Retrospectiva 2004

Retrospectiva: Carga tributária impede crescimento do país.

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10 de dezembro de 2004, 8h15

Para os contribuintes brasileiros 2004 foi mesmo, como os chineses acreditam, o “ano do dragão”. Até que as autoridades fazendárias se esforçaram para nos convencer de que o substancial aumento da carga tributária, — que já se aproxima dos 40% do PIB — decorreu apenas do crescimento da economia.

Os institutos especializados apontam que o peso dos tributos cresceu mais que a economia, aumentando a transferência de recursos da sociedade para os cofres públicos. Dentre os vários eventos ocorridos no ano e que comprovam tal avaliação, podemos destacar:

PIS E Cofins

As alíquotas do PIS e da Cofins aumentaram significativamente, a pretexto de eliminar a cumulatividade desses tributos. Por outro lado, a implantação de mecanismos de substituição tributária, com as empresas sendo obrigadas a reter e recolher tais tributos dos prestadores de serviços, acabou ampliando bastante a arrecadação.

Imposto de renda

As pessoas físicas — especialmente os assalariados — continuam sofrendo confisco, em conseqüência da não correção da tabela. O limite de isenção de R$ 1.058,00 deveria estar na faixa de R$ 1.600,00. Com isso, um trabalhador que ganhe três mil reais por mês paga anualmente cerca de mil reais além do que deveria. Aquele que recebe cinco mil, terá uma perda anual de cerca de três mil reais.

Essas diferenças, se permanecessem em poder dos trabalhadores em lugar de se transformar em imposto, certamente seriam utilizadas no consumo, podendo gerar um saudável crescimento da economia. Além disso, ao não atualizar os valores da tabela, o Fisco aumenta o numero de pessoas que devem receber restituição.

Não a devolvendo com a rapidez necessária, cria-se verdadeiro empréstimo compulsório, que a lei não autoriza. Milhares de pessoas aguardam a restituição do que não deveriam ter pago, algumas há mais de um ano. Trata-se de prejuízo para os contribuintes e para a sociedade, pois as restituições são acrescidas da taxa “selic”.

Guerra fiscal do ICMS

As desigualdades regionais do país explicaram, no passado, a necessidade de incentivos fiscais. Algumas unidades da Federação ainda concedem vantagens aos que invistam em seu território. Ampliação de prazos de recolhimento é uma delas. Mas há também casos de redução de base de cálculo e créditos presumidos, além da realização de obras de infra-estrutura, doação de terrenos, etc.

A concessão de incentivos deveria obedecer aos mecanismos constitucionais, dependendo da aprovação unânime das unidades federadas, em reuniões do Confaz. Mas nem sempre isso ocorre, com o que algumas unidades entendem ilegais certos incentivos e chegam a impedir o livre transito de mercadorias de determinadas origens. Indústrias paulistas, por exemplo, enfrentam problemas nas remessas para Goiás, Mato Grosso, Distrito Federal, etc.

Tais discussões podem ser resolvidas com a aprovação de Emenda Constitucional que aguarda votação no Congresso, mas podem ser prejudicadas caso seja aprovada uma Lei Complementar que o fisco dos Estados vem preparando quase em segredo. Tal projeto contem várias falhas e abusos, prejudicando seriamente os contribuintes, como já comentamos aqui na ConJur.

Abusos do fisco

Após a aprovação da Lei Complementar 105 o fisco federal passou a entender que o sigilo bancário não existe mais. A coisa não é bem assim. O sigilo ainda existe e só pode ser violado em situações especiais, onde haja indícios de crime. Mais importante, no entanto, é o fato de que o próprio Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda já entendeu, em várias oportunidades, que depósito bancário não é suficiente para caracterizar fato gerador de tributo.

Com a excessiva ampliação de poderes, as autoridades fiscais acabam gerando autos de infração fantasiosos, agravados com ameaças de processos criminais, em flagrante desrespeito à lei e às inúmeras decisões judiciais, inclusive do STF, que não permitem a ação criminal antes de terminada a discussão administrativa do débito fiscal. Se houver, em algum lugar, contribuintes assustados e funcionários que não respeitam a ética, é possível que tal situação favoreça a corrupção.

Burocracia criminosa

Diferentes sistemas de controle, implantados pelo fisco nos últimos anos, cresceram de tal forma que já sufocam os contribuintes em todos os níveis. Os chamados “cruzamentos” de informações tornaram-se um verdadeiro martírio para a sociedade, especialmente neste ano.

A apresentação da DCTF — Declaração de Contribuições e Tributos Federais — que não se baseia em nenhuma lei, mas apenas numa instrução normativa da Receita Federal, pode gerar inconsistências por erros do sistema de processamento de dados dos contribuintes, dos bancos ou da própria Receita.

O pior é que se o Fisco é ágil para apontar supostos erros, é extremamente incompetente para corrigi-los. Há milhares de casos de contribuintes que nada devem ao Fisco, mas que, apontados como inadimplentes, sofrem prejuízos sérios, quando dependem de obter certidões negativas. A situação se tornou tão grave, que uma enorme quantidade de processos está em andamento na Justiça Federal, por causa dos erros que o Fisco não consegue corrigir a tempo.

Isso sem falarmos na ridícula Certidão Negativa de Inscrição na Dívida Ativa, emitida pela Procuradoria da Fazenda, instituída em 1967, época em que não havia os sistemas informatizados de hoje. Tal certidão deveria ser extinta, sendo substituída apenas pela da Justiça Federal, pois não é razoável supor a Procuradoria faça a inscrição da dívida apenas para infernizar o contribuinte.

O objetivo da inscrição é viabilizar a cobrança executiva, que é dever do Estado e que só se efetiva com a distribuição da ação de execução. Já está na hora de alguém, no Ministério da Fazenda, levar a sério essa questão e eliminar as certidões inúteis, que só causam prejuízo, até para o próprio fisco.

Sem Reforma

Embora a necessidade de uma verdadeira reforma tributária seja a mais unânime de todas as unanimidades nacionais, o Congresso parece preocupar-se apenas com a distribuição de verbas, a criação de cargos e outras futilidades proveitosas, enquanto o Executivo cuida do “marketing”.

A carga tributária está insuportável e impede o crescimento de que o País necessita. Portanto, alguns tributos devem ser eliminados ou reduzidos. Já não tem sentido, por exemplo, a existência do IPI, um tributo praticamente igual ao ICMS. A extinção do IPI além de aliviar o setor produtivo, reduziria a burocracia e sua arrecadação hoje está amplamente compensada com o aumento no imposto de renda e nas demais receitas da União e dos Estados. De igual forma, o IPVA também deve acabar, por não possuir nenhuma função, já que os combustíveis estão arrecadando o que é preciso.

Reforma verdadeira passa também pela simplificação das rotinas fiscais, eliminando-se informações inúteis e desagradáveis, como, por exemplo, a famigerada “declaração de isento”, outra ilegal criação do fisco federal, sem nenhuma utilidade prática e que serve apenas para infernizar a vida já difícil dos mais pobres.

Finalmente, nenhum país pode crescer sem que haja uma estabilidade razoável nas regras fiscais. Ninguém se dispõe a investir, a médio e longo prazo, num lugar em que não se sabe hoje o imposto que se deve pagar amanhã cedo…

Conclusão

Se a economia ainda cresce, não é POR CAUSA do governo, mas APESAR dele. Em matéria de tributação, temos uma carga tributária abominável, mais agravada ainda com a inexistência de retorno, em serviços como justiça, segurança, saúde e educação, que são, afinal de contas, as únicas coisas que justificam os impostos e o próprio Estado. Sem uma revisão dessas regras, sem uma reforma tributária verdadeira, seria melhor abolir o governo e nos transformarmos em uma sociedade anarquista.

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