Desconto proibido

Empresa não pode descontar benefício de salário sem autorização

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29 de junho de 2005, 15h09

A empresa não pode descontar benefício de empregado sem sua autorização expressa, por mais vantajoso e útil que ele seja. A decisão é da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, que condenou o Banespa a devolver o montante descontado do salário de um ex-empregado para pagamento de seguro de vida. Cabe recurso.

Na ação, o bancário afirmou que não autorizou os descontos. O banco contestou a alegação, sustentando que eles foram autorizados pelo ex-funcionário e não podem ser devolvidos. A 37ª Vara do Trabalho de São Paulo acolheu o pedido do bancário.

Inconformado, o Banespa recorreu ao TRT paulista. A segunda instância, no entanto, manteve a decisão da 37ª Vara.

O relator do Recurso Ordinário, juiz Luiz Antonio Moreira Vidigal, considerou que “a realização de quaisquer descontos por mais benéficos os seus fins e por mais que potencialmente usufruídos pelo empregado, dependem para sua validade da expressa anuência do trabalhador, sob pena de representarem violação ao disposto no artigo 462 da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]”.

O dispositivo proíbe “qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositvos de lei ou de contrato coletivo”. Segundo o relator, é “esta a hipótese dos autos, já que em nenhum momento comprovou a reclamada a outorga de expressa autorização pelo empregado para que se efetuassem deduções em sua remuneração a título de seguro de vida”.

A decisão da 7ª Turma do TRT-SP foi unânime.

RO 01336.2002.037.00-5

Leia a íntegra do voto

PROCESSO TRT/SP Nº 01336. 2002. 037. 02. 00-5

RECURSO ORDINÁRIO

origem: 37ª VARA DO TRABALHO DE São Paulo

RECORRENTE: Banco do Estado de São Paulo e outro

RECORRIDO: Hildevando Luis de Sousa

EMENTA

DEVOLUÇÃO DE DESCONTOS

A realização de quaisquer descontos por mais benéficos os seus fins e por mais que potencialmente usufruídos pelo empregado, dependem para sua validade da expressa anuência do trabalhador, sob pena de representarem violação ao disposto no artigo 462 da CLT.

Adoto o relatório da r. sentença de fls. 112/115, que julgou a ação procedente em parte, complementada pela r.decisão de embargos de declaração de fls.121.

Inconformada, recorre ordinariamente a reclamada às fls. 123/142, alegando em síntese que: deve ser reconhecida a transação havida entre as partes em razão da adesão do autor ao PDV e extinto o feito nos termos do artigo 269, inciso III ou 267, inciso V, ambos do Código de Processo Civil. No mérito, entende indevidas as horas extras e reflexos pois a real jornada de trabalho encontra-se anotada nas folhas de presença, as quais foram assinadas pelo demandante. Por cautela, aduz que em caso de manutenção da sentença deverá ser observado o artigo 54 do Regulamento Pessoal da recorrente. Argumenta que não cometeu qualquer irregularidade para que sejam expedidos ofícios. Os extratos bancários trazidos à colação pelo reclamante não se prestam para provar a propalada venda de papéis e ainda que assim não fosse, jamais chegaram à média de R$100,00. Portanto, não há que se falar em integração. Os descontos foram autorizados pelo autor e não podem ser devolvidos. Requer a compensação das verbas pagas em decorrência do Programa de Desligamento Voluntário.

O recurso é tempestivo e subscrito por procurador devidamente habilitado (fls. 32/35 e 143/144), com custas e depósito recursal recolhidos às fls. 145/146.

Contra-razões às fls. 149/154.

Parecer da D. Procuradoria pelo prosseguimento, às fls. 155.

É o relatório.

V O T O:

Conheço do apelo, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade. Embora a petição de interposição do apelo não se encontre subscrita, a patrona da recorrente assinou o recurso.

I) DA TRANSAÇÃO

Os elementos que constam dos autos não fazem visualizar que entre as partes tenha sido entabulada qualquer “transação” que fizesse impor a extinção do feito. Não há como se admitir que mediante o percebimento da importância consignada no documento de número 04 do 1º volume em apartado, paga a título de indenização relativa a “PDV”, pudesse o empregado validamente quitar não só a parcela ali descrita como também todos os demais direitos decorrentes do extinto contrato de trabalho. No processo do trabalho não se aplicam as normas civilistas da “transação” nos moldes pretendidos pela recorrente, vez que incompatíveis com os princípios que o regem, notadamente o da irrenunciabilidade. A dicção do artigo 9o da CLT é ampla o suficiente para que se reputem inválidas quaisquer manobras tendentes a obstar ou dificultar o livre acesso do trabalhador à jurisdição pois, repita-se, o direito de ação se constitui primado constitucional. Nesse sentido o Acórdão prolatado pelo Exmo. Ministro Relator Dr. João Oreste Dalazen, da 1ª Turma do C.TST quando do julgamento do Proc. Nº TST-RR-209.604/95.7 cuja Ementa ora transcrevemos:

TRANSAÇÃO.EFICÁCIA.RECIBO.QUITAÇÃO

A transação é instituto jurídico que previne eventual litígio, compatível com o princípio conciliatório que norteia a solução dos conflitos trabalhistas, mas sua validade no Direito do Trabalho encontra-se limitada por lei – artigo 477, §2º, da CLT – às parcelas discriminadas no recibo. Carece de validade a quitação geral sem especificação das verbas pagas. Recurso conhecido e provido.

Por fim, a matéria não comporta maiores discussões após a edição da Orientação Jurisprudencial nº 270 do Tribunal Superior do Trabalho, Seção de Dissídios Individuais, Subseção I:

270. Programa de Incentivo à Demissão Voluntária. Transação extrajudicial. Parcelas oriundas do extinto contrato de trabalho. Efeitos. A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado a plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo.

Por tais fundamentos, nego provimento.

II) DAS HORAS EXTRAS

A causa de pedir alegou prestação de serviços no horário das 9:00 às 18:00/18:30 horas com intervalo não superior a 15 minutos. O reclamante se desincumbiu de forma parcial do ônus probatório a seu cargo. Restou demonstrada pelo teor da prova testemunhal colhida às fls. 107/109 a efetiva prestação de serviços em jornada elastecida. A recorrente não apresentou qualquer contraprova, limitando-se a dispensar o depoimento de suas testemunhas. Tampouco pode vingar sua tese quanto à validade das folhas de presença que apenas retratam o horário contratual. A fixação da jornada como sendo das 9 às 17:30 horas, com 15 minutos de intervalo, de 2ª a 6ª feira, foi bem valorada pela r. decisão de origem que não merece qualquer reforma. Mantidas as horas extras, por óbvio que também mantidos os reflexos deferidos, todos adequados e conformes ao que consta do processado. Quanto à aplicação do artigo 54 do Regulamento do Pessoal, a r.decisão de primeiro grau nada mencionou e sem que a recorrente questionasse a omissão. De qualquer forma, o MM.Juízo a quo determinou que as horas extras sejam pagas com a observância do disposto na cláusula 12 do instrumento coletivo a qual fixa em seu parágrafo segundo que a base de cálculo é o somatório de todas as verbas salariais fixas, tais como salário base, quinquênio ou adicional por tempo de serviço, gratificação. Nego provimento.

III) DA EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS

Em conformidade com o disposto no inciso I do artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, ao Juiz compete cumprir e fazer cumprir a lei. Constatada a prática de irregularidade por parte da recorrente, correta se afigura a determinação de que seja expedido ofício à Delegacia Regional do Trabalho, de modo que a autoridade administrativa adote, se for o caso, as medidas necessárias que entender cabíveis. O fato de o Juiz simplesmente comunicar referida autoridade acerca das circunstâncias evidenciadas pelo processo, não ofende qualquer direito da recorrente, até porque trata-se de ofício de natureza meramente informativa. Mantenho o julgado.

IV) DA VENDA DE PAPÉIS

A prova oral produzida pelo autor demonstra que vendia produtos do Banco (seguros de vida, títulos de capitalização, etc.), havendo a percepção de comissões sobre a venda desses papéis. Patente, pois, a veracidade das assertivas lançadas na inicial, inclusive no tocante à habitualidade no recebimento das comissões, vez que os comprovantes de depósitos bancários (volume em apartado) assim o comprovam. Ademais, a reclamada não trouxe qualquer elemento capaz de elidi-las. Desse modo, infere-se que a recorrente não logrou demonstrar qual o desacerto da r. sentença de origem, no particular. Nego provimento.

V) DA DEVOLUÇÃO DE DESCONTOS

A realização de quaisquer descontos por mais benéficos os seus fins e por mais que potencialmente usufruídos pelo empregado, dependem para sua validade da expressa anuência do trabalhador, sob pena de representarem violação ao disposto no artigo 462 da CLT. Esta a hipótese dos autos, já que em nenhum momento comprovou a reclamada a outorga de expressa autorização pelo empregado para que se efetuassem deduções em sua remuneração a título de seguro de vida. Vale ressaltar que a única autorização do recorrido que consta dos autos refere-se ao desconto destinado ao Fundo Banespa de Seguridade Social ((2º vol. em apartado – docto.13), que sequer fez parte do rol de pedidos (letra “d” de fls.19). Ademais, a matéria já não comporta maiores indagações desde o advento do Enunciado nº 342 do C. TST.

VI) DA COMPENSAÇÃO

Absolutamente impertinente a pretensão da recorrente de “compensar” as verbas pagas em decorrência da adesão ao Plano de Demissão Voluntária, com os demais créditos reconhecidos ao empregado. O instituto da compensação a que alude o artigo 767 da CLT, somente tem aplicabilidade quando os valores que se pretenda compensar possuam títulos idênticos àquele que seja objeto da condenação, o que efetivamente não é a hipótese dos autos. De fato, a “Indenização PDV” tem por escopo vantagens adicionais ao empregado que adere a plano de desligamento, não se confundindo com as parcelas devidas e não pagas corretamente ao longo da contratualidade. Mantenho o julgado.

Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso para manter íntegra a r.decisão de primeiro grau e os valores arbitrados na origem.

JUIZ ANTONIO M. VIDIGAL

Juiz Relator

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