Causa do milhão

Folha e jornalista são condenados a indenizar juiz

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17 de dezembro de 2009, 15h02

Por entender que o jornal Folha de S. Paulo publicou reportagem com cunho “deliberadamente insidioso pelo seu conteúdo e também pelo contexto em que foi colocada na diagramação”, o juiz Fernando Antonio Tasso, da 10ª Vara Cível, condenou a Empresa Folha da Manhã e o jornalista Frederico Vasconcelos a pagar R$ 1,2 milhão ao juiz federal Ali Mazloum. Além da condenação por danos morais, o juiz determinou a publicação da sentença no jornal. A Folha vai recorrer. Como publicação de sentença era possibilidade da Lei de Imprensa, declarada inconstitucional este ano, a tendência é que ao menos esta sanção caia.

O texto publicado pelo jornal tratava da mudança, prevista na época e já efetivada,  do Fórum da Justiça Federal em São Paulo da praça da República para a alameda Ministro Rocha Azevedo. O jornal sustentava que a localização anterior, no centro, era melhor para os acusados de esquema de venda de sentenças judiciais, pela proximidade dos escritórios de advogados e doleiros alvo da operação. A reportagem dizia, ainda, que "atribuiu-se a um "lobby" dos juízes Casem e Ali Mazloum críticas à mudança". No pedido de indenização, Ali Mazloum alegou que o jornal veiculou uma série de reportagens ofensivas à sua honra e que a manchete “Operação República” “possui cunho sensacionalista, permeada de aleivosias, fruto de criação mental e vontade arbitrária dos requeridos, sem nenhuma base fática”.

Em sua defesa, o jornal informou que as reportagens foram produzidas como resultado das investigações que ocorriam à época da Operação Anaconda e que as informações publicadas pelos réus “foram obtidas de fontes fiedignas e confirmadas antes da publicação”. A Folha afirmou também que a reportagem não faz acusações, pré-julgamentos ou juízo de valor, evidenciando, apenas, que havia à época dos fatos especulações quanto ao interesse do autor.

Na sentença, o juiz Fernando Antônio Tasso sustenta que o direito à informação colide com outros direitos fundamentais igualmente garantidos pela Constituição e que, por isso mesmo, não é absoluto. Diz o juiz: "No cotejo entre os direitos à honra e à imagem e, de outra parte, o direito de informar, a prevalência deste se dá se, e somente se concorrerem os seguintes pressupostos: 1) a informação for verídica; 2) a informação for inevitável para passar a mensagem; 3) a informação for relevante, na dicção de se tratar de um aspecto marcante da vida social; e 4) não deve ser veiculada de forma insidiosa" .

O juiz afirmou que o texto publicado pela Folha "trouxe embutida a mensagem subliminar de que os protagonistas eram quadrilheiros reunidos para obstar a mudança", mensagem repassada ao leitor, "a despeito de linhas adiante relatar a opinião de Ali Mazloum, totalmente discordante". Ele reiterou, ainda, que as apurações feitas pelo Ministério Público Federal envolvendo os juízes não encontraram provas que pudessem incriminá-los. “Não houve a apresentação à Justiça de indícios de autoria de qualquer ato definido como crime pelo autor, motivo pelo qual a reputação do indivíduo e magistrado permaneceu incólume”, afirmou o juiz.

Contextualização
O juiz aduziu ainda que a própria diagramação do jornal, inserindo a notícia sobre a mudança da sede do tribunal entre outras notícias que "tratam de juízes acusados de crime e de prorrogação da prisão de juízes acusados de venda de sentenças, enquanto nenhum desses assuntos pode ser atribuído ao autor".

A sentença destaca que o autor da reportagem, Frederico Vasconcelos, é autor também do livro Juízes no Banco dos Réus, para concluir: "É alta a intensidade do dolo do jornalista, porquanto também é autor da obra intitulada “Juízes no Banco dos Réus”, na qual constam reportagens de sua própria autoria e relatam fatos e teorias que incriminam juízes e outras autoridades. Assim sendo, não só o impacto, como a veracidade daquilo que afirma no livro são reforçados por novos fatos e reportagens, a exemplo do que ora se trata, o que seria até mesmo salutar, não fosse proveniente de criação leviana".

Tasso estabeleceu o valor da indenização a ser paga pelo jornal em R$ 1,2 milhão. Chegou a esse número multiplicando 20 salários mínimos pelo número de meses no exercício da magistratura do autor da ação (11 anos). Também condenou o jornal a publicar a  sentença depois do trânsito em julgado, sob pena de multa diária de R$ 200 mil.

A Lei de Imprensa estabelecia em seu artigo 51 que o máximo de indenização a ser paga pelo jornalista condenado por crime de imprensa era de 20 salários mínimos (R$ 9.300 em valores de hoje). Para o jornal o limite era de 10 vezes esse valor (R$ 93 mil), conforme previsto no arigo 52. Sem a limitação prevista na extinta Lei de Imprensa, não existe mais nenhum parâmetro para fixação da indenização. 

O jornal informou que vai recorrer da decisão. Segundo a Folha Online, a advogada do jornal Taís Gasparian disse que causa espanto o valor fixado para a indenização de dano moral, que escapa dos parâmetros já definidos pelo Superior Tribunal de Justiça e não guarda relação com a realidade brasileira.

Publicação de Sentença
Colocado diante da situação em que uma revista foi condenada a publicar sentença, mas ainda não o fez, o ministro Carlos Britto opinou no sentido de que o direito não poderia ser exercido, posto que é inconstitucional. Já o seu colega Marco Aurélio viu por ângulo diferente e decidiu no sentido de garantir o direito do ofendido.

Em pelo menos um caso o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que com o fim da Lei de Iimprensa, não existe mais base legal para obrigar o veículo a publicar a sentença como punição. Em 15 de dezembro, ao julgar um recurso contra o jornal Estado de Minas, a 3ª Turma do STJ decidiu que a publicação de decisão judicial na imprensa era prevista pela Lei de Imprensa, que foi revogada em abril deste ano. De acordo com o voto da ministra Nancy Andrighi “a publicação integral da sentença no mesmo veículo que promoveu a ofensa à parte não se confunde com o direito de resposta. Enquanto o direito de resposta pode encontrar respaldo em outros dispositivos legais, a publicação da decisão era prevista pela Lei de Imprensa, que não foi recepcionada pela Constituição de 1988”.

Leia a íntegra da sentença.

Processo nº 583.00.2008.131176-0
Vistos.
ALI MAZLOUM moveu ação de indenização por danos morais em face da EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A. e FREDERICO VASCONCELOS alegando, em síntese, que o jornal Folha de São Paulo, editado pela empresa ré, teria veiculado uma série de reportagens ofensivas à honra do autor, sendo que grande parte das matérias teriam sido subscritas pelo réu Frederico Vasconcelos. Argüiu que a manchete intitulada “Operação República” possui cunho sensacionalista, permeada de aleivosias, fruto de criação mental e vontade arbitrária dos requeridos, sem nenhuma base fática. Apontou que a matéria veiculada pelos réus exporia negativa e indevidamente o autor, magistrado, porquanto afirmou que este teria se oposto à alteração da sede do Fórum Criminal da Praça da República para a Rua Ministro Rocha Azevedo em função da facilidade que a primeira localização conferiria à pratica de atos criminosos, bem como pela dificuldade impingida ao órgãos de controle que a alegada distância traria.

Sustentou que os requeridos teriam correlacionado indevidamente o autor à então corrente e noticiada “Operação Anaconda” que era sede de investigação da alegada venda de sentenças, chegando a acusá-lo de fato descrito como crime. Fundamentou-se no argumento de que a veiculação da noticia tida por leviana e maliciosa teria causado danos à imagem do autor consistente na ofensa à sua honra subjetiva. Pleiteou a condenação dos requeridos no pagamento de indenização por danos morais em importe não inferior à R$ 150.000,00, bem como que fosse determinada a publicação da sentença condenatória no Jornal Folha de São Paulo e no sítio eletrônico da empresa ré, com o mesmo formato e destaque que foi dado à manchete impugnada, pelo mesmo tempo da matéria em questão. Juntou documentos.

Validamente citados, os requeridos apresentaram contestação tempestiva na qual sustentaram a legalidade na conduta de veiculação da notícia, porquanto a correlação realizada entre o autor e as acusações criminosas verificadas na “Operação Anaconda” teriam sido resultado das investigações que ocorriam à época da citada operação. Outrossim, argüiram que as informações publicadas pelos réus foram obtidas de fontes fidedignas e confirmadas antes da publicação. Que o sentido empregado à palavra “lobby” é diverso daquele levado em consideração pelo autor em sua inicial, não tendo sido empregado pelos réus como indicador de ato ilícito. Sustentaram que a matéria não faz acusações, pré-julgamentos ou juízo de valor, evidenciando, apenas, que havia à época dos fatos especulações quanto ao interesse do autor. Defenderam a prevalência, no caso, das normas concernentes à Lei de Imprensa, sendo imperativa a avaliação subjetiva dos elementos de dolo e culpa para que os réus fossem responsabilizados. Nesse sentido, alegaram ausência dos supracitados elementos, porquanto os requeridos teriam se limitado ao regular exercício do direito de informar, ínsito à atividade de imprensa. Réplica à fls. 259/274. É o relatório.

DECIDO. O feito comporta julgamento antecipado nos termos do artigo 330, inciso I do Código de Processo Civil, porquanto a matéria em comento é de direito, sendo que os fatos relevantes já se encontram comprovados documentalmente. O pleito de reparação por dano moral, ora colocado, traz consigo a análise da colidência entre direitos fundamentais, elencados no artigo 5º e no artigo 220, ambos da Constituição Federal. O direito à informação jornalística, previsto no artigo 220, §1º da Constituição Federal que dispõe que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV” , sendo ainda vedada qualquer espécie de limitação ou censura, diversa dos limites que impõem a observância dos demais direitos fundamentais garantidos constitucionalmente. Trata-se de um desdobramento positivo do direito de informação (direito de informar), previsto no caput do citado dispositivo pelo qual se repudia o embaraço ao livre fluxo de informações. O exercício regular do direito de informar é o sustentáculo primordial da formação da opinião pública, sem a qual não se cogita a existência da democracia, conquista ainda recente do Estado de Direito Brasileiro, motivo pelo qual há consenso de se cuidar de um direito preferencial em relação às demais liberdades públicas.

Todavia, seu exercício não implica a ausência de limites, mas a observância dos contornos constitucionais previstos em seu próprio regramento e para que se o faça, é necessário se estabelecer a exegese de seu conteúdo. A informação jornalística é a mescla da notícia e da crítica. “Aquela traduz a divulgação de um fato cujo conhecimento tenha importância para o indivíduo na sociedade em que vive. A crítica designa a opinião, o juízo de valor, que recai sobre a notícia”. É de se compreender que seu exercício, tal como concebido, possa violar núcleos impenetráveis de outros direitos fundamentais como a honra e a imagem. A honra é valor que expressa a dignidade do ser humano, costumeiramente estudado pela doutrina em seus aspectos subjetivo e objetivo.

Assim, a honra subjetiva consiste no sentimento de auto-estima do indivíduo, encerrado no sentimento que possui a respeito de si próprio, de seus atributos físicos, morais e intelectuais. Diversamente, o conceito de honra objetiva focaliza o aspecto externo de seu conteúdo valorativo, consistindo no conceito social que o indivíduo possui. A imagem é também atributo individual que recebe a mesma proteção constitucional, conceituado pela doutrina mais autorizada em seu aspecto material e imaterial. Tratado pelo conceito do qual comungo como imagem-retrato, cuida-se da reprodução gráfica da figura humana e, diversamente, como imagem-atributo, o conjunto de atributos cultivados pelo indivíduo e reconhecidos pelo conjunto social. Interessa-nos este último aspecto na medida em que o ofendido se julga desmerecido no contexto da função que desempenha e na forma que o faz. Em suma, a preponderância e intangibilidade do direito de informar encontra limites nos demais direitos fundamentais e não prescinde da observância de requisitos na sua formação.

Assim, no cotejo entre os direitos à honra e à imagem e, de outra parte, o direito de informar, a prevalência deste se dá se, e somente se concorrerem os seguintes pressupostos: 1) a informação for verídica; 2) a informação for inevitável para passar a mensagem; 3) a informação for relevante, na dicção de se tratar de um aspecto marcante da vida social; e 4) não deve ser veiculada de forma insidiosa. Feitas essas necessárias colocações, passo a analisar as provas produzidas sob o pálio do contraditório. No caso sob análise, a pretensão indenizatória fundamenta-se na violação da honra e imagem do autor pela veiculação da matéria jornalística de autoria do segundo réu, veiculada em mídia escrita, no jornal Folha de São Paulo de 04 de novembro de 2003, página A6 (fls.110), intitulada “Operação República – Mudança de sede causou polêmica – Magistrados teriam feito “lobby” para não deixar prédio do centro”; e matéria homônima veiculada em mídia digital pela rede mundial de computadores hospedada no sítio eletrônico da corré, na mesma data (fls.111).

O autor é magistrado integrante da Justiça Federal que, conforme demonstra a pletora de documentos por ele juntados, não ostenta qualquer condenação na seara criminal, sequer denúncia criminal recebida pela Justiça, sobretudo no que tange à denominada “Operação Anaconda”. Redunda dizer que a despeito do competente trabalho do Ministério Público Federal no exercício de sua função investigativa e persecutória, não houve a apresentação à Justiça de indícios de autoria de qualquer ato definido como crime pelo autor, motivo pelo qual a reputação do indivíduo e magistrado permaneceu incólume. O mesmo não se pode dizer de José Carlos da Rocha Mattos, não mais integrante dos quadros do Poder Judiciário em decorrência de sua responsabilização criminal. Vê-se clara distinção entre a situação do autor e deste indivíduo, não fosse o fato de que em passado não remoto exerceram a judicatura no mesmo espaço físico. Nesse contexto, reputo que matéria jornalística tem cunho deliberadamente insidioso pelo seu conteúdo e também pelo contexto em que foi colocada na diagramação do periódico escrito. Com efeito, a leitura da matéria envolve o nome de três juízes que foram alvo de investigação pelos órgãos encarregados, a saber: o autor, seu irmão e José Carlos da Rocha Mattos. Não haveria qualquer óbice ao mero relato de eventual celeuma entre juízes ao debater a mudança de seus gabinetes para outro prédio, não fosse a forma pela qual foi feita. A mensagem transmitida pela palavra escrita pode ser feita de forma subliminar, ou “lida nas entrelinhas”, sendo sua penetração diretamente proporcional à habilidade do emissor, neste caso, seu autor. O mero relato de eventual dissídio entre juízes acerca da conveniência de mudança do local de seus gabinetes foi abordada de uma forma pseudo-jornalística, como sustentado pelo advogado do autor, na medida em que sob a roupagem de mero relato de um fato, trouxe embutida a mensagem subliminar de que os protagonistas eram quadrilheiros reunidos para obstar a mudança de gabinetes para local mais próximo do órgão correcional do Tribunal a que eram vinculados e do Ministério Público. Não bastasse, insinuou que a resistência à mudança estava ligada ao fato de que a região da Praça da República abriga doleiros e advogados venais ligados ao esquema de corrupção. Tal conclusão não é fruto de uma análise parcial de seu conteúdo, bastando para que se identifique o cunho insidioso da frase estrategicamente contextualizada pelo seu autor, Frederico Vansconcelos, sua leitura: “(…) Antes da Operação Anaconda, sua localização era privilegiada para os acusados do esquema de venda de sentenças judiciais. Estava próximo do apartamento da ex-mulher do juiz Rocha Mattos, Norma Cunha, também na Praça da República, e dos escritórios de advogados e doleiros, na avenida São Luiz. O edifício está distante da Procuradoria da República, na rua Peixoto Gomide, do Fórum Pedro Lessa (com outras varas federais de primeira instância) e do Tribunal Regional Federal, estes dois na avenida Paulista. (…) Semanas atrás, atribuiu-se a um “lobby” dos irmãos Mazloum críticas à mudança (…)”. A despeito de linhas adiante, relatar a opinião de Ali Mazloum, frontalmente discordante, a mensagem havia sido passada a qualquer leitor de mediana inteligência. Vê-se que a matéria atacada não observou dois requisitos fundamentais para sua higidez e intangibilidade, como já explicado: possuiu caráter visivelmente insidioso e relatou fatos inverídicos. A inverdade da informação, aliás, está expressa em artigo de 12 de outubro de 2003 (fls.114/115) publicado pelo jornal Estado de São Paulo, que demonstra a adesão do autor à mudança de sede. Não se olvida o resguardo do sigilo da fonte, o que, porém, não consiste numa outorga incondicionada para a veiculação de aleivosias sob o respaldo de colocações evasivas como “Semanas atrás, atribuiu-se a um “lobby” dos irmãos Mazloum (…)” (fls.110 e 111).

Finalmente, chama atenção o contexto topográfico da matéria que fundamenta o pleito indenizatório. Observa-se que o relato de uma mera polêmica está inserido entre matérias que tratam de juízes acusados de crime e de prorrogação da prisão de juízes acusados de venda de sentenças, enquanto nenhum desses assuntos pode ser atribuído ao autor. Conclui-se que não houve exercício regular do direito de informar, mas abuso de direito por parte dos réus. Com a previsão do artigo 5º, inciso X, da Carta Magna, a indenização por danos de aspecto moral é palco de infindáveis querelas doutrinárias e jurisprudenciais, mormente com a proliferação de demandas acerca do tema. Tem-se buscado coibir a utilização do instituto como meio de enriquecimento sem causa, porém, é curial que não se deixem indenes danos efetivamente observados, ainda que não sejam expressivos, embora consideráveis, no tocante às conseqüências, se razoáveis e amoldados ao conceito doutrinário que se lhe impôs. A repressão deve ficar adstrita aos abusos de aproveitadores casuísticos. Consoante os magistérios de Humberto Theodoro Jr., referindo-se a Carlos Alberto Bittar:

“Danos morais são os danos de natureza não-econômica e que se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis e constrangedoras, ou outras desse nível, produzidas na esfera do lesado. (…) De maneira mais ampla, pode-se afirmar que são danos morais os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal) ou da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social).” (Dano Moral, p. 2, Oliveira Mendes, 1998)

Entendo que a indenização por danos morais possui dupla finalidade. De um lado, busca confortar a vítima de um ato ilícito, consistente em lesão de cunho íntimo, a qual não se consegue avaliar por critérios objetivos, porém é possível estimá-la atribuindo ao ofendido uma compensação pecuniária, reparando assim o mal causado de maneira eqüitativa. De outro, nos termos da teoria do desestímulo, é necessária a imposição de multa ao infrator, em caráter preventivo, e não repressivo, com o intuito de que fatos semelhantes ao ocorrido não mais se repitam, ou sejam eficazmente desestimulados.

Nesse sentir é a lição de Caio Mário da Silva Pereira, extraída da sua obra Responsabilidade Civil, (pp. 315-316), que ensina: “Como tenho sustentado em minhas Instituições de Direito Civil (v. II, n.176), na reparação por danos morais estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I- punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II- pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é um pretium doloris, porém um meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido ‘no fato’ de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança”.

Não existe qualquer dúvida acerca da existência do dano moral imputado aos réus e de sua responsabilidade solidária, uma vez que decorrente de ato ilícito. Cumpre analisar sua extensão. Os parâmetros para a mensuração do dano moral levam em conta: I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido. O autor é magistrado, validamente investido no cargo, com função típica de distribuir justiça de forma serena e imparcial. Desnecessário dizer que tanto para o ingresso do advogado nos quadros da magistratura quanto para sua permanência deve ostentar perfil imaculado, sendo que tal como vaticinara Cícero a respeito da esposa de César, não basta que o juiz seja incorruptível, deve também merecer, zelar e receber tal reconhecimento social, como sustento da própria legitimidade da investidura. O ataque vicioso e leviano dessa condição gera conseqüências igualmente deletérias, passível de repressão firme na exata medida, sobretudo em se tratando de ofensa veiculada por um dos periódicos mais vendidos do país, e de penetração nos mais diversos níveis sociais; II – a intensidade do dolo, o grau de culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação anterior fundada em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação.

É alta a intensidade do dolo do jornalista, porquanto também é autor da obra intitulada “Juízes no Banco dos Réus”, na qual constam reportagens de sua própria autoria e relatam fatos e teorias que incriminam juízes e outras autoridades. Assim sendo, não só o impacto, como a veracidade daquilo que afirma no livro são reforçados por novos fatos e reportagens, a exemplo do que ora se trata, o que seria até mesmo salutar, não fosse proveniente de criação leviana. Desse modo, vê-se que o autor beneficiou-se indiretamente da veiculação da reportagem ora repudiada, na medida em que lhe trouxe respaldo, prestígio e possível incremento na venda de seu livro. A empresa jornalística, por outro lado, coloca-se em posição de co-autoria, na medida em que materializou o ato danoso e a ele deu publicidade e disseminação nacional. A esse respeito é a Súmula 221 do Superior Tribunal de Justiça. Igualmente, a veiculação de reportagem sensacionalista incrementa o volume de vendas do jornal pelo exato período que a notícia tem repercussão. Portanto, a veiculação de matéria deste jaez, sem fundamento fático consistente, eivada de leviandade e de caráter puramente insidioso, deve ensejar reparação na medida aproximada do ganho de leitores e respectivo êxito financeiro com sua venda. III – a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou a transmissão de resposta ou pedido de retificação nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido. Nenhuma das hipóteses curativas foi alegada ou comprovada pelos réus de modo a atenuar a responsabilidade civil que lhes foi atribuída.

Diante do acima exposto, reputo que o valor aplicado a título de danos morais deve levar em consideração os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, prudência e equidade. Desse modo e para que a indenização por dano moral represente uma compensação e não uma fonte de enriquecimento sem causa, mas sem perder de vista que a fixação em valor demasiadamente baixo importaria, por via diversa, um estímulo à reiteração dessa prática, fixo por equidade o valor a ser indenizado no cálculo estimativo do equivalente a vinte salários mínimos vigentes na data da publicação desta sentença (R$465,00) multiplicado pelo número de meses de exercício da função jurisdicional pelo magistrado até a data da ofensa (04/11/2003), que ora se considera encerrados em onze anos completos, resultando em R$1.227.600,00 (um milhão, duzentos e vinte e sete mil e seiscentos reais).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial para CONDENAR a EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S.A. e FREDERICO VASCONCELOS, de forma solidária, no pagamento de R$1.227.600,00 ao autor, pelos danos morais sofridos, devidamente corrigidos pela Tabela Prática de Atualização de Débitos Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo desde a data do ato ilícito (04/11/2003), acrescida de juros legais desde o mesmo termo inicial, ambas até o efetivo pagamento.

Uma vez transitada em julgado, determino a publicação desta sentença e do acórdão, em caso de recurso, na edição dominical do jornal Folha de São Paulo, na página A6, ocupando espaço igual ou maior à publicação atacada, com o uso do mesmo tipo nela empregado, no prazo de até 10 dias, pena de incorrerem os réus em multa diária de R$200.000,00 que corresponde ao equivalente estimado do espaço de publicidade no periódico. Em virtude da sucumbência da parte requerida, condeno-a no pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios devidos à parte adversa que arbitro em 20% sobre o valor da condenação, tendo em vista os elementos balizadores que constam do artigo 20, §3º do Código de Processo Civil. Fica a parte vencida intimada a cumprir o julgado no prazo de até quinze dias após o trânsito em julgado, sob pena de incorrer em multa de 10% do valor da condenação, nos termos do artigo 475-J do Código de Processo Civil. P.R.I.C. São Paulo, 10 de dezembro de 2009.

FERNANDO ANTONIO TASSO Juiz de Direito 

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