Segurança jurídica

Renovação de quadros leva Supremo a rever jurisprudência

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16 de janeiro de 2007, 16h42

Durante um bom tempo o Supremo Tribunal Federal entendeu que a incidência do ICMS na base de cálculo da Cofins era matéria infra-constitucional a ser abraçada pelo Superior Tribunal de Justiça. No ano passado, porém, a Corte voltou atrás para estudar o tema. O julgamento, que ainda não foi concluído, tem seis votos contra um a favor do contribuinte.

No caso concreto, o Supremo revê posicionamento antigo apreciando recurso da Auto Americano S/A (RE 240.785), distribuidora de peças, em que a empresa contesta decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O acórdão questionado fixa a possibilidade da inclusão dos valores de ICMS na base de Cálculo da Cofins.

A rediscussão do tema foi iniciada pelo ministro Marco Aurélio. Segundo o ministro, a Cofins só pode incidir sobre o faturamento, que é o somatório dos valores das operações negociais feitas. Assim, qualquer valor diverso não pode ser inserido na base de cálculo da Cofins. “Se alguém fatura ICMS, esse alguém é o Estado e não o vendedor da mercadoria. (…) Olvidar os parâmetros próprios ao instituto, que é o faturamento, implica manipulação geradora de insegurança e, mais do que isso, a duplicidade de ônus fiscal a um só título, a cobrança da contribuição sem ingresso efetivo de qualquer valor, a cobrança considerada, isso sim, um desembolso”, disse o ministro em seu voto.

O procurador da Fazenda Nacional Fabrício Da Soller acredita que as recentes mudanças de posicionamento do Supremo se devem as alterações substanciais em sua composição. Nos últimos quatro anos, seis novos ministros tomaram assento na Corte: Joaquim Barbosa, Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.

Soller defende que a segurança jurídica é um bem fundamental que deve ser perseguido por toda sociedade. “O Poder Judiciário que ora decide de uma maneira, ora de outra, prejudica não só contribuintes como a União, as empresas e a atração de investimentos para o país”, afirma.

No caso específico da incidência do ICMS na base de cálculo da Cofins, o procurador questiona: “Quantas empresas já não tiveram decisões desfavoráveis transitadas em julgado neste caso do ICMS na base de cálculo da Cofins? E, agora, suas concorrentes poderão ter potencialmente um benefício que pode trazer um desequilíbrio concorrencial, o que atrapalha o bom funcionamento da economia”.

O advogado tributarista Luís Felipe Marzagão, da Advocacia Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão concorda com a revisão de posicionamento do Supremo em relação ao ICMS na base de cálculo da Cofins, mas entende que seria crucial a via do controle concentrado da lei, para que todos fossem beneficiados daqui em diante. Quanto aos atingidos por uma eventual votação favorável do STF, ele observa que os principais beneficiados seriam as empresas vendedoras de mercadorias, as de telecomunicação e as de transporte interestadual e intermunicipal.

Flutuação de entendimentos

De acordo com o advogado Ives Gandra Martins, de Advocacia Gandra Martins e Rezek em algumas questões o Supremo realmente está revendo posições já pacificadas. “Na minha opinião, no caso da incidência do ICMS na base da Cofins o posicionamento atual é mais correto”, reflete o tributarista.

Para Ives Gandra, quanto mais segurança jurídica melhor, mas quando a decisão é equivocada, o melhor é que se mude. “O que não pode é fazer disso uma rotina”, defende.

O advogado Luís Felipe Marzagão reflete que a história do homem, sempre em constante mutação quanto a valores culturais, revela a imprestabilidade de súmulas vinculantes e precedentes. Pondera porém, que o discurso é muito utópico em um país como o nosso, em que o Judiciário está afogado em causas carentes de decisões rápidas.

“Segurança jurídica e justiça são valores que sempre andarão lado a lado, disputando lugar no íntimo dos julgadores. Aquele que achar a medida de equilíbrio entre esses dois valores estará proferindo boas e acertadas decisões. Há casos em que é mais importante aplicar com predominância a segurança jurídica. Há outros, todavia, em que a justiça deve tomar maior lugar. É para isso que temos juízes, que devem analisar caso a caso, no contexto concreto, e não mero aplicadores de súmulas ou precedentes”, afirma o advogado.

De acordo com a advogada tributarista Fernanda Hernandez, sócia de Advocacia Fernanda Hernandez, tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal têm evidenciado o entendimento de que é possível revisão de posicionamentos. Porém, na sua opinião estas mudanças só poderiam ocorrer nos casos de alterações de direito ou da situação de fato, caso contrário, a jurisprudência deve prevalecer.

“A ausência de segurança jurídica cria dificuldades para as empresas organizarem suas atividades econômicas. E hoje, a dificuldade das empresas é evidente com as oscilações de jurisprudência favoráveis ou não a ela”, observa a advogada.

Outros temas

Não foi só o tema da incidência do ICMS na base de cálculo da Cofins que voltou a ser estudado pelo Supremo Tribunal Federal. Em recurso do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Belo Horizonte e Região contra a União, de relatoria do ministro Marco Aurélio, a Corte começou a reverter seu entendimento sobre a atualização da tabela do Imposto de Renda.

Até o início deste julgamento o Supremo entendia que não havia atualização por falta de previsão legal. Agora o relator deu provimento ao recurso (RE 388.312) do sindicato e determinou a aplicação da Taxa Selic para corrigir a tabela do Imposto de Renda desde janeiro de 1996. O julgamento, ainda sem conclusão foi interrompido por um pedido de vista da ministra Cármen Lúcia.

A discussão sobre a constitucionalidade inciso I do artigo 3º da Lei 8.200/91, que trata do Imposto de Renda de pessoas jurídicas, também voltou a baila. O Supremo, que antes reconhecia a constitucionalidade do artigo, como defende a Fazenda Nacional, deixou no ano passado um placar empatado de três a três. Os ministros Marco Aurélio, Carlos Ayres Britto e Ricardo Lewandowski declararam a inconstitucionalidade do artigo. Votaram no sentido contrário os ministros Eros Grau, Carmem Lúcia e Joaquim Barbosa.

No caso concreto, a União recorreu de decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que reconheceu a inconstitucionalidade do artigo a favor da empresa Cerâmica Marbeth Ltda, e a ilegalidade da devolução escalonada. A questão controversa é se a devolução da diferença, verificada no ano de 1990, entre a variação dos índices IPC e BTNF configuraria empréstimo compulsório, que só pode ser instituído mediante lei complementar.

Estas matérias tributárias entre outras questões começam a ser revistas pelo Supremo sinalizando para uns uma tendência da Corte a iniciar um período de revisão de jurisprudências pacíficas, para outros um reflexo de mudanças na composição do Tribunal e, ainda, uma conseqüência da evolução social, das empresas e do mercado.

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