Defesa do contribuinte

MP é prima-irmã de antigos decretos-leis da Ditadura

Autores

  • Antonio Carlos Rodrigues do Amaral

    é advogado tributarista presidente da Comissão Especial da OAB-SP para Estudo dos Impactos Jurídicos da MP 232/04 professor de Direito Constitucional na Universidade Mackenzie mestre em Direito (LL.M.) e pós-graduado pelo International Tax Program da Harvard Law School.

  • Luiz Flávio Borges D'Urso

    é advogado criminalista doutor e mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP) ex-presidente da OAB-SP ex-conselheiro federal da OAB e presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim).

13 de abril de 2005, 19h56

Há mais de cinco anos o Congresso Nacional homologa medidas provisórias sem que, de fato, sejam sequer instauradas comissões mistas para o debate democrático das matérias nelas tratadas. O alerta foi feito pelo deputado Mussa Demes quando da instalação — pioneira, portanto, neste século — da comissão mista para debater a MP 232/04.

Ora, se o Parlamento não se reúne para discutir as questões tributárias objeto das MPs, isto claramente significa que um dos poderes da República, justamente aquele que expressa a vontade popular, está mutilado. Isto seriamente atenta contra a democracia e o exercício pleno da cidadania.

A existência de medidas provisórias, com força de lei, não serve para promoção da soberania popular. Não homenageia de forma alguma as competências do Poder Legislativo: pelo contrário, as aniquila. A MP é prima-irmã dos antigos decretos-leis do regime militar, que por sua vez se originaram do regime fascista italiano, o que em nada as enaltece ou as torna compatíveis com o Estado Democrático de Direito.

Ademais, se as MPs, segundo a Constituição Federal, podem ser editadas, com força de lei, pelo Presidente da República, no caso de urgência e relevância, a conclusão lógica é a de que o Congresso Nacional tratará, por exclusão, das matérias “não-urgentes” e “não-relevantes”. E, infelizmente, tem sido assim mesmo, especialmente em matéria tributária. Por isso é que a sociedade vai sempre a reboque das decisões da burocracia estatal. Como não se discute orçamento, os gastos públicos crescem em tamanho e importância.

Para efetivamente elevar o Congresso Nacional à sua devida posição no concerto dos poderes da República, tornando-o verdadeiro palco das grandes questões nacionais, onde as parcelas afetadas da população — principalmente os contribuintes — possam fazer-se ouvir, é que se faz imprescindível proibir a veiculação de matérias tributárias por medidas provisórias.

Por isso é que a OAB SP, a pedido das entidades que compõem a Frente Brasileira contra os aumentos de tributos e, especialmente, a MP 232/04, elaborou em sua comissão de estudo dos impactos tributários das novas medidas governamentais, minuta de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) voltada a justamente impedir que medida provisória trate de matéria tributária.

O texto proposto para inclusão na Constituição Federal é abrangente e visa justamente impedir que o contribuinte seja constantemente punido por atos gerados nos corredores da burocracia, sem que a sua voz se possa fazer ouvir no Congresso Nacional. A PEC objetiva vedar a edição de medidas provisórias relativas a “direito tributário, compreendendo a instituição ou majoração de impostos, taxas e quaisquer contribuições, inclusive retenção na fonte e substituição tributária, e processo administrativo tributário”.

Embora o texto pudesse, do ponto de vista da técnica constitucional, ser mais enxuto, preferiu-se a explicitação do conteúdo para que veleidades hermenêuticas na interpretação da norma proposta não terminassem por esvaziar os seus objetivos principais: evitar aumento de tributação sem debate no Congresso Nacional; restringir a ampliação de encargos burocráticos crescentes para o cidadão, que cada vez mais é fiscal de seus clientes e fornecedores e é abusivamente transformado em funcionário público sem remuneração; e vedar as constantes iniciativas voltadas à destruição do direito de defesa do cidadão, principalmente na esfera administrativa.

A sociedade quer transparência e debate das questões tributárias, que sem dúvida são das que mais afetam a vida econômica do País. Nenhuma nação se desenvolve sem arrecadação tributária consistente e crescimento social decorrente de relações formais. No entanto, a constante edição de MPs sistematicamente aumentando tributos acaba por sempre punir o cidadão honesto e indiscriminadamente pressionar a todos para a informalidade. Isto em nada concorre para o bem comum. É preciso dar um basta a este estado arbitrário de coisas, que também não concorre para conferir certeza e segurança nas relações jurídicas, o que sem dúvida é fundamental para atrair os indispensáveis investimentos internacionais.

Assim, a OAB-SP cumpre o seu papel de defensora do Estado Democrático de Direito, na expectativa de que o Congresso Nacional bem aprecie a Proposta de Emenda Constitucional vedando a edição de MPs em matéria tributária. Isto é importante para a democracia, ao enaltecimento da cidadania e essencial para a promoção do crescimento econômico e social do Brasil.

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