Direito autoral

Obras de Noel Rosa caem em domínio público em 2008

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29 de abril de 2005, 10h50

Produtores, pesquisadores, diretores de gravadoras, intérpretes e músicos estão de olho numa contagem regressiva, que será concluída em janeiro de 2008. Nesse mês, será completado o 70º aniversário de morte de Noel Rosa, um dos mais importantes compositores populares brasileiros. Autor prolífico e precoce, Noel faleceu com apenas vinte e seis anos de idade, em 1938, e deixou mais de duzentas obras, de um acervo rico e de grande interesse.

Deixou uma viúva, Lindaura, que desde então — assim como as editoras que registraram as obras — usufrui dos direitos autorais de todas essas canções criadas pelo chamado “Poeta da Vila”.

Pois bem. Completados esses setenta anos, consoante dispõe a legislação autoral brasileira (Lei 9.611/98), caem em domínio público as criações de Noel. A partir dessa data, ninguém precisa mais pagar direito autoral sobre elas. Em outras palavras, qualquer pessoa pode fazer uma cópia ou gravação dessas obras e ganhar dinheiro com isso. Noel Rosa é o artista mais importante a ter sua obra abrangida por essa previsão legal. Antes dele, já estavam com obras “liberadas” nomes como Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e Sinhô. Em outras paragens, já caíram em domínio público obras como “Rock Around the Clock”, de Bill Halley and His Comets.

Os representantes da indústria cultural, no entanto, já estão reagindo a esses novos tempos. Nos Estados Unidos, o prazo de proteção ao direito autoral foi aumentado para 95 anos, através de uma lei jocosamente apelidada de “Mickey Mouse Act”, por conta da pressão da Disney, temerosa da perda de receitas pela iminente entrada em domínio público dos primeiros desenhos de Mickey Mouse.

Interessante abordagem do domínio público ocorreu na Europa, recentemente. A duração dos direitos autorais, após a morte do autor, variava de país para país, predominando o período de 50 anos (na Bélgica, Grécia, Itália, Portugal e Países Baixos). Na Espanha, o período era de 60 anos. Na França, 70 anos para obras musicais e 50 par outras obras. Na Alemanha, também 70 anos.

Ocorre que, em 1992, uma Comissão Especial da Comunidade Econômica Européia aprovou resolução unificando esse período para 70 anos — o que veio, efetivamente, a ser adotado. Com isso, em todos os países que integram a União Européia, a obra passou a cair sob “domínio público” decorridos 70 anos da morte do autor, tendo havido, assim, alteração de prazos, eis que alguns países adotavam interregnos menores.

Daí ocorreu um fato que escapara à previsão dos legisladores : várias das obras que já estavam em “domínio público” perderam essa condição, pois o novo período legal, em muitos casos, não havia ainda transcorrido. Situação prática inusitada: os herdeiros readquiriram os direitos patrimoniais que haviam perdido, em decorrência do prazo legal anterior, que era menor.

Isso acarretou discussões acaloradas em vários países, inclusive o Brasil, onde edições de várias obras de autores europeus já caídas em “domínio público” perderam, subitamente, esta condição. Dentre esses autores, nomes conhecidos, como Fernando Pessoa.

Surgiu, destarte, um fato jurídico novo, que promoveu o desaparecimento de uma situação — o “domínio público” sobre a obra – e o surgimento de outra — a ressurreição do dever de pagar aos herdeiros dos autores. Ora, a edição de uma obra que, à época, estava em “domínio público” gera efeitos econômicos e transações comerciais, entrando para o patrimônio do beneficiário.

A nova lei modificou a situação, criando novo cenário, que deve respeitar o direito adquirido, não havendo, no entanto, como permitir a renovação da prática subitamente revogada. Com isso, a edição de um livro, por exemplo, promovida sob a égide do direito revogado –, se a situação decaiu por força de nova lei — , não é mais possível ser reeditada sem autorização.

Nesse caso, o direito adquirido refere-se ao ato e ao fato em si, praticado na constância de uma lei cujos efeitos patrimoniais devem ser respeitados. Mas não podem repetir-se, gerando novos interesses e novas obrigações, sob império de legislação superveniente, que disponha de forma diversa.

Certamente, no tempo de Noel Rosa essa questão seria inimaginável. Mas hoje é apenas uma das facetas de um dos grandes assuntos do direito autoral contemporâneo.

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