Internado inconsciente tem de pagar hospital
24 de setembro de 2005, 7h00
Mesmo com o paciente desacordado no momento da internação, ele pode ser responsabilizado pelas despesas hospitalares. A decisão unânime é da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
O TJ gaúcho reformou sentença de 1º Grau, que decidiu que, não havendo manifestação livre da vontade do internado, o mesmo não pode ser obrigado a pagar as prestações das despesas dos hospitais.
A apelação foi interposta pelo Hospital de Caridade de Erechim, em ação de cobrança, contra decisão que declarou o paciente ilegítimo para pagar por estar inconsciente no momento da internação.
Considerando a hipótese absurda, o hospital alegou que, se assim fosse, para que os hospitais tivessem direito a receber pelo atendimento, deveriam exigir que todo paciente desse entrada em suas instalações conscientes, sob pena de perderem o direito de buscar o devido ressarcimento
A relatora, juíza convocada Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, afirmou a existência de legitimidade passiva. “Por mais que se alargue a compreensão dos fatos que levaram o requerido à internação no hospital autor, e por mais que se imagine a situação crítica então acometida ao paciente, não se vislumbra a ilegitimidade para ocupar o pólo passivo da ação, com o que indevida a extinção do processo, sem julgamento de mérito, por ilegitimidade passiva”, destacou. “Fosse assim, jamais o interdito poderia ocupar o pólo ativo ou passivo de qualquer ação. Uma coisa é a capacidade para estar em juízo; outra, a legitimidade.”
70009177593
Leia a íntegra da decisão:
AÇÃO DE COBRANÇA. DÍVIDA HOSPITALAR. VÍTIMA DE ATROPELAMENTO INTERNADA POR TERCEIRO, EM ESTADO DE INCONSCIÊNCIA. INTERNAÇÃO PARTICULAR. COBRANÇA DAS DESPESAS MÉDICO-HOSPITALARES. SENTENÇA EXTINTIVA DO PROCESSO POR ILEGITIMIDADE PASSIVA. DESCONSTITUIÇÃO EM SEGUNDO GRAU. ALCANCE DA REGRA DO § 3º DO ART. 515 DO CPC.
Sendo o réu o titular do direito que se contrapõe àquele afirmado na inicial, é a parte legítima para ocupar o pólo passivo da ação. Por mais que se alargue a compreensão dos fatos que levaram o requerido à internação no hospital autor, e por mais que se imagine a situação crítica então acometida ao paciente, não se vislumbra a ilegitimidade para ocupar o pólo passivo da ação que visa à cobrança de despesas hospitalares, com o que indevida a extinção do processo, sem julgamento de mérito, por ilegitimidade passiva, como proclamou a sentença. Sentença desconstituída. ART. 515, § 3º, DO CPC. Não tratando a causa de questões versando matéria exclusivamente de direito, não estando o processo apto ao pronto julgamento, mostrando-se de extrema relevância, senão imperativa, a dissipação da dúvida suscitada pelo Magistrado a quo – ausência de vontade no momento da assunção da obrigação –, prudente a realização da audiência de que trata o art. 331 do CPC, decidindo-se sobre a oitiva da pessoa que assinou o termo de responsabilidade pela internação hospitalar. Regra do art. 130 do CPC que, no caso, se sobrepõe ao princípio da iniciativa das partes.
APELO PROVIDO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.
Apelação Cível
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Décima Câmara Cível |
Nº 70009177593
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Comarca de Erechim |
HOSPITAL DE CARIDADE DE ERECHIM
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APELANTE |
PEDRO FABISIAK
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APELADO |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo, desconstituindo-se a sentença.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana (Presidente e Revisor) e Des. Luiz Ary Vessini de Lima.
Porto Alegre, 01 de setembro de 2005.
DRA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA,
Relatora.
RELATÓRIO
Dra. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira (RELATORA)
Trata-se de apelação interposta por HOSPITAL DE CARIDADE DE ERECHIM, nos autos da ação de cobrança que promove contra Pedro Fabisiak, inconformado com a sentença que declarou extinto o processo, sem julgamento de mérito, com base no art. 267, VI, do CPC, acometendo as custas processuais ao autor, mais honorários do curador especial, fixados em R$ 1.000,00 e com base no art. 20, § 4º, do CPC.
Alega o apelante que não se pode aceitar a tese da sentença, que declarou o réu parte ilegítima em virtude de estar inconsciente no momento da internação. Se assim for, flagrar-se-ia hipótese absurda, pois os hospitais, para terem direito a receber pelo atendimento, teriam que exigir que todo paciente desse entrada em suas instalações conscientes, sob pena de perderem o direito de buscar o devido ressarcimento.
Sublinha, ainda, que o paciente era beneficiário da Unimed, não tendo acionado a sua cooperativa, com o que poderia restar anistiado da dívida.
Refere que não era dado ao Hospital denunciar à lide a Unimed, sendo direito do paciente ora apelado.
O Hospital provou o serviço prestado, provou o valor, juntou tabela de preços e farta documentação. Malgrado o contexto probatório, o Magistrado eximiu o paciente de qualquer dívida, o que se mostra injusto com o autor.
Postula que a sentença seja desconstituída, possibilitando-se o chamamento à lide da Unimed.
Sobrevieram contra-razões de apelo, pugnando a manutenção do decisum.
Os autos ascenderam a esta Corte, sendo a mim distribuídos.
É o relatório.
VOTOS
Dra. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira (RELATORA)
Eminentes Colegas.
É de ser provido o recurso, desconstituindo-se o decisum vergastado.
O MM. Juiz, sob argumento de que o réu estava inconsciente no momento da internação hospitalar, concluiu que não houve manifestação livre da vontade e, portanto, não pode ser compelido a adimplir prestação a que não se obrigou validamente.
Assim, declarou o réu parte ilegítima para a causa.
Com a vênia do sentenciante, flagra-se a legitimidade passiva, pois o réu é o titular do direito que se contrapõe àquele afirmado na inicial.
Na inicial está dito que o réu, internado em virtude de acidente de trânsito no nosocômio demandante, de forma particular, não honrou as despesas do tratamento, sob alegação que era do responsável pelo acidente a obrigação de saldar a dívida.
Revel o demandado, citado por edital, foi-lhe nomeado curador especial.
Por mais que se alargue a compreensão dos fatos que levaram o requerido à internação no hospital autor, e por mais que se imagine a situação crítica então acometida ao paciente, não se vislumbra a ilegitimidade para ocupar o pólo passivo da ação, com o que indevida a extinção do processo, sem julgamento de mérito, por ilegitimidade passiva, como proclamou o MM. Juiz.
Fosse assim, jamais o interdito poderia ocupar o pólo ativo ou passivo de qualquer ação.
Uma coisa é a capacidade para estar em juízo; outra, a legitimidade.
Malgrado isso, a hipótese não recomenda o imediato julgamento do feito por esta instância diante do disposto no § 3º do art. 515 do CPC, que apenas torna-se aplicável quando o feito estiver apto para ser julgado.
Relativamente ao tópico, trago à colação excerto do voto proferido pelo eminente Desembargador Luiz Ary Vessini de Lima, quando do julgamento dos Embargos de Declaração n. 70008445066.
Consta do aresto:
“Inicialmente, no que diz respeito à aplicação do artigo 515, §3º, do CPC, sem razão a embargante. Acontece que, inobstante a redação dada ao aludido parágrafo, aquele não pode ser interpretado literalmente. Acontece que, ainda que haja controvérsia ente as partes, mas já houver provas suficientes para se chegar a uma conclusão acerca dos fatos controvertidos, é cabível a aplicação do referido dispositivo legal.
“Nesse sentido ensina Pedro Luiz Pozza:
O § 3º do art. 515, introduzido pela lei em comento, permite ao tribunal, nos casos de extinção do processo sem o julgamento do mérito, julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.
Dois são os requisitos, pois, para que o tribunal, provendo sentença que não apreciou o mérito, faça-o sem restituir o processo ao juízo “a quo”. Primeiro, que a questão verse exclusivamente sobre direito; segundo, que a causa esteja em condições de imediato julgamento.
Na verdade, as duas hipóteses são assemelhadas. Sempre que a causa for exclusivamente de direito, ela estará, por ocasião da sentença, e também no tribunal, em condições de imediato julgamento. Pode ocorrer, todavia, que a causa esteja em condições de pronta apreciação, mas não seja exclusivamente de direito, havendo necessidade de apreciação da matéria fática.
O legislador foi extremamente infeliz na redação do dispositivo, pois bastaria, para permitir a incidência da hipótese prevista no novo § 3º do art. 515, exigir, como requisito para apreciação do mérito pelo tribunal, ao reformar sentença que não examinou o “meritum causae”, que a causa estivesse madura. Quer dizer: se a causa versar sobre questão exclusivamente de direito, sempre poderá o tribunal suprimir o primeiro grau de jurisdição; porém, se causa versar, também sobre questões fáticas, a supressão poderá ocorrer, da mesma forma, desde que a instrução da lide esteja concluída, ou seja, reste esgotada integralmente a dilação probatória.
Não há razão lógica para a distinção feita pelo legislador da reforma, na medida em que, na causa que verse questão exclusivamente de direito, esse não foi examinado pelo juiz, quando deixou de apreciar o mérito; na causa em que há dilação probatória, o juiz não examinou nem os fatos, nem o direito aplicável. Nas duas hipóteses, perfeitamente possível que o tribunal suprima o primeiro grau de jurisdição, e é essa interpretação que se espera seja dada pela jurisprudência ao novo instituto, que tem como mote a agilidade na prestação jurisdicional.”
No caso dos autos, não se trata de questão versando matéria exclusiva de direito, do contrário. Outrossim, a causa não oferece condições de imediato julgamento, como se confere do pedido feito pelo autor, na fl. 195, requerendo a oportunização de audiência para oitiva da pessoa que acompanhou os fatos noticiados, assinou o termo de responsabilidade pela internação e que, por isso, teria condições de elucidar os fatos de forma definitiva.
Tal prova, de extrema relevância ao desate do processo, inclusive para que se eliminasse a dúvida suscitada pelo Magistrado a quo – ausência de vontade no momento da assunção da obrigação –, poderia ter sido delimitada na audiência de que trata o art. 331 do CPC.
Contudo, quiçá pelo fato de as partes não terem demonstrado interesse na produção da prova oral (fl. 205), a sentença foi de imediato prolatada, extinguindo o feito.
Mesmo que se considere o princípio de iniciativa as partes, dada a situação que ora se apresenta – sentença extintiva do processo sem exame de mérito, desconstituída por esta Corte, devolvendo-se o julgamento ao segundo grau –, diante da absoluta impossibilidade de julgar-se o processo como se apresenta, razoável que o feito retorne ao primeiro grau, para a instrução devida, determinação possível diante da regra do art. 130 do CPC.
Isso posto, manifesto-me pela desconstituição da sentença, provendo-se o recurso, procedendo-se, na origem , como acima recomendado.
É o voto.
Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo.
Des. Luiz Ary Vessini de Lima – De acordo.
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA – Presidente – Apelação Cível nº 70009177593, Comarca de Erechim: "DERAM PROVIMENTO AO APELO, DESCONSTITUINDO-SE A SENTENÇA. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: VICTOR SANT ANNA DE SOUZA NETO
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