Acúmulo de tarefas

Santander é condenado a indenizar bancária vítima de câncer

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21 de setembro de 2005, 15h03

Deixar de encaminhar pedido de benefício ao INSS, em favor de empregado afastado para tratamento de doença grave, caracteriza dano moral. O entendimento é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), que condenou o Santander (que incorporou o Banespa) a pagar indenização de R$ 100 mil a uma ex-empregada, vítima de câncer.

A bancária entrou com processo na 73ª Vara do Trabalho de São Paulo, pedindo o pagamento de verbas trabalhistas e indenização por danos morais. Sustentou que o “intenso estresse” provocado pela privatização do Banespa e novas condições de trabalho, “marcadas pelo aumento de serviço e pela adversidade”, foram responsáveis pelo agravamento de sua doença.

Segundo a defesa, a bancária ainda foi submetida a uma longa espera de sua aposentadoria por invalidez, inicialmente negada pelo INSS, “em razão da deficiência de documentação apresentada pelo banco”.

Uma testemunha na ação afirmou que a ex-empregada “absorveu as funções do gerente operacional da administradora de cartões porque ele aderiu ao PDV”. Até então, a autora da ação estava em recuperação. Com as novas tarefas, alega, sua saúde foi se deteriorando, até que, em janeiro de 2004, foi diagnosticado que o transplante de fígado seria “sua única proposta curativa”.

A primeira instância negou o pedido de indenização por danos morais. A bancária recorreu ao TRT paulista. O relator do recurso, juiz Paulo Augusto Camara, afirmou que “o desgaste decorrente da doença certamente foi agravado por conta do acúmulo de funções, que é incontroverso”.

Segundo o relator, “houve, ainda, o humilhante afastamento sem remuneração, já que a obreira não recebeu oportunamente o auxílio-doença nem a complementação de aposentadoria que seria devida, logicamente, em razão da aposentadoria, pois o INSS indeferiu ambos os benefícios, sob o argumento de que a obreira não seria contribuinte”.

O relator criticou, ainda, a proposta do banco à ex-empregada, de um “acordo bilateral para rescisão do contrato de trabalho”. Para ele, “a expressão ‘acordo bilateral’ não passa de eufemismo” para a demissão.

“É inequívoco que a possibilidade do desemprego, em momento de intensa fragilidade da trabalhadora, quando a mesma nem sequer havia se aposentado e estava despendendo significativas somas com tratamentos médicos, configura conduta repugnante e profunda afronta ao princípio do valor humano”, concluiu o juiz.

A decisão da 4ª Turma do TRT paulista foi unânime. Os juízes condenaram o banco Santander a pagar indenização de R$ 100 mil à bancária, pelos danos morais sofridos.

Leia a decisão

PROCESSO TRT/SP Nº 00962.2004.073.02.00-0

RECURSO ORDINÁRIO

ORIGEM: 73ª DA VARA DO TRABALHO / SÃO PAULO

RECORRENTES: 1) YARA MARIA DE BRITO

2) BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO – BANESPA

RECORRIDOS: RECIPROCAMENTE, OS MESMOS

Ementa: Dano moral. Caracterização. Ofensa ao princípio do valor humano. É certo que o empregador detém o poder diretivo e na organização dos fatores produtivos de lucro, pode utilizar variadas formas de administração. Todavia, seus procedimentos devem ser pautados por medidas legítimas, devendo abster-se de condutas constrangedoras ou vexatórias, causadoras de desnecessário sofrimento ao seu empregado, pois o respeito à dignidade humana (princípio do valor humano) é o limite da ação. Comprovado o dano moral, consubstanciado em negligência no encaminhamento de requerimento de benefício previdenciário, o qual foi inicialmente indeferido pelo descaso patronal e agravado por proposta de “acordo amigável” para ruptura contratual, quando a reclamante estava afastada para tratamento de moléstia gravíssima (câncer), impõe-se o devido reparo.

Ementa: Dano moral. Dimensionamento da indenização. É certo que a subjetividade que envolve a questão do dano moral dificulta a dimensão dos prejuízos oriundos da lesão sofrida. Todavia, não é permitido perder de vista a intensidade da dor, a necessidade do ofendido, a capacidade patrimonial do ofensor e o princípio da razoabilidade. A indenização deve configurar impedimento à perpetuação de comportamentos irresponsáveis de empregadores que extrapolam os limites do razoável, sem nenhum respeito às garantias fundamentais. A reparação pecuniária tem por escopo a compensação pela dor da vítima, a busca da justa reparação e o resgate da dignidade do empregado ofendido.

Da r. sentença de fls. 284/288, cujo relatório adoto e que julgou a ação parcialmente procedente, bem como da decisão de fls. 294, que acolheu os embargos declaratórios, as partes recorrem ordinariamente, a reclamante pelas razões de fls. 295/302 e o reclamado consoante razões de fls. 315/322.

A reclamante sustenta fazer jus ao pagamento da Participação nos Lucros e Resultados de 2003, além de indenização por danos morais.


O reclamado insurge-se contra a condenação no pagamento de horas extras e honorários advocatícios.

Custas e depósito recursal às fls. 323/324.

Contra-razões da reclamante às fls. 295/302 e do reclamado, às fls. 327/329.

Dispensado o parecer da D. Procuradoria do Trabalho, por força do Provimento GP 01/2005 da CGJT.

É o relatório.

V O T O

Atendidos os pressupostos legais de admissibilidade, conheço de ambos os recursos.

1 – RECURSO DA RECLAMANTE

1- Da PLR de 2003

A recorrente não faz jus à Participação nos Lucros e Resultados referente ao exercício de 2003. Nos termos da norma coletiva disciplinadora do benefício, parágrafo terceiro (fls. 66), somente os empregados afastados a partir de 01/01/2003, por motivo de doença, são credores do crédito epigrafado, o que não é o caso da demandante, que se encontrava em licença médica desde abril de 2002, fato incontroverso nos autos (v. item 4, fls. 08).

Como a norma coletiva invocada não alcança a autora, mostra-se acertada a decisão atacada. Mantenho.

1.2. Da indenização por danos morais

A recorrente renova o pedido de pagamento de indenização decorrente do dano moral. Sustenta que a recidiva da doença da qual já havia sido curada (câncer) é decorrente da situação de intenso estresse à qual foi submetida, após o programa de privatização do Banco empregador, o que também acarretou novas condições de trabalho, marcadas pelo aumento de serviço e pela adversidade. Acrescenta como fato gerador do dano o padecimento oriundo da longa espera pelo benefício previdenciário relativo à aposentadoria por invalidez, inicialmente indeferido pelo INSS, em razão da deficiência de documentação apresentada pelo Banco.

À análise dos autos, verifico que a testemunha Rosane Aparecida da Silva confirmou que “a reclamante absorveu as funções do gerente operacional da administradora de cartões, uma vez que este aderiu ao PDV” (fl. 183) e não há contraprova patronal eficaz para elidir a validade do depoimento em apreço.

Devido à relevância, faço constar que o Programa de Desligamento/Demissão Voluntário – PDV foi implantado em abril/2001 (fato incontroverso).

Como se não bastasse, os documentos de fls. 73/123 corroboram as alegações iniciais e demonstram que a obreira foi acometida por carcinoma maligno mas estava em franca recuperação, até abril/2001. Todavia, em setembro/2001, ao ser submetida a tomografia computadorizada de abdômen, foi proferido o diagnóstico de “lesões secundárias hepáticas múltiplas” e foram constatados nódulos hepáticos secundários (fls. 78/79).

O diagnóstico obtido a partir do exame macroscópico de segmento de tecido hepático, em junho/2002, foi carcinoma com aspectos oncocíticos de padrão trabecular e sólido metastático no fígado (fl. 80).

No dia 19.04.2002, a autora foi submetida a procedimento cirúrgico para extração de metástases hepáticas (doc. nº 34 de fl. 103) e daí por diante ficou afastada, sob licença-médica, embora não tenha recebido o auxílio-doença previdenciário, pelos motivos que serão apontados adiante (doc. nº 3 de fl. 23).

Em julho/2002, a autora já não possuía integralmente seu pâncreas, pois submetida a prancreatectomia (fl. 95).

Em fevereiro/2003, a recorrente foi encaminhada à perícia médica para obtenção da aposentadoria por invalidez (doc. nº 37 de fl. 106).

Em fevereiro/2004, o diagnóstico que consta do relatório médico (doc. nº 30, de fl. 96) é de adenocarcinoma de pâncreas grau IV, com metástase para o fígado.

Segundo o noticiado nos autos, até janeiro/2004, o transplante hepático é sua única proposta curativa (doc. nº 32 de fl. 100), estando inscrita no Programa de Transplante do Fígado desde fevereiro/2003 (doc. nº 37 de fl. 106).

Pois bem, apesar de eventual desconforto causado pela longa descrição das fases da doença grave que acometeu e ainda acomete a recorrente, esta é importante para oferecer subsídios para o Julgador e até para dimensionar o sofrimento à qual foi submetida a obreira, além da doença propriamente dita.

O desgaste decorrente da doença, certamente agravada por conta do acúmulo de funções, que é incontroverso. Houve ainda o humilhante afastamento sem remuneração, já que a obreira não recebeu oportunamente o auxílio-doença nem a complementação de aposentadoria que seria devida, logicamente, em razão da aposentadoria, pois o INSS indeferiu ambos os benefícios, sob o argumento de que a obreira não seria contribuinte (fato incontroverso, noticiado através do documento nº 57 de fl. 130).

A comunicação de decisão do INSS, à fl. 136, sobre o requerimento apresentado em 06.05.2002, indica que após análise da documentação apresentada, a autarquia concluiu ser indevido o benefício, por não ter sido comprovada a qualidade da segurada.


O próprio Banco admite que o indeferimento do benefício foi decorrente da desorganização e demora que imperam no órgão previdenciário e prejudicam os beneficiários (defesa, fl. 197). Entretanto, olvida que foi o seu Departamento de Recursos Humanos, quiçá em conjunto com o seu Serviço Social, que não providenciaram a correta documentação e/ou o recurso administrativo correspondente.

Com efeito, extrai-se do documento de fl. 127 que o serviço de Recursos Humanos do Banco teria remetido o processo àquela autarquia (Agência São Paulo – Centro). Entretanto, a obreira nem sequer foi atendida quando solicitou uma consulta para inteirar-se da situação (fato incontroverso).

Através de comunicação (e.mail) enviada pela Ouvidoria do Ministério da Previdência Social à recorrente, em 07.11.2002, constou que “os elementos apresentados não foram suficientes para analisarmos o pleito” (doc. nº 56, fl. 129).

Ora, se o setor de Recursos Humanos do réu ficou incumbido de encaminhar o requerimento do benefício, cumpria-lhe fornecer toda a documentação necessária.

Relevante ponderar que, apesar das inúmeras comunicações da reclamante ao reclamado (Recursos Humanos/Serviço Social), no sentido de pedir uma providência (por exemplo, em 25.10.2003, doc. nº 57, fl. 130 e não há impugnação quanto ao fato), o demandado não juntou nenhum documento que comprovasse qualquer intenção ou ação do Banco no sentido de solucionar a pendência junto ao INSS. Pendência esta aliás, cuja solução muito interessaria ao Banco, pois a conclusão da Autarquia foi no sentido de que a reclamante não era segurada.

Ora, se aquela trabalhou devidamente registrada desde 01.12.78 (cópia da CTPS, fls. 18/24), para onde teriam sido carreadas as parcelas previdenciárias mensalmente recolhidas? Certamente caberia ao Banco aferir esta questão, diante do inquestionável interesse.

Os erros, as omissões e o patente descaso dos prepostos do Banco na execução da tarefa sob exame prolongaram desnecessariamente o sofrimento da autora. Logo, emerge dessa conduta, a culpa do empregador.

De se ponderar, ainda, que a literatura médica é pródiga em classificar fatores comportamentais – o estresse e baixa qualidade de vida- como uma porta de entrada para várias tipos de moléstias.

Desnecessário, todavia, mergulho mais profundo nesta seara, uma vez que o próprio banco reclamado o admite, ao oferecer seguro de vida ao público feminino, referindo que uma das causas de 50% dos casos de câncer em mulheres é estresse intenso ou depressão, conforme consta de seu site, o www.santander.com.br (acesso à página da internet em 01.09.2005).

Acresça-se a todos os padecimentos descritos, a proposta patronal de um “acordo bilateral para rescisão do contrato de trabalho”, demonstrada pelo doc. nº 63 de fl. 139.

Não é permitido ignorar que a expressão “acordo bilateral” não passa de eufemismo para a dispensa sem justa causa, pois são notórias as demandas nesta Especializada, nas quais ficou evidenciada a dispensa em massa dos banespianos, para enxugamento da máquina administrativa, após o programa de privatização.

É inequívoco que a possibilidade do desemprego, em momento de intensa fragilidade da trabalhadora, quando a mesma nem sequer havia se aposentado e estava despendendo significativas somas com tratamentos médicos, configura conduta repugnante e profunda afronta ao princípio do valor humano (recibos às fls. 141/172).

Pois bem, descritos os fatos que emergem dos autos, impõe-se a aferição dos fundamentos jurídicos.

O art. 5º, inciso X da Constituição Federal em vigor assegura o direito à indenização por dano moral decorrente da violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito e está sujeito ao pagamento da indenização correspondente (artigo 186 do Código Civil).

Doutrina e jurisprudência atuais pontuam no sentido de que o prejuízo subjetivo imposto ao trabalhador, pelo empregador ou por seus prepostos, quando extrapolam o poder diretivo e geram prejuízos ao empregado, ficam sujeitos ao correspondente reparo que é a condenação por dano moral.

Arnaldo Süssekind, no artigo da Revista LTr de maio de 95, intitulado “Tutela da personalidade do trabalhador”, pontifica que “o quotidiano do contrato de trabalho, com o relacionamento pessoal entre o empregado e o empregador, ou aqueles a quem este delegou o poder de comando, possibilita, sem dúvida, o desrespeito dos direitos da personalidade por parte dos contratantes. De ambas as partes – convém enfatizar – embora o mais comum seja a violação da intimidade, da vida privada, da honra ou da imagem do trabalhador”.


É certo que as dores experimentadas em face de uma lesão ensejam a devida reparação. Parafraseando Valdir Florindo, in Dano moral e o Direito do Trabalho, dano moral é aquele dano decorrente de lesão à honra, que afeta a paz interior, cujo caráter é extrapatrimonial com reflexos no âmbito patrimonial.

A indenização decorrente da responsabilização por danos causados (materiais ou morais) pressupõe a existência concomitante do trinômio conduta (comissiva/omissiva), dano (resultado negativo) e nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o prejuízo.

É certo, ainda, que o empregador detém o poder diretivo e na organização dos fatores produtivos de lucro, pode utilizar variadas formas de administração. Todavia, seus procedimentos devem ser pautados por medidas legítimas, devendo abster-se de condutas constrangedoras ou vexatórias, causadoras de desnecessário sofrimento ao seu empregado, pois o respeito à dignidade humana (princípio do valor humano) é o limite da ação. Comprovado o dano moral, consubstanciado em negligência no encaminhamento de requerimento de benefício previdenciário, o qual foi inicialmente indeferido pelo descaso patronal e agravado por proposta de “acordo amigável” para ruptura contratual, quando a reclamante estava afastada para tratamento de moléstia gravíssima (câncer), impõe-se o devido reparo.

No presente caso, o relevante para o deslinde da questão é que há provas inequívocas acerca do prejuízo moral causado à trabalhadora, motivo pelo qual merece acolhida a pretensão.

A subjetividade que envolve a questão do dano moral dificulta a dimensão dos prejuízos oriundos da lesão sofrida. Todavia, não é permitido perder de vista a necessidade do ofendido, a capacidade patrimonial do ofensor e o princípio da razoabilidade.

A indenização deve configurar impedimento à perpetuação de comportamentos tirânicos praticados por empregadores que extrapolam os limites do razoável, sem nenhum respeito às garantias fundamentais. Como se não bastasse, a reparação pecuniária tem por escopo a compensação pela dor da vítima, a busca da justa reparação.

Nesse passo, dou provimento ao apelo para dimensionar a indenização decorrente do dano moral em R$ 100.000,00 (cem mil reais).

2 – RECURSO DO RECLAMADO

2.1. Das horas extras – além da oitava diária

Não comporta reforma, a condenação em horas extras, alicerçada em convincente depoimento testemunhal colhido em Juízo (fls. 183), não infirmado nos autos. Mantenho o decidido.

2.2. Dos honorários advocatícios

Os honorários advocatícios, de acordo com a Lei 5.584/70, que rege a matéria no âmbito trabalhista, são devidos tão somente quando a parte estiver assistida pela entidade sindical da categoria e perceber o dobro do mínimo legal ou for juridicamente pobre, nos termos legais. O autor não preenche tais requisitos, pois está assistido por advogado particular, sendo que vigora o jus postulandi nesta Justiça Especializada. A decisão não pode, assim, subsistir. Reformo.

Ante o exposto, conheço de ambos os recursos e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo da recorrente, para condenar o reclamado a pagar-lhe R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de indenização por dano moral e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do reclamado para excluir os honorários advocatícios da condenação. Mantenho, quanto ao remanescente, a r. sentença combatida. Valor da condenação redimensionado para R$ 150.000,00.

PAULO AUGUSTO CAMARA

Juiz Relator

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