Fiel à casa

Fidelidade partidária é do foro interno de cada partido

Autor

  • Vidal Serrano Nunes Junior

    é promotor de Justiça professor-doutor de Direito Constitucional da PUC-SP do Instituto Toledo de Ensino e da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e ex-presidente do Conselho Diretor do Idec.

19 de abril de 2007, 17h27

O fortalecimento dos partidos, com a substanciação de seus programas e a definição de regras claras e rígidas de disciplina e fidelidade partidárias, afigura-se auspícios de boa parte da população e dos formadores de opinião do país.

É quase nota de consenso que o evolver da democracia brasileira está, de fato, a reclamar maior seriedade na relação entre os parlamentares e os respectivos partidos políticos, uma maior clareza programática por parte destes e uma concertação política que abdique do “varejo” em prol de discussões políticas mais amplas.

Dentro dessa lógica de abordagem, não há quem, num primeiro passar de olhos, possa censurar a recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral, propugnando pela observância do princípio da fidelidade partidária em relação aos nossos mandatários no Poder Legislativo.

No entanto, a decisão, longe de contribuir, neste momento, vem fragilizar nossas já débeis instituições. É que, opiniões políticas à parte, a tarefa do Poder Judiciário é de concretizar os mandamentos constitucionais, que, na espécie, apontam em uma direção absolutamente oposta.

Com efeito, o artigo 17 de nossa lei maior aponta que, respeitados determinados critérios, é livre a criação de partidos políticos no Brasil, que, constituídos na forma da lei civil, serão registrados junto ao Tribunal Superior Eleitoral, cabendo aos seus respectivos estatutos “estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”.

A literalidade do mandamento constitucional parece não deixar dúvidas de que a questão da fidelidade partidária, em nosso sistema jurídico (concordemos ou não quanto ao acerto da disposição), é do foro interno de cada partido.

Isso significa, por um lado, que cada partido tem ampla liberdade para definir os níveis de disciplina e fidelidade que pretende exigir de seus filiados. Entretanto, por outro lado, também indica que eventuais conseqüências sancionatórias só podem validamente existir dentro da esfera de cada partido, já que este é o âmbito de validade e aplicação do respectivo estatuto.

A questão é de suma importância já que tratamos de uma categoria dos direitos fundamentais da pessoa humana: os direitos políticos, de cujas sobras sobressai o sufrágio passivo, ou direito de ser votado, que envolve não só o direito à pretensão eleitoral, como o direito à nomeação e à posse, o direito ao exercício regular do mandato, com todas as suas prerrogativas, e, nessa ordem, o direito de só perder o mandato diante de cláusulas constitucionais expressas.

Nossa Constituição, com efeito, não traz previsão nesse sentido. Contrariamente, prescreve que fidelidade é matéria do trato do estatuto partidário. Assim, com todo o respeito e reverência à nossa Corte Eleitoral, a decisão, embora celebre valores de que partilhamos, não encontra qualquer respaldo na Constituição. Prova disso, aliás, é que o tema não foi objeto de recente modificação constitucional e, em mandatos anteriores, sob a mesma ordem jurídica, mandato algum foi cassado por violação das regras atinentes à fidelidade partidária.

É desejoso, senão necessário, que se realize uma ampla reforma política, que possa incorporar à nossa Constituição os valores apontados. Porém, a solidez de nossa democracia também impõe a observância estrita das “regras do jogo”, dando concretude à Constituição e estabilidade às relações jurídicas.

Nesse caminho, o “lócus” adequado para a discussão de questões como fidelidade partidária, sufrágio passivo e cassação de mandato é o Congresso Nacional, em um movimento de reformulação de nossa Constituição.

Buscar-se um caminho mais curto, ainda que para sufragar valores por todos auspiciados, acaba por impingir um custo muito maior, traduzido no desrespeito às regras estabelecidas, no desprestígio do voto do cidadão, na fragilização da estabilidade das relações jurídicas e na violação do princípio que rege e estabiliza qualquer democracia: a independência e harmonia entre os poderes.

O que se espera, enfim, é que o posicionamento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral não encontra acolhimento no Supremo Tribunal Federal e que o Congresso Nacional inicie, o quanto antes, uma reforma política, que estabeleça novos e mais justos parâmetros ao exercício da atividade parlamentar no Brasil.

Autores

  • é promotor de Justiça, professor-doutor de Direito Constitucional da PUC-SP, do Instituto Toledo de Ensino e da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e ex-presidente do Conselho Diretor do Idec.

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