Lugar na Corte

Quem quer aplauso não pode integrar Corte Constitucional, diz Gilmar

Autor

19 de dezembro de 2008, 12h53

O ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, afirmou que sentiu diferenças nas operações da Polícia Federal, que deixaram de ser marcadas pelo espetáculo. “Eu tenho impressão de que isso mudou, e não recuso os méritos”. Segundo o ministro, ele fez advertências na condição de presidente do tribunal sobre “questões preocupantes para o Estado de Direito”. A afirmação foi feita em entrevista coletiva na qual fez o balanço do ano, divulgou números sobre o desempenho do tribunal e comentou os principais temas que marcaram a atuação do Supremo em 2008.

O presidente do STF apontou também que foi uma descoberta a mistura entre a Abin e a PF. “Descobriu-se que havia um total descontrole nessa seara e que se criava um supersistema, de forma anárquica”. Sobre as críticas das quais é alvo, disse: “Quem se interessa por aplausos ou popularidade não pode integrar a Corte Constitucional”.

Os numerosos blogs e comunidades na internet dedicados a protestar contra sua atuação no tribunal foram alvos de ironia. "Sabe-se lá se essas pessoas existem mesmo. Chegaram a chamar pessoas para um protesto por causa da minha ida à TV Cultura (esta semana, no programa Roda Viva). Esses protestadores não conseguem encher uma kombi. Temos gente incomodada com decisões do Tribunal querendo criar esse tipo de movimento", assinalou.

E continuou: "Eu fiquei surpreso quando ia falar na TV Cultura e havia um manifesto correndo na internet para que fossem feitas determinadas perguntas. Algumas delas, inclusive, extramente tolas e irresponsáveis. Uma delas chegou a ser formulada, e foi produzida a partir de uma dessas revistas, uma dessas publicações financiada por dinheiro do estado, que não se mantém senão com dinheiro de todos nós — um aparelho hoje de estado e de partido".

Gilmar Mendes disse que não pretende mudar a postura crítica em relação aos limites e atribuições institucionais nos Poderes. E que o Tribunal, por sua própria natureza, não tem de seguir a maioria: “Muitas vezes a Corte Suprema tem que contrariar expectativas de jornalistas, pessoas e congressistas, porque pode declarar a inconstitucionalidade de leis aprovadas até por unanimidade. Quem quiser obter aplausos e popularidade não pode integrar Corte constitucional. Há outros caminhos”, disse. “Não se tem medo de polêmica nem de crítica”, acrescentou.

Números

O volume de processos distribuídos aos ministros do Supremo caiu 42% em 2008, quando comparado com a quantidade de recursos que chegaram aos gabinetes no ano passado. A redução se deu graças à repercussão geral — mecanismo por meio do qual o Supremo decide julgar apenas as causas que têm relevância social, econômica, política ou jurídica. Os dados foram divulgados, nesta sexta-feira (19/12), no Supremo.

Pelos números do STF, foram distribuídos este ano 65.880 processos, contra 112.938 em 2007. De acordo com Gilmar Mendes, foram reconhecidos, este ano, 115 casos nos quais há repercussão geral. E 32 foram rejeitados. Com o instrumento, afirma o ministro, o Supremo deixa de julgar milhares de questões repetitivas, mas não de dar resposta às demandas importantes. “Há redução de processos sem diminuir a efetividade do STF na prestação jurisdicional”, afirmou.

Gilmar Mendes disse que o instrumento é importante, mas sua ampliação é delicada. Isso porque o tribunal tem de julgar com razoável celeridade os processos nos quais é reconhecida a repercussão geral, já que milhares de recursos são suspensos e deixam de ser decididos país afora à espera da definição do Supremo sobre a questão.

Ainda de acordo com os dados no Supremo, o plenário julgou 4.798 processos. E as duas turmas, juntas, julgaram 13.984 – 4.669 processos a 1ª Turma e 9.265, a 2ª Turma. Contados os julgamentos monocráticos, foram decididos 123.641 processos no ano.

Foram divulgados, ainda, números sobre os Habeas Corpus concedidos pelo tribunal. Segundo Gilmar Mendes, um terço dos pedidos de HC feitos à Corte foi concedido em 2008. “A maioria dos pedidos é de pessoas anônimas. “Isso mostra que a tentativa de tachar o tribunal como uma Corte de ricos é maldosa, irresponsável e leviana”.


Entre os casos que deverão ter prioridade na pauta do Supremo em 2009, Gilmar Mendes apontou, além daqueles nos quais foi reconhecida repercussão geral, a continuação do julgamento da demarcação das terras indígenas da Raposa Serra do Sol, monopólio dos Correios, capitalização de juros, diploma para jornalistas, poder de investigação do Ministério Público e quebra de sigilo bancário pela Receita Federal.

O ministro também afirmou que o trabalho do Conselho Nacional de Justiça de acompanhamento de escutas mostrou que houve queda no número de pedidos de interceptação telefônica e no número de deferimento pela Justiça.

Leia a íntegra da entrevista

Durante a semana nós pudemos acompanhar uma espécie de troca de recados entre o Supremo e o TSE e integrantes do Congresso. O que está faltando para que se consiga melhorar essa relação com o Legislativo?

Gilmar Mendes — Na verdade, nós temos aqui um aprendizado institucional permanente. Esse é um tema difícil, conhecido, em que há opiniões divergentes. O que o Supremo Tribunal Federal fixou foi o critério da proporcionalidade em relação à lei. Ao que estou informado agora, o Congresso está fazendo uma revisão, fixando um número de vereadores e praticamente resgatando aquele número existente em 2004. Portanto, é esse o quadro. Não vou emitir juízo, primeiro porque os senhores sabem, introduziu-se uma tensão dialética entre Câmara e Senado tendo em vista a existência ou não de modificação do texto aprovado pela Câmara dos Deputados, que concerne aos limites de dispensas.

Eu mesmo havia planejado fazer uma visita ao presidente Arlindo Chinaglia e o presidente Garibaldi Alves para estabelecer uma forma direta de comunicação e uma forma especial de comunicação no que se concerne à omissão inconstitucional, porque até hoje isso não está bem definido e, nesse caso específico dos municípios, nós tivemos uma certa divergência porque a comunicação foi ao presidente do Senado, e ele não repassou à Câmara. Portanto, houve um certo retardo em relação a isso.

O senhor protagonizou, ao longo do ano, debate sobre limites e atribuições institucionais nos Poderes, em muitos momentos com um discurso de afirmação da autoridade da Corte. O que eu gostaria de saber é se essa é uma marca da sua gestão que tende a continuar em 2009, a despeito de críticas que suscita, aqui e acolá, em alguns setores.

Gilmar Mendes — Bom, por definição, e eu tenho tentando traduzir esse pensamento: jurisdição constitucional é uma instituição antimajoritária. Quem melhor formulou isso foi Hanz Kelsen, em um texto de 1928. Muitas vezes a Corte Suprema tem que contrariar as expectativas dos jornalistas, das pessoas, dos congressistas, porque, por definição, declara a inconstitucionalidade de leis que foram aprovadas, às vezes, pela unanimidade das pessoas. Então, quem quiser obter aplausos, popularidade, não deve integrar corte constitucional. Há outros caminhos.

Então, nós temos que conviver, necessariamente, com críticas. No que concerne a direitos fundamentais, em um dado momento o Brasil passou por uma profunda crise de valores, e por uma profunda crise, inclusive, quanto ao valor das instituições. Quem definia o valor de determinado direito era a justiça ou era a polícia? Nesse sentido, eu não tenho nenhuma dúvida de que, se for necessário, reafirmarei essas posições em 2009, e continuarei reafirmando quando deixar, também, a presidência do Tribunal, como já tinha feito antes, nas decisões que tinha tomado em vários HCs. Portanto, não se tem medo de polêmica, não se tem medo de crítica. Ao revés, isso é normal.

Queria que o senhor fizesse um balanço do impacto da repercussão geral e da súmula vinculante na pauta do Tribunal, se o resultado foi satisfatório no ano de 2008 e se o Supremo pensa novos mecanismos para racionalizar ainda mais a pauta do Tribunal.

Gilmar Mendes — Está havendo uma redução significativa do número de processos que chegam à Corte. Além disso, nós estamos tendo uma redução significativa do número de processos distribuídos aos ministros. Cerca de 10 mil era a média por gabinete, hoje estamos em torno de 6 mil, nesta nova fase, em 2008. Portanto, isso é significativo e decorre do modelo da repercussão geral e também da providência que se tomou no âmbito do regimento interno para que os processos enviados não fossem distribuídos e ficassem no contexto de uma assessoria especial na Presidência do Tribunal.


A súmula vinculante também vem produzindo significativos efeitos. Inicialmente, antes da minha gestão, quando a ministra Ellen Gracie ocupou a presidência, haviam sido aprovadas três súmulas. Nós, agora, já estamos celebrando a súmula de número 13, portanto aprovamos, em 2008, 10 súmulas, o que é algo significativo. Algumas são muito importantes, embora polêmicas como, por exemplo, a do nepotismo e a das algemas, que produziram significativas mudanças em termos de práticas institucionais. Outras racionalizaram os nossos afazeres, por exemplo, em matéria tributária, quanto à prescrição e decadência. Em suma, avançamos significativamente no que concerne à racionalização das nossas atividades.

Como eu já tinha dito em outras oportunidades, nós tínhamos uma crise numérica e temos ainda um pouco. Esta também é uma crise de racionalidade, em que nós estamos tentando buscar e consolidar o processo de racionalização, fazendo com que o Tribunal continue a se pronunciar sobre os temas mais importantes em questões constitucionais, mas que não tenha que se pronunciar sobre temas repetidos. É esse o esforço.

Em relação ao Habeas Corpus, eu gostaria de dizer que é um número expressivo: no ano de 2007, foram 3.232 processos de Habeas Corpus e, em 2008, 3.213. Se os senhores considerarem, muitos deles acabam esbarrando numa técnica de não conhecimento. Se forem considerados apenas aqueles conhecidos e deferidos ou indeferidos, os senhores têm uma situação muito curiosa: houve 324 concessões em 2008, para 203 em 2007.

Eu tenho falado muito sobre isso porque é um ponto que sempre se pergunta, portanto, em relação às concessões. Tendo como parâmetro apenas as não concessões, os indeferimentos e não os não conhecimentos, nós temos um índice de deferimento de Habeas Corpus de 33,17%, em 2007, e, 31,12, em 2008, o que é um índice muito alto, muito significativo. Significa que quase 1/3 dos Habeas Corpus que foram apreciados foram concedidos.

Eu queria saber do senhor, que já fez críticas ao desrespeito a jurisprudência por juiz de primeiro grau, o que há na Justiça brasileira é um certo descompasso na concessão de Habeas Corpus? Eu queria só aproveitar e fazer uma outra pergunta. Que ações, que casos devem ser priorizados no início do ano que vem?

Gilmar Mendes — Que existe descompasso é notório, como os senhores sabem. É muito provável que, em muitos casos, o juiz decrete a prisão de alguém com base no pedido feito pela polícia ou pelo Ministério Público e é muito provável que ele mantenha a prisão em flagrante sem as cautelas devidas. Hoje é preciso observar que, segundo a doutrina, a prisão em flagrante só pode ser mantida se houver, se estiverem presentes os pressupostos da prisão preventiva. Essa é até uma cautela que estamos desenvolvendo no CNJ para que os juízes observem esse pressuposto. Mas muitas vezes o juiz pode referendar apenas o auto de flagrante e aí acabam acontecendo esses casos. Vejam que não é rara a concessão de Habeas Corpus por conta de furto de um chinelo, de uma fita de vídeo, os chamados crimes insignificantes. Isso concedido no Supremo Tribunal Federal, depois de termos passado por todas as instâncias. É preciso que nós, talvez seja preciso que nós façamos um esforço, especialmente com as varas criminais e com as câmaras especializadas em questões criminais para que possamos realmente ter uma certa uniformização. Nós podemos depois fazer outras discussões. Às vezes, a própria atuação midiática em determinados casos é responsável porque determinado autor de um crime ou suposto autor de um crime seja mantido na prisão. Às vezes as pessoas não se animam a enfrentar esse tipo de pressão e aí resta ao Supremo a missão de verificar os pressupostos da prisão preventiva. Então nós podemos aqui fazer uma pesquisa, esse é um bom tema não só de análise jornalística, mas também de análise sociológica.

Sobre o Conselho Nacional de Justiça, o senhor falou que os mutirões de carceragem vão continuar no ano que vem. Eu gostaria de saber que outras ações o Conselho Nacional de Justiça deverá desenvolver em 2009, e quais são as perspectivas do CNJ para o ano.


Gilmar Mendes — Realmente, nós tivermos muitas atividades muito importantes. Começamos com essa atividade de planejamento e gestão. Pela primeira vez, conseguimos fazer uma reunião de todos os Tribunais para coleta de dados e para análise de situação e esperamos realizar, em fevereiro de 2009, um encontro nacional, em Belo Horizonte, já programado para após os encontros regionais, para que nós possamos fazer uma análise segura e fixar o planejamento para o Judiciário, em termos nacionais. Aqui, nós estamos tendo a oportunidade de um diálogo e de um aprendizado entre todos os órgãos jurisdicionais.

Reputo importante, também, no CNJ, o controle das interceptações telefônicas. Estamos agora afinando, fazendo um trabalho de sintonia fina entre o CNJ e a CPI — estamos, inclusive, em contato com a Anatel — mas os resultados já são auspiciosos. A despeito da contraditoriedade dos números, nós temos a séria confirmação de que houve uma queda do número de pedidos de quebra do sigilo telefônico e uma queda no número de deferimentos.

Então, independentemente das medidas que vão ser tomadas – o governo está discutindo, o Congresso está discutindo a feitura de uma nova lei de interceptação -, nós avançamos aqui, já com esta medida e esta resolução do CNJ.

O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, fez um balanço também das atividades da Câmara e comentou que incomodava muito quando o Poder Legislativo não tomava as decisões que precisava tomar e quando o Poder Judiciário legislava avançando numa competência que, segundo ele, é do Congresso Nacional. Ele até citou que o Judiciário também, às vezes, demora para tomar as decisões e que nem por isso os parlamentares podiam fazer justiça. O senhor acha que esse ano pode servir de reflexão para os dois poderes?

Gilmar Mendes — Creio que todos nós estamos sempre reflexivos. A verdade é que nós temos tido um diálogo em alto nível não só com presidente da Câmara, mas com o presidente do Senado e também com o presidente da República. Nós estamos tratando de resolver um ponto que é bastante sensível nessa relação que é a questão da omissão inconstitucional. Nós estamos buscando formas e modos que em determinados casos nós assumimos uma função regulatória, nas avançadas exigências constitucionais. O Supremo Tribunal Federal é muito respeitoso com as funções do Congresso Nacional. Eu tenho nos meus pronunciamentos que não há democracia sem atividade do Poder Legislativo, sem atividade política e sem políticos. Nós cansamos de destacar e essas são as premissas básicas das nossas relações.

Eu queria retornar essa questão da PEC dos Vereadores. Há uma nova expectativa em relação a este tema. Se o mandato de segurança do Senado já chegou e se há uma perspectiva de definir essa questão ainda neste ano e ainda sobre esse assunto, nesse caso o Supremo estaria definindo um assunto que deveria ser definido pelo Congresso Nacional?

Gilmar Mendes — Bem, os senhores sabem, isso é um pouco óbvio, o Supremo não sai aí pelas ruas buscando as demandas. Em geral, ele só atua por provocação e em matéria, por exemplo, de conflito político em geral é um dos contendores que, não contente, traz o tema ao STF. Inclusive não se cansava de observar que a judicialização da política decorre das desinteligências dos próprios políticos. Então nós temos aí um exemplo claro — não estou emitindo juízo de valor, mas fazendo um juízo de constatação, isso ocorre também com as ADIs, quando os partidos políticos com representação no Congresso Nacional trazem o tema ao STF. Acho que é normal quando há controvérsia sobre processo legislativo é possível haver judicialização porque nesses temas não há questão interna corporis, mas eu não conheço ainda. Só sei que haverá essa opção do mandado de segurança e só a partir daí é que nós vamos poder ter uma avaliação.


O senhor recebeu algumas críticas este ano de que estaria falando demais enquanto deveria estar preso ao pronunciamento judicial. O senhor faz uma auto-reflexão a respeito desse tema? E qual a sua auto-avaliação? O senhor realmente acabou extrapolando nos assuntos tratados em entrevistas? A segunda pergunta é: o senhor fez críticas a respeito da espetacularização da Polícia Federal, do meio do ano para cá, o senhor vê algum tipo de mudança na atitude da polícia?

Gilmar Mendes — Não me consta que eu tenha me pronunciado sobre questões judiciais que estivessem submetidas ao tribunal pelo menos questões que já não tivessem posições, que as posições já não fossem conhecidas. Algumas das advertências que fiz, fiz na condição de presidente do tribunal, de fato pronunciando sobre questões institucionais relevantes, questões preocupantes, por exemplo, para o Estado de Direito. Quando falei, por exemplo, em ameaça do estado policial, da necessidade de uma nova lei de abuso de autoridade. Tanto é que o governo mesmo se curvou a essa realidade. Não acho, portanto, que tenha falado demais. Talvez tenha havido muitas condições para que eu me pronunciasse, as situações que se colocaram.

Aquilo que eu apontara, por exemplo, quanto ao estado policial era pior e mais grave do que eu imaginara e que todos nós imaginávamos. Mistura de ABIN com Polícia Federal, por exemplo, nós não sabíamos disso quando começamos a discussão, que havia um total descontrole nesta seara, que de fato poderia se constituir uma verdadeira ameaça para a cidadania em geral. Está se criando um super sistema e de forma anárquica. Portanto aqueles fatos revelados que levaram ao afastamento do diretor da ABIN foram realmente pretexto, os fatos agora revelados — aquilo que se tem conhecimento e certamente não temos conhecimento de tudo —, e os fatos são extremamente graves, de desvio das duas instituições. Sobre a outra pergunta, os senhores podem apelar para a sua própria sensibilidade. Eu tenho impressão que isso mudou e eu não recuso os méritos.

Outro tema que foi discutido durante o ano, envolvendo o Supremo e o Congresso, a questão de edição de medidas provisórias. Termina o ano e o Congresso não regulamentou a edição desse instrumento. Eu gostaria de saber do senhor por que o senhor acha que isso não ocorreu e se o risco de que em 2009 se repita a edição de várias medidas provisórias?

Gilmar Mendes — O STF se pronunciou em pelo menos duas ocasiões, contra a edição de Medidas Provisórias, principalmente aquelas dos créditos extraordinários. Já foi uma limitação significativa imposta àquilo que nós chamamos abusos na edição das medidas provisórias. E o Congresso está tentando corrigir este fenômeno, que é o trancamento de pauta que, com o número excessivo de medidas provisórias, levam a um trancamento contínuo da pauta do Congresso Nacional, a expropriação de sua agenda. Tenho impressão que, não sei se o modelo que se está a desenhar é o adequado, mas foi aquele que se conseguiu votar. E é muito provável, não sei se a Câmara já concluiu essa votação, e é muito provável que isso vá ao Senado, possa ter ou não o aperfeiçoamento, já é um passo significativo no sentido da sua disciplina, da sua nova regulação, que é necessária. O modelo atual está exaurido. Já disse isso outras vezes. Então, nós temos aqui um desafio: de um lado, não se trata de satanizar as medidas provisórias, como um mal em si mesmo; elas muitas vezes são necessárias e imprescindíveis, como nós vimos aí, no quadro de crise internacional manifestada.

Como que o senhor responde ao volume de blogs e comunidades que fazem críticas abertas ao senhor? E uma segunda pergunta: Como que o senhor analisa as críticas em relação à sua defesa das garantias individuais?

Gilmar Mendes — Eu fiquei surpreso quando agora ia falar na TV Cultura, no Roda Viva, e havia um manifesto correndo na internet para que fossem feitas determinadas perguntas. Algumas delas, inclusive, extramente tolas e irresponsáveis. Uma delas chegou a ser formulada, e foi produzida a partir de uma dessas revistas, uma dessas publicações financiada por dinheiro do estado, que não se mantém senão com dinheiro de todos nós — um aparelho hoje de estado e de partido. Que mais de 30 ações não teriam chegado à primeira instância contra o meu irmão — surgiu essa pergunta a partir de uma informação. Como se, para quem, no jardim de infância jurídico, diz que a minha influência seria tanta que as ações não chegaram à primeira instância. Vejam o absurdo, portanto. Algum jornalista escreve isso, e isso — uma matéria de capa de uma revista, e isso depois ocupa esses blogueiros profissionais, talvez, inclusive, envolvidos em uma guerra comercial. Se diz que essas manifestações se reproduzem por técnicas, sabe-se lá se essas pessoas existem mesmo? Tantos que se manifestam? Hoje com a técnica de informática se pode fazer esse tipo de coisa. E sim, inclusive, democratas convictos. Por exemplo, nessa minha presença na TV Cultura, eles ficaram discutindo os entrevistadores, a ideologia dos entrevistadores. Em geral vocês não vêem isso em relação a tantos programas. Há mais do que isso: ensaiaram, e eu estive lá, chamaram as pessoas para um manifesto, para um protesto pela minha ida à TV Cultura. Veja que gente com perfil democrático. Mas eu até tranqüilizei o Paulo Markun, ele que estava um tanto o quanto preocupado como que eu entraria lá se houvesse protestos. Essas pessoas não existem, são pessoas de ficção na maioria delas. Eu disse, esses protestantes, esses protestadores, Markun, não conseguem encher uma kombi. E era verdade, não apareceu ninguém, apesar dessa conversa fiada, quer dizer, nós temos aí acho que gente metida em guerra comercial, incomodada com decisões do Tribunal, e estão querendo criar esse tipo de movimento. Alguns deles impressionam. Mas nós todos que somos profissionais, que estamos na vida pública, sabemos que eles não têm qualquer qualificação.

O senhor falou de PF. Eu queria saber se o senhor acha que existe algum outro abuso que esteja sendo cometido, e se o senhor acha se combater abuso da PF foi uma pauta política do senhor (política no sentido não político-partidária), o senhor acha que existe uma nova pauta para este ano de 2009? E se poderia ser cometer abusos do próprio judiciário quando decreta essas prisões que depois caem.

Gilmar Mendes — Em geral nós estamos fazendo isso. Quando se concede Habeas Corpus, não é contra o ato da polícia, mas contra ato de juiz. Quando a matéria sobre até o STF, em geral a gente está discutindo a prisão provisória, o ato do recebimento da denúncia. Em geral esse controle vem sendo feito. Nós estamos discutindo, no CNJ, estamos abrindo um diálogo com os juizes criminais e com as varas de execução criminal, também, no sentido de uma análise de procedimentos, tendo em vista essas situações a que já nos referimos, presos que ficam por muito tempo, além do tempo devido, seja na prisão provisória, seja na prisão definitiva, após sentença. Só para os senhores terem uma idéia, no Maranhão — esses dados depois podem ser distribuídos —, encontramos um preso que já havia cumprido a pena a mais de quatro anos. É uma situação vergonhosa. Nós estamos com presos, no Piauí, há mais de dois anos preso, com base apenas no inquérito — prisão provisória. Então, nós estamos realmente enfrentando essas questões.

Bem, no mais eu gostaria de agradecer a parceria, o trabalho que nós tivemos este ano, e desejar a todos vocês um feliz Ano Novo e um Feliz Natal.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!