Livre e desprotegido

Ausência de advogado nos Juizados prejudica cidadão

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3 de agosto de 2005, 17h53

Criada para garantir o acesso de todos à Justiça, a regra que dispensa a presença de advogados para representar as partes nos Juizados Especiais é criticada não só por advogados, que reclamam a perda dessa fatia de mercado, mas também pelos próprios juízes que compõem o órgão destinado a resolver conflitos de pequenas causas.

Numa ação em que a União é processada por danos morais e materiais, o juiz Fernando Moreira Gonçalves, de Campinas, mandou intimar o autor do processo sobre a “conveniência de constituir profissional habilitado (advogado) para representar seus interesses em face dos demandados” pela “complexidade das teses jurídicas discutidas”. Para o juiz, a ausência do advogado “apto a litigar em igualdade de condições técnicas com os representantes” da União permite antever deficiências que “poderão levar à improcedência dos pedidos”.

Segundo Gonçalves, a dispensa do advogado provoca um desequilíbrio na balança da Justiça: enquanto uma parte é representada por advogados conhecedores das minúcias da lei, a outra fica desprotegida, sem competência técnica suficiente para brigar por seus direitos e rebater as questões apresentadas. “É um erro achar que a norma beneficia os mais pobres, que não tem condições de contratar um profissional. Ela acaba prejudicando as pessoas menos assistidas”, afirma Gonçalves.

Para combater a exceção permitida nos Juizados, a Ordem dos Advogados do Brasil entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra o artigo 10, que prevê a dispensa, da Lei 10.259/01, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais, mas que serve também para os Juizados Estaduais.

Segundo a OAB, o artigo 133 da Constituição Federal determina que o advogado é indispensável. A Ordem também alega que o dispositivo fere os princípios da razoabilidade e proporcionalidade garantidos pelos artigos 1º e 5º, inciso LIV, da CF e do tratamento isonômico entre as partes. A ação, ajuizada em 2004, aguarda julgamento. O ministro Joaquim Barbosa é relator do caso.

Há também, em trâmite na Câmara dos Deputados, dois projetos de lei que querem garantir a presença de advogado nos julgamentos de pequenas causas. Ambos sugerem a modificação do artigo 9º da Lei 9.099, que criou os Juizados. No PL 5.396/05, o deputado Ivo José (PT-MG) propõe que o advogado só pode ser dispensado nas causas de até cinco salários mínimos. Nos Juizados Federais, o limite é de 60 salários mínimos e nos Estaduais de até 40 salários.

Já o Projeto de Lei 5.096, do deputado Vignatti (PT-SC), torna obrigatória a presença do profissional em todas as causas propostas nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, do Distrito Federal e Federais. As duas propostas aguardam parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Defensorias públicas

Contudo, se a legislação for modificada ou se o Supremo acatar a ação da OAB, restará outra questão: como garantir o acesso à Justiça de quem não tem dinheiro para pagar advogado?

A resposta está no cumprimento do disposto na Constituição Federal, que determina que o Estado dará assistência judicial gratuita a quem não tem recursos. A saída é a tão aguardada formação das defensorias públicas que hoje — as poucas que existem — são carentes de recursos e profissionais.

“Não basta exigir que o projeto de lei se torne realidade, é necessário saber se o Estado está disposto a prover a assistência gratuita ao cidadão”, afirma o vice-presidente do Conselho Federal da OAB Aristóteles Athenniense. “Nenhum advogado vai poder trabalhar de graça, os defensores públicos ganham mal e há comarcas que não contam com nem um deles. É essencial que ambas as partes se apresentem bem amparadas, mas não há sentido em aprovar os projetos por aprovar. Seria hipocrisia”, diz.

A falta de advogados para representar os autores do processo também acaba exigindo que o juiz se desdobre e faça o papel do defensor. “Algumas vezes tive de substituir o papel do advogado, adotar um papel mais ativo, determinar produção de provas, por exemplo. Me vi obrigado a usar de poderes para suprir deficiências decorrentes de pedido mal apresentado. Seria muito mais confortável e tranqüilo se todas as partes dispusessem de defesa técnica adequada”, diz o juiz federal Flávio Dino.

Para ele, no entanto, eliminar o instituto da apresentação direta ao Juizado seria um desastre. Significaria reforçar a exclusão social e jurídica e a submissão dos carentes às lógicas do mercado. Não que, para ele, a ausência de profissional que assista o autor da ação seja boa. “Mas é um mal necessário. A OAB deveria voltar sua ação [em trâmite no Supremo] para garantir o suprimento de defensores públicos, que é uma deficiência do Estado”.

Já para o coordenador dos Juizados Especiais Federais de São Paulo e desembargador federal José Eduardo Santos Neves, a presença de advogados no órgão é uma conseqüência natural e ela vem crescendo com o tempo. Segundo ele, quando o Juizado foi instalado no estado, 95% dos pedidos eram feitos diretamente pelos autores. Hoje, esse índice despencou para 40%.

“Se a própria parte pode fazer a opção ou não pelo advogado, por que forçá-las a contratar os profissionais?”, questiona. “Algumas pessoas que ingressam com ação no Juizado tem, sim, conhecimento suficiente para apresentar o pedido”. Além do que, para ele, os processos que tramitam nessa esfera do Judiciário são simples, relativos a casos esteriotipados e já decididos nos tribunais superiores.

Leia a íntegra da citação

JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DE CAMPINAS-SP

PROCESSO n.º 2005.63.03.000591-0

Vistos,

O autor propôs a presente ação reparação de danos em face da União, alegando, em síntese, que sofreu prejuízos de ordem material e moral, ao cair com seu veículo em buraco existente na rodovia BR 116.

Na contestação apresentada em audiência realizada no dia 29 de agosto de 2005, neste Juizado Especial, a União alegou em preliminar inépcia da inicial e ilegitimidade passiva de parte, uma vez que incumbe ao DNIT, autarquia federal com personalidade jurídica própria, a manutenção de rodovias federais.

No mérito, a União contestou o pedido formulado pelo autor e rebateu a possibilidade de ser aplicada ao presente caso a responsabilidade objetiva prevista no artigo 37, parágrafo 6.º, da Constituição Federal.

De início, cumpre-me ressaltar que eventual manifestação do autor sobre as preliminares suscitadas pela União resta prejudicada, uma vez que o autor não se encontra assistido por advogado, tendo formulado pedido diretamente no setor de atendimento deste Juizado.

No que se refere à legitimidade passiva, que pode ser definida como a pertinência subjetiva da ação, observo que o artigo 82, inciso IV, da Lei n.º 10.233/2001, de fato, atribui ao DNIT, conforme alegado pela União, o encargo de administrar a conservação de rodovias federais, motivo pelo qual merece acolhida o requerimento formulado para a integração dessa autarquia ao pólo passivo. Eventual exclusão da União, por ilegitimidade, será analisada após a contestação a ser apresentada pelo DNIT.

É necessário, ainda, observar-se que a ausência, por parte do autor, de representação por profissional habilitado (advogado), apto a litigar em igualdade de condições técnicas com os representantes judiciais das partes demandadas (União e DNIT), permite antever deficiências na instrução do feito, deficiências essas que poderão levar à improcedência dos pedidos formulados, em prejuízo da própria parte autora.

Ante o exposto, determino a citação do DNIT, para figurar no pólo passivo do presente feito, na condição de litisconsorte da União e a intimação do autor para cientificá-lo, ante a complexidade das teses jurídicas discutidas no presente feito, da conveniência de constituir profissional habilitado (advogado) para representar seus interesses em face dos demandados. Sem prejuízo, designo audiência de instrução e julgamento para o dia 09 de fevereiro de 2006, às 15h30.

Cite-se e Intime-se

Campinas, 03 de agosto de 2005.

Fernando Moreira Gonçalves

Juiz Federal

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