Sem chance de vida

Juízes se antecipam e autorizam aborto de fetos anencéfalos

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6 de setembro de 2005, 11h38

Enquanto o Supremo Tribunal Federal não julga o mérito da ADPF — Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental que discute a permissão de aborto de fetos anencéfalos, as instâncias inferiores da Justiça vão permitindo que as gestantes interrompam a gravidez nesses casos.

Nos últimos meses, a Justiça de Goiás, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul autorizou o aborto de fetos anencéfalos. Na mais recente decisão, o juiz Edson de Almeida Campos Júnior, da 34ª Vara Cível de Belo Horizonte, autorizou uma gestante a interromper a gravidez de um feto anencéfalo (sem cérebro). Por ser uma decisão de primeira instância, cabe recurso.

O diagnóstico de anencefalia do feto foi constatado numa ultra-sonografia feita em 10 de agosto passado. O feto tinha, então, 23 semanas. A gestante e seu marido pediram autorização à Justiça para interromper a gravidez. A intenção era a de não prejudicar ainda mais a saúde física e psíquica da mãe.

Além de sustentarem que o feto não tem “qualquer possibilidade de vida extra-uterina”, disseram que a família vive momentos de sofrimento e angústia desde que a má-formação foi constatada.

A anencefalia, segundo relatório do perito médico consultado nos autos, leva a morte de 100% dos fetos. Antes de o juiz dar sua sentença, o Ministério Público já havia se pronunciado favoravelmente à interrupção da gravidez. A informação é do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

O juiz Edson de Almeida Campos Júnior esclareceu que, em casos de anencefalia, Tribunais de Justiça estaduais, como o de Minas Gerais e o de Santa Catarina, têm autorizado a interrupção da gravidez como forma de se preservar a saúde da mãe.

O juiz observou que também o Supremo Tribunal Federal, em liminar do ministro Marco Aurélio, reconheceu “o direito constitucional da gestante de submeter-se à operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos, a partir de laudo médico atestando a deformidade”. A liminar, contudo, foi cassada pelo Pleno.

Sem chances de vida

No mês passado, a juíza Zilmene Gomide da Silva, da 2ª Vara Criminal de Goiânia, concedeu autorização para que uma grávida de 16 semanas interrompesse a gravidez de um feto sem cérebro. A juíza considerou que esses casos devem ser decididos “com imparcialidade, sem se deixar levar pelas mais íntimas convicções como ser humano, quer sejam de ordem ética, moral ou religiosa”.

A juíza esclareceu que embora a Constituição Federal garanta o direito à vida, “esse elementar direito não se apresenta absoluto, admitindo exceções conforme prescreve o artigo 128, e seus incisos do Código Penal”.

O juiz substituto Rafael Pagnon Cunha, da comarca de Tupanciretã, no Rio Grande do Sul, concedeu liminar em maio autorizando o aborto. Cunha entendeu que não há a possibilidade de colisão de direitos fundamentais da gestante e do feto por inexistência técnica de “vida” a ser resguardada. “Tenho tão-só os direitos da mãe (e do pai e de seus familiares) a serem preservados”.

Noutra recente decisão, o desembargador Sílvio de Arruda Beltrão, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, acatou o pedido de uma gestante em Mandado de Segurança. Para o desembargador, ficou evidenciado o risco à saúde da grávida, sem falar no abalo psicológico a que estará submetida se não interromper a gestação.

Segundo Beltrão, “cuida-se do direito à saúde, do direito à liberdade em seu sentido maior, do direito à preservação da autonomia da vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana”.

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