiciário para a acessibilidade de medicamentos:

O direito ao acesso a medicamentos possui fundamento maior na Constituição Federal (vida, saúde, dignidade e desenvolvimento) e não apenas ou exclusivamente na Lei 8.080/90 (SUS), que lhe é hierarquicamente inferior. O governo federal e algumas esferas do Poder Judiciário buscam relacionar a problemática com a Lei do SUS para reduzirem, de modo mais fácil e menos polêmico, a acessibilidade a medicamentos;

A existência de fraudes em ações judiciais é problema a ser resolvido pelo Poder Judiciário ou, no máximo, pelo Conselho Nacional de Justiça. O direito ao acesso a medicamentos não deve ser eleito como a razão de tais fatos, os quais, como de conhecimento, ocorrem em todas as esferas e poderes do governo nacional;

A Inglaterra, como modelo de gestão para o acesso a medicamentos, é desproporcional frente à realidade brasileira. Primeiro, porque o direito à vida, à saúde, à dignidade e ao desenvolvimento são constitucionais e herdados da construção dos Direitos Humanos, com destaque aos trabalhos da Organização das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos. Segundo, o Brasil bateu novo recorde da arrecadação tributária (38%) e esta se presta exatamente para o cumprimento da finalidade estatal, que é o atendimento às necessidades públicas, dentre elas o direito à saúde e acesso a medicamentos. E, terceiro, em que pese a alta carga tributária, os problemas sociais nacionais são, ainda, de grande monta;

A aprovação pela Anvisa não é, em alguns casos, impeditiva, eis que medicamentos podem ser adquiridos e utilizados quando tenham aprovação por organismo governamental similar à Anvisa de outro país ou que tenham recomendação da Organização Mundial da Saúde. E mais: estes fatos são fundamentos para a dispensa de licitação;

O critério que deve prevalecer para o diagnóstico e prescrição médica e fármaca é o do profissional médico e/ou de uma junta médica, a qual, para manutenção da imparcialidade, não pode ser composta apenas por médicos estatais. Observe-se, ainda, que eventuais decisões contraditórias envolvem a responsabilidade do profissional médico;

Em razão da Constituição Federal estabelecer como direito de todos e dever do Estado o direito à vida, à saúde, à dignidade e ao desenvolvimento, o foco é o paciente e não o orçamento público. O argumento estatal de que apenas pode fazer de acordo com a previsão orçamentária não cabe para a questão do acesso a medicamentos, eis que este é um direito humano (ONU e OEA), progressivo (OEA e CF), fundamental (CF) e imediato (CF);

O Supremo Tribunal Federal, guardião maior da Constituição Federal, no recurso sob análise mencionado na reportagem ou em questões futuras, prende-se, apenas, à Constituição Federal, e não a questões políticas/orçamentárias, não estando à mercê de politização da Ordem Jurídica;

A lista do SUS, referente a medicamentos, historicamente é desatualizada, e o direito à saúde/acesso a medicamentos vincula-se, prioritariamente, à Constituição Federal e não a uma lista;

Em matéria de direitos fundamentais (vida, saúde, dignidade e desenvolvimento), qualquer listagem é enumerativa e não taxativa, no sentido de que é passível de ampliações e não de reduções;

O governo federal deve cumprir a função incidental: atender aos reclamos da população. Todavia, deve dar destaque aos preventivos, ou seja, permanentemente executar preventivamente planos públicos, com o orçamento adequado e periódico, à questão da saúde;

Alternativas devem ser estabelecidas e, para tal, indicam-se algumas que já foram inclusive protocoladas junto ao Ministério da Saúde, pela signatária: uso de plantas naturais, fitoterapia e homeopatia, desenvolvimento da indústria farmacêutica nacional, desenvolvimento de fármacos pelos laboratórios públicos, desenvolvimento de fármacos por meio de joint ventures (parcerias empresariais), desenvolvimento de medicamentos genéricos, estabelecimento de prioridades políticas e dos laboratórios públicos.

Destaque-se que estas são observações que devem ser acrescidas ao debate nacional acerca da acessibilidade de medicamentos.

Autores

  • é assessora Jurídica da Agência USP de Inovação; professora da Universidade Anhembi; membro da Associação Portuguesa de Direito Intelectual; membro da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual; membro da Consultora da Comissão da Propriedade Imaterial da OAB/SP.

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