Sem autorização

União é proibida de derrubar barracas de praia em Fortaleza

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4 de junho de 2007, 10h44

O Superior Tribunal de Justiça proibiu a União de demolir as barracas de praia localizada na Praia do Futuro, em Fortaleza (CE). A decisão foi tomada pelo ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, presidente do STJ.

A União e o Ministério Público Federal ajuizaram Ação Civil Pública contra o município de Fortaleza e 153 proprietários das barracas de praia para proibir a realização de qualquer benfeitoria. Pediu também a desocupação, demolição e remoção, incluindo a retirada de todos os estabelecimentos.

A 4ª Vara da Justiça Federal do Ceará atendeu o pedido para que os réus retirassem, por conta própria, todos os obstáculos que impediam o livre acesso à praia em todas as direções. Também determinou o fim das atividades das 43 barracas que não contavam com qualquer registro ou inscrição na Gerência Regional de Patrimônio da União (GRPU), bem como as realizadas nas áreas excedentes aos respectivos títulos das outras 98 barracas arroladas.

Entretanto, negou a imediata demolição e recomposição das áreas em que foram construídos lagos, piscinas, parques aquáticos e plantações de grama, mas desativou os parques. Proibiu, também, a realização de qualquer obra ou benfeitoria não autorizada que inovasse o estado atual das barracas.

Um dos réus entrou com Agravo de Instrumento. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região acolheu parte do pedido para manter somente a determinação que proíbe “a realização de qualquer benfeitoria não autorizada que inove o estado atual das barracas, sob pena de incidir as cominações ali fixadas”.

A União pediu no STJ a suspensão da decisão. Alegou a ocorrência de grave lesão à ordem pública, “nesta incluindo-se a ordem jurídica e a ordem administrativa”. Sustentou, ainda, que a irregular ocupação da zona costeira causa “manifesta degradação do meio ambiente”, o que provoca “graves danos ao bem público federal”.

O STJ entendeu que os argumentos da União para justificar o pedido de suspensão diziam respeito a questões de fundo, incapazes de apreciação liminar. Além disso, o ministro considerou que a União não teve êxito em demonstrar, concretamente, o potencial lesivo da decisão impugnada à ordem pública.

“É que, dada a inação do Poder Público na fiscalização da área e a pendência do exame de prova a demonstrar a regularidade ou não da ocupação por parte de cada uma das 153 barracas de praia, mostra-se precipitado determinar-se, em prazo tão exíguo, a imediata demolição das edificações que obstam o livre acesso em todas as direções à praia, bem como a paralisação das atividades comerciais das barracas destituídas de registro ou inscrição na GRPU. Tais providências, e outras que se fizerem necessárias, certamente serão tomadas, de forma definitiva, caso a requerente tenha êxito quando do julgamento do mérito da demanda”, afirmou o presidente do STJ.

SLS 604

Leia a decisão

SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 604 – CE (2007/0103534-6)

REQUERENTE: UNIÃO

REQUERIDO: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5A REGIÃO

INTERES. : GASTRO EVENT RESTAURANTE LTDA

DECISÃO

Vistos, etc.

1. A União e o Ministério Público Federal ajuizaram ação civil pública contra o Município de Fortaleza e 153 proprietários de barracas de praia localizadas na Praia do Futuro, naquela municipalidade, com o objetivo de que, em sede de tutela antecipada, fosse proibida a realização de quaisquer benfeitorias que inovassem o estado atual das barracas, bem como requerendo as seguintes providências:

“(…)

1) a imediata remoção de todos os obstáculos que impeçam o livre acesso, em todas as direções, à área de praia, tais como cercas, cordas, muros, tapumes, tendas e quaisquer outros obstáculos que inviabilizem ou dificultem o irrestrito acesso dos cidadãos à área de praia (…);

2) a imediata desocupação, com a retirada de todos os apetrechos utilizados para tal fim, de todas as 43 barracas que ocupam o bem público de uso comum do povo sem registro/inscrição na GRPU, bem como da área excedente aos respectivos títulos ocupada pelas 98 barracas que assim procederam (…);

3) a imediata demolição e recomposição das áreas em que foram implementadas construções de lagos, piscinas, parques aquáticos, e plantações de grama, bem como qualquer outro objeto fixo, não removível, instalado nas áreas de uso comum do povo, realizada sem elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e da apresentação do Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, e sem autorização da União Federal (…);

4) a desocupação, demolição e remoção, incluindo-se aqui a retirada de todos os estabelecimentos, inclusive suas instalações, suas construções, suas edificações, seus resíduos e seus materiais recolhendo-se todo o lixo e resíduos dos estabelecimentos e das adjacências dos mesmos, desfazendo, inclusive, o sistema de canos de PVC, tubulação, sumidouros, etc., (…)” (fls. 494/495).

O MM. Juiz da 4ª Vara da Justiça Federal no Estado do Ceará concedeu a antecipação de tutela para:

“(…)

1) determinar que em 30 (trinta dias) os réus retirem por sua própria conta todos os obstáculos que impedem o livre acesso em todas as direções à praia, (…) sem que seu desfazimento e recolocação no lugar cause considerável dispêndio de energia ou demande a realização de gastos financeiros que sejam efetivamente onerosos ”;

2) determinar que, em 30 (trinta) dias, “cessem todas e quisquer atividades das quarenta e três barracas que não contam com qualquer registro ou inscrição na GRPU, bem como as realizadas nas áreas excedentes aos respectivos títulos das outras noventa e oito barracas arroladas, devendo as quarenta e três barracas, bem como os trechos excedentes e de uso não autorizado das aludidas noventa e oito barracas, ficarem provisoriamente interditados e desocupados, até ulterior ordem deste juízo. Não defiro, por ora, a liminar no que tange à retirada ou demolição das barracas, por seu caráter de definitividade e exaustividade, que caracteriza real risco de irreversibilidade ”;

3) indeferir, “por irreversível, a imediata demolição e recomposição das áreas em que foram construídos lagos, piscinas, parques aquáticos e plantações de grama. Fica, no entanto interditada de imediato qualquer utilização ou exploração, dos parques aquáticos, lagos e piscinas, devendo os mesmos permanecem completamente desativados ”.

4) proibir “a realização de qualquer obra ou benfeitoria não autorizada que inove o estado atual das barracas ”

5) fixar multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada um dos réus caso tais ordens não sejam obedecidas no prazo estabelecido (fls. 86/102).

Contra essa decisão, um dos réus interpôs agravo de instrumento, o qual a Desembargadora Relatora concedeu efeito suspensivo, mantendo-se, tão-somente, a determinação que proíbe “a realização de qualquer benfeitoria não autorizada que inove o estado atual das barracas, sob pena de incidir as cominações ali fixadas” (fl. 346). No julgamento do referido agravo de instrumento, a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região assim decidiu:

“EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEMOLIÇÃO DE BARRACAS CONSTRUÍDAS EM ÁREA DE PRAIA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO À COLETIVIDADE.

I – O pedido formulado no presente agravo, resume-se à suspensão de decisão monocrática que determinou a desocupação de terreno dito de marinha e a demolição de barracas construídas na Praia do Futuro em Fortaleza/CE, matéria esta que envolve interesse não só das partes envolvidas na ação em curso, mas de toda uma sociedade.

II – As construções realizadas pelos agravantes na área de praia em questão, persistem há anos, inclusive com pagamento da chamada Taxa de Ocupação. Pode ser que algumas das ocupações na Praia do Futuro estejam em situações irregulares, contudo o fato não restou devidamente demonstrado, não podendo o Poder Estatal, de forma arbitrária, demolir as barracas, especialmente quando se leva em conta que na maioria dos casos, trata-se de construções antigas em que o Poder Público ficou inerte, sendo conivente com a situação por anos.

III – A demolição imediata das barracas infringe os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, considerando-se que as construções estão prontas há alguns anos, sem haver notícia nos autos de que a qualidade do meio ambiente em seu entorno tenha se deteriorado em função da sua existência. Como medida drástica, a demolição somente se justificaria se fosse comprovada a efetiva existência do dano ambiental grave, o que, como já dito, não restou configurado nos autos.

IV – Agravo de instrumento parcialmente provido. “

Daí este pedido de suspensão formulado pela União, com base nos arts. 4º da Lei n. 4.348/64, 4º da Lei n. 8.437/92, 25 da Lei n. 8.038/90 e 271 do RISTJ, sob alegação da ocorrência de grave lesão à ordem pública, “nesta incluindo-se a ordem jurídica e a ordem administrativa ” (fl. 10). Sustenta a requerente, em síntese, a ilegal e irregular “da ocupação de bem de uso comum do povo por particulares ” (fl. 10), violando o direito de livre acesso às áreas de praia. Inobservância à “regra geral da obrigatoriedade de licitação ” (fl. 23).

Aduz, ainda, que a irregular ocupação da zona costeira causa “manifesta degradação do meio ambiente ”, o que provoca “graves danos ao bem público federal” (fl. 30). Por fim, assevera a ilegalidade das construções em razão de a legislação municipal considerar a Faixa de Praia como área non edificandi.

O Ministério Público Federal opinou pelo deferimento do pedido (fls. 1104/1110).

2. A análise da excepcional medida de suspensão de liminar restringe-se à verificação da lesão aos bens jurídicos tutelados pela norma de regência, quais sejam, a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas, incumbindo à requerente demonstrar de modo cabal o preenchimento de, pelo menos, um dos requisitos acima mencionados.

Observe-se, de início, que a alegada lesão à ordem jurídica não se encontra entre os valores acima referidos. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que “a expedita via da suspensão de segurança não é própria para a apreciação de lesão à ordem jurídica. É inadmissível, ante a sistemática de distribuição de competências revisora das decisões emanadas dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais ” (AgRg na SS n. 1.302/PA, rel. Min. Nilson Naves).

Por outro lado, no estreito âmbito da suspensão de liminar não há espaço para debates acerca de questões de mérito, que devem ser discutidas nas vias próprias. No presente caso, os argumentos trazidos pela requerente para justificar o pedido de suspensão dizem respeito a questões de fundo, insuscetíveis de apreciação nesta sede. Conforme decidido pela Corte Especial do STJ, “não se admite, na via excepcional da suspensão, discussão sobre o mérito da controvérsia, eis que não se trata de instância recursal, devendo os argumentos que não infirmem a ocorrência de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança publicas ser analisados nas vias recursais ordinárias ” (AgRg na SS n. 1.355/DF, rel. Min. Edson Vidigal).

Ademais, a requerente não logrou êxito em demonstrar, concretamente, o potencial lesivo da decisão impugnada à ordem pública. É que dada a inação do Poder Público na fiscalização da área e a pendência do exame de prova a demonstrar a regularidade ou não da ocupação por parte de cada uma das 153 barracas de praia, mostra-se precipitado determinar-se, em prazo tão exíguo, a imediata demolição das edificações que obstam o livre acesso em todas as direções à praia, bem como a paralisação das atividades comerciais das barracas destituídas de registro ou inscrição na Gerência Regional de Patrimônio da União – GRPU. Tais providências, e outras que se fizerem necessárias, certamente serão tomadas, de forma definitiva, caso a requerente tenha êxito quando do julgamento do mérito da demanda.

Atente-se, por fim, que o acórdão que ora se busca suspender, buscando evitar possível aumento na ocupação do terreno costeiro, corretamente proibiu “a realização de qualquer obra ou benfeitoria não autorizada que inove o estado atual das barracas ” (fl. 1091), sob pena da incidência das multas cominadas pelo juízo de 1º grau.

3. Isso posto, indefiro o pedido.

Brasília, 31 de maio de 2007.

MINISTRO BARROS MONTEIRO

Presidente

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