Relação de consumo

Concessionária de rodovia é responsável por animais na pista

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29 de junho de 2006, 10h44

Relação entre motorista e concessionária de rodovia é de consumo. Assim, a empresa fornecedora responde pelos danos, independentemente da culpa. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou a Concessionária Rio – Teresópolis (CRT) a pagar R$ 120 mil de indenização por danos morais para José Guilherme Leonel de Rezende Forster. A mãe de Leonel morreu no dia 4 de agosto de 1996 porque o carro que viajava colidiu com um animal solto na pista.

O STJ restabeleceu a sentença de primeira instância, reformada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O TJ entendeu pela inexistência de nexo de causalidade e isentou a CRT de qualquer responsabilidade sobre o acidente.

Para os desembargadores, não há obrigação legal ou contratual de a concessionária impedir o acesso de animais à pista. Para eles, a obrigação legal de recolhê-los da estrada é da Polícia Rodoviária. O TJ do Rio também considerou descabida a tese de que, com base no Código de Defesa do Consumidor, haveria responsabilidade objetiva da concessionária no acidente por má prestação do serviço.

O relator do caso no Superior Tribunal de Justiça, ministro Castro Filho, considerou o contrário. Para ele, valem para as concessionárias de serviços públicos os mesmos critérios de responsabilidade do ente público que substituem. “Sendo assim, não há como se afastar a relação consumerista existente entre a empresa concessionária e os usuários de seus serviços, uma vez que as partes presentes neste tipo de contrato se submetem aos princípios definidos pelo Código de Defesa do Consumidor”, destacou.

O relator também transcreveu em seu voto trecho da obra Programa de Responsabilidade Civil, de Sérgio Cavalieri Filho, e o caput do artigo 14 do CDC – “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Resp 647.710

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 647.710 – RJ (2004/0060056-0)

RECORRENTE : JOSÉ GUILHERME LEONEL DE REZENDE FORSTER ADVOGADO : MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA E OUTROS

RECORRIDO: CONCESSIONÁRIA RIO-TERESÓPOLIS S/A – CRT

ADVOGADO: JOÃO CARLOS MIRANDA GARCIA DE SOUSA E OUTROS

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO(Relator): Cuida-se de recurso especial interposto, com fulcro em ambas as alíneas do permissivo constitucional, por JOSÉ GUILHERME LEONEL DE REZENDE FORSTER contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado:

“AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Colisão de veículo automotor com animal de porte em estrada administrada por concessionária. Não há obrigação legal ou contratual de a concessionária impedir o acesso de animais à pista de rolamento. Inexiste responsabilidade objetiva, visto que o risco assumido pela concessionária decorre dos termos do contrato. Responsabilidade do dono do animal pelos danos por ele causados. Obrigação legal de sua retirada da pista de rolamento por parte da Polícia Rodoviária. Inexistência de nexo causal. Descabimento de responsabilidade pela concessionária. Sentença que se reforma.”

Centra o autor-recorrente seu inconformismo na alegação de violação aos artigos 458 e 535 do Código de Processo Civil; 14, § 1º, da Lei nº 8.078/90 e 1.527 do Código Civil revogado Sustenta, por fim, divergência jurisprudencial com paradigma de outro Tribunal.

Após as contra-razões, o recurso foi inadmitido, tendo a decisão sido agravada.

Em sede de agravo interno, o eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito converteu o agravo em recurso especial, vindo-me conclusos após a redistribuição por prevenção de Turma, diante de seu impedimento superveniente.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO(Relator): Na origem, o autor, ora recorrente, propôs demanda onde buscava reparação por danos morais alegando que, no dia 04-08-96, sua mãe, ao retornar de Teresópolis para o Rio de Janeiro, sofreu acidente fatal por ter o veículo em que viajava colidido com animal que se encontrava na pista.

A decisão primeva julgou procedente o pedido. O Tribunal estadual, entretanto, deu provimento ao recurso da Concessionária, sob os seguintes fundamentos:

“Em que pese o entendimento adotado na sentença, o fato é que não pode o acidente ser atribuído a conduta omissiva ou comissiva dos prepostos da concessionária, não se encontrando presente o nexo de causalidade, pois não é responsabilidade da empresa concessionária o acesso de animais na pista de rolamento, pois tal não resulta quer da lei, quer do contrato. (…)

Não há, portanto, repita-se responsabilidade da concessionária no caso presente pois a legislação pertinente atribui ao dono do animal a responsabilidade pelos danos que cause e estipula a obrigação da Polícia Rodoviária de recolher os animais soltos na estrada.

Descabida, se mostra, outrossim, a tese de que haveria responsabilidade objetiva com base no CDC, por se tratar de defeituosa prestação de serviço, pois as obrigações decorrentes da atividade empresarial da concessionária estão todas elas referidas no contrato de concessão e nelas não se insere a guarda de animais, que não está diretamente relacionada com a sua atividade, que consiste em manter as pistas de rolamento em estado de conservação para o tráfego, sem que todavia possa ela responder pelo ingresso de animais ou e terceiros nas pistas.”

De início, no que concerne à alegada violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, a jurisprudência desta Corte proclama que, desde que os fundamentos adotados bastem para justificar o concluído na decisão, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos utilizados pela parte, dependendo a nulidade do julgamento por omissão da necessidade de o órgão jurisdicional manifestar-se sobre as questões que lhes são devolvidas (AGREsp 259141/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 06.03.01 – DJ 02.04.01, p. 00291; EDAGA 186231/MG – Terceira Turma – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – j. 27.04.99 – DJ 31.05.99, p. 000145).

Não se verifica, portanto, a alegada ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil, porquanto as questões trazidas pelo recorrente foram apreciadas pelo acórdão impugnado, naquilo que pareceu ao colegiado julgador pertinente à análise do recurso, com avaliação dos elementos de convicção carreados aos autos.

Quanto à matéria de mérito, melhor sorte socorre à parte recorrente.

Quando do julgamento do RESP nº 467.883/RJ, sob a relatoria do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito (DJ de 01-09-2003), esta colenda Turma decidiu que:

“As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários da estrada, estão subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor. Existe, sim, relação de consumo evidente. Entender de modo contrário causa conflito com a própria natureza do serviço de concessão, mediante o qual aquela que se investe como concessionária de serviço público tem a obrigação de responder pelos ilícitos que decorrem da má prestação do serviço. No caso, a concessão é, exatamente, para que seja a concessionária responsável pela manutenção da rodovia, assim, por exemplo, manter a pista sem a presença de animais mortos na estrada, zelando, portanto, para que os usuários trafeguem em tranqüilidade e segurança. Entre o usuário da rodovia e a concessionária, há mesmo uma relação de consumo, com o que é de ser aplicado o art. 101, do Código de Defesa do Consumidor(…)”.

Às concessionárias de serviços públicos são impostos os mesmos critérios de responsabilização do ente público que substituem, nos termos do disposto no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal. Sendo assim, não há como se afastar a relação consumerista existente entre a empresa concessionária e os usuários de seus serviços, uma vez que as partes presentes nesse tipo de contrato se submetem aos princípios definidos pelo Código de Defesa do Consumidor.

Destarte, cabe à concessionária zelar pela rodovia em todos os seus aspectos. Ademais, a possibilidade de um animal adentrar à pista se insere no risco da atividade econômica da ré.

Por oportuno, é de se transcrever o ensinamento de SÉRGIO CAVALIERI FILHO (Programa de Responsabilidade Civil. 2.ed. p.172):

“(…) quem tem o bônus deve suportar o ônus. Aquele que participa da Administração Pública, que presta serviços públicos, usufruindo os benefícios dessa atividade, deve suportar os seus riscos, deve responder em igualdade de condição com o Estado em nome de quem atua.”

Por outro lado, é de se ter presente o que estabelece o caput do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor:

“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

Resta, portanto, evidenciado que, em situações que tais, a reparação de danos causados, reger-se pelas normas da legislação consumerista e, consequentemente, implicará em responsabilização objetiva da empresa (independente da prova de dolo ou culpa) pelas eventuais lesões proporcionadas a seus usuários.

Nada impede, a toda evidência, que, em casos como o presente, em relação jurídica autônoma, exerça a ação de regresso contra quem de direito.

Pelo exposto, conheço e dou provimento ao recurso, para que seja restabelecida a sentença.

É como voto.

MINISTRO CASTRO FILHO

Relator

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