Recurso inadmissível

Reclamação não pode ser feita contra atos de ministros do STF

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2 de setembro de 2002, 12h24

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, decidiu que a reclamação não é admissível contra atos dos ministros ou das Turmas que integram a Corte. Segundo Celso de Mello, os julgamentos, monocráticos ou colegiados, “qualificam-se como decisões juridicamente imputáveis ao próprio Supremo Tribunal Federal”.

Celso de Mello considerou uma reclamação incabível e não a reconheceu nos autos de um processo.

De acordo com a decisão, “não cabe reclamação contra ato decisório que veicula juízo negativo de admissibilidade do recurso extraordinário”.

Leia a decisão:

Reclamação contra Ministro do Supremo Tribunal Federal – Inadmissibilidade

Rcl 2.106-RS

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: RECLAMAÇÃO. UTILIZAÇÃO CONTRA DECISÃO EMANADA DO PRESIDENTE DO STF. INADMISSIBILIDADE.

– O instrumento processual da reclamação – enquanto medida de direito constitucional vocacionada a preservar a integridade da competência do Supremo Tribunal Federal e a fazer prevalecer a autoridade de suas decisões (CF, art. 102, I, “l”) – não se revela admissível contra atos emanados dos Ministros ou das Turmas que integram esta Corte Suprema, pois os julgamentos, monocráticos ou colegiados, por eles proferidos, qualificam-se como decisões juridicamente imputáveis ao próprio Supremo Tribunal Federal.

A reclamação, considerada a sua dupla função constitucional (RTJ 134/1033), tem por finalidade neutralizar situações anômalas, que, criadas por terceiros estranhos ao Supremo Tribunal Federal, venham a afetar a integridade da competência institucional desta Corte ou a comprometer a autoridade de suas próprias decisões.

NÃO CABE RECLAMAÇÃO CONTRA ATO DECISÓRIO QUE VEICULA JUÍZO NEGATIVO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

– O Presidente de Tribunal de jurisdição inferior – ao formular juízo negativo de admissibilidade do recurso extraordinário – não usurpa competência do Supremo Tribunal Federal, pois desempenha, nesse contexto, poder de controle que lhe foi expressamente conferido pelo ordenamento positivo, o que afasta, por si só, a possibilidade de acesso à via reclamatória, por inocorrência de pressuposto legitimador da válida utilização desse meio processual. Precedentes.

NÃO-ADMISSÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIRETA INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO PERANTE O PRÓPRIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE.

– O agravo de instrumento, contra decisão denegatória do apelo extremo, deve ser interposto perante o próprio órgão judiciário de que emanou o juízo negativo de admissibilidade, não podendo, a parte agravante, deduzir, diretamente junto ao Supremo Tribunal Federal, essa impugnação recursal. Conseqüente legitimidade da decisão do Presidente do STF que ordena a restituição, ao agravante, da petição recursal.

DECISÃO: A presente reclamação tem por objetivo fazer processar agravo de instrumento que a parte ora reclamante, de modo inadequado, interpôs, diretamente perante o Supremo Tribunal Federal, contra decisão emanada da Presidência do E. Tribunal Superior do Trabalho, que negara trânsito a recurso extraordinário então deduzido pelo ora interessado.

O eminente Ministro MARCO AURÉLIO, Presidente do Supremo Tribunal Federal, considerando a inadmissibilidade desse comportamento processual, determinou a restituição, à parte ora reclamante, da petição veiculadora do agravo de instrumento em causa (fls. 96).

A reclamação ora promovida pela parte interessada não se reveste de viabilidade processual, seja porque juridicamente incabível contra o Presidente e os Ministros do Supremo Tribunal Federal (Rcl 1.775-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), seja, ainda, porque não se registra, no caso ora em exame, qualquer das hipóteses legitimadoras da utilização desse instrumento de natureza constitucional: usurpação da competência e desrespeito à autoridade das decisões da Suprema Corte (RTJ 134/1033 – RTJ 166/785-786).

A evidente inadmissibilidade da presente reclamação resulta do fato de que o Presidente do Supremo Tribunal Federal, agindo com incensurável correção processual, limitou-se, no caso, a ordenar a devolução, ao ora reclamante, da petição com que a parte interessada interpôs, direta e erroneamente, perante esta Corte, agravo de instrumento contra decisão denegatória de processamento de recurso extraordinário, proferida pelo Presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

Também não se mostra juridicamente viável a presente utilização do instrumento reclamatório contra o ato decisório da Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, que, com apoio em atribuição que lhe é outorgada pelo ordenamento positivo, veiculou, na espécie ora em exame, o cabível juízo negativo de admissibilidade do apelo extremo, em pronunciamento jurisdicional que, a toda evidência, não importou em usurpação da competência desta Suprema Corte.

Cabe relembrar, neste ponto, que compete, ao Presidente do Tribunal de jurisdição inferior, exercer, sempre, o controle prévio de admissibilidade do recurso extraordinário, podendo formular, validamente, quando for o caso, o pertinente juízo negativo, impugnável mediante agravo de instrumento (CPC, art. 544, caput), a ser necessariamente interposto, no entanto, perante o próprio órgão judiciário que negou processamento ao apelo extremo.

Vê-se, desse modo, que o Presidente do Tribunal, de que emanou o acórdão recorrido, não usurpa competência do Supremo Tribunal Federal, quando formula, a propósito do recurso extraordinário interposto, o concernente juízo negativo de admissibilidade, pois – não custa rememorar – trata-se de poder processual que lhe é deferido pelo ordenamento positivo (CPC, art. 542, § 1º), consoante enfatiza a jurisprudência desta Corte (RTJ 131/941 – RTJ 150/301).

De outro lado, bem agiu o eminente Presidente do Supremo Tribunal Federal, ao determinar a restituição, à parte ora reclamante, da petição com que esta veiculou, de modo impróprio – porque diretamente interposto perante esta Corte – o agravo de instrumento deduzido contra a decisão emanada da Presidência do E. Tribunal Superior do Trabalho, fundada, como já enfatizado, em irrecusável competência verificadora da própria admissibilidade do recurso extraordinário.

Não se pode desconhecer, neste ponto, que os procedimentos recursais, ressalvadas as hipóteses previstas em lei, devem ser instaurados perante o órgão judiciário de que emanou a decisão impugnada, tal como sucede com o agravo de instrumento, nos casos em que este é deduzido contra decisão que não admite o recurso extraordinário (CPC, art. 544, caput).

A parte ora reclamante – embora devesse formalizar a petição recursal perante o próprio Tribunal Superior do Trabalho – optou por solução errônea e heterodoxa, claramente desautorizada pelo ordenamento positivo, eis que deduziu, diretamente perante o próprio Supremo Tribunal Federal (Juízo ad quem), o agravo de instrumento em questão.

Esse comportamento processual da parte reclamante evidencia uma frontal transgressão à disciplina normativa que emerge do sistema recursal consagrado em nosso direito.

Cumpre não perder de perspectiva, neste ponto, a observação, feita pelo magistério da doutrina (NELSON NERY JÚNIOR, “Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos”, p. 48, 1990, RT), no sentido de que o ordenamento positivo brasileiro – com a só exceção das hipóteses expressamente previstas em lei – “estabelece que o recurso é interposto perante o mesmo órgão jurisdicional que proferiu a decisão impugnada. O recurso será processado no juízo a quo, que, oportunamente, o remeterá ao órgão destinatário competente para o julgamento do recurso” (grifei).

Não constitui demasia advertir que os sujeitos da relação processual não têm qualquer poder de disposição sobre as regras definidoras do iter referente ao procedimento recursal.

Isso significa, portanto, que se revela insuprimível, na esfera do procedimento recursal, a fase preliminar em cujo âmbito assiste, ao órgão judiciário a quo, o exercício do controle de admissibilidade pertinente aos recursos em geral (JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. V/263-267, itens ns. 146-147, 9ª ed., 2001, Forense).

<É por essa razão que ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTONIO SCARANCE FERNANDES ("Recursos no Processo Penal", p. 69, item n. 34, 1996, RT) acentuam que, "Em princípio, a competência para o primeiro juízo de admissibilidade é do próprio órgão perante o qual se interpõe o recurso" (grifei).

Daí o irrepreensível magistério de JOSÉ FREDERICO MARQUES (“Manual de Direito Processual Civil”, vol. III/179-180, item n. 605, 2ª ed./2ª tir., 2000, Millennium), cuja lição, ao versar o tema do procedimento recursal, confirma o entendimento ora exposto na presente decisão:

“O procedimento recursal, qualquer que ele seja, à exceção do agravo de instrumento (Código de Processo Civil, art. 524), é sempre iniciado (ou interposto) no juízo em que se proferiu a decisão, sentença ou acórdão recorrido – que é o juízo a quo. Depois é que esse procedimento se encaminha para o juízo a que se recorre – que é o juízo ad quem. Em todo o recurso (…), há essa bifurcação procedimental, com atos recursais no juízo a quo e atos recursais no juízo ad quem.” (grifei)

Vê-se, desse modo, em tema de procedimento recursal – considerada a divisão de competência funcional existente entre os órgãos do juízo a quo e aqueles que se situam no juízo ad quem – que não se revelava lícito, à parte ora reclamante, agir da maneira como o fez, devendo, por isso mesmo, expor-se às conseqüências jurídicas de sua conduta processualmente inadequada.

Conclui-se, do que se expôs, que o eminente Presidente do Supremo Tribunal Federal – ao ordenar fosse restituída, à parte ora reclamante, a petição recursal mencionada, por evidentemente incabível a direta interposição, perante esta Corte, de agravo de instrumento contra decisão denegatória de processamento de recurso extraordinário – procedeu com absoluta correção.

Há, porém, no caso ora em exame, um obstáculo insuperável, consistente no fato – impregnado de indiscutível relevo jurídico – de que não cabe, contra os Juízes do Supremo Tribunal Federal, a utilização do meio processual da reclamação, pois tal instrumento acha-se constitucionalmente vocacionado a preservar, sempre contra terceiros, a integridade da competência e a autoridade dos pronunciamentos emanados desta Corte, tal como bem o assinalou o eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, em decisão que proferiu, como Relator, na Rcl 1.775-DF, DJU de 02/02/2001:

“O Supremo Tribunal exerce sua competência, não apenas por seu Plenário, mas também por suas Turmas e os seus órgãos individuais – o Presidente e cada um dos Ministros – devendo, é certo, cada qual, manter-se nos limites do poder jurisdicional que o Regimento Interno lhes conferir (CF, art. 96, I, a).

Desse modo, cada um dos seus órgãos, colegiados ou unipessoais, exerce a competência do Tribunal. Por isso, não é a reclamação a via adequada para discutir – a pretexto de usurpação da competência da Corte, que pressupõe um terceiro usurpador – eventual desrespeito à divisão interna do seu poder jurisdicional: a questão há de ser posta mediante o recurso cabível. Portanto, nego seguimento à reclamação, prejudicado o pedido liminar.” (grifei)

Se é certo, pois, que as decisões proferidas pelos Ministros e Turmas do Supremo Tribunal Federal constituem atos juridicamente imputáveis ao próprio Tribunal, eis que, ao assim procederem, julgando as causas sujeitas à sua competência, representam, em sede institucional, esta Suprema Corte (RTJ 95/1053 – RTJ 99/1064 – RTJ 126/175 – RTJ 141/226, v.g.), torna-se evidente a impossibilidade de imputar-se, àquele que decide “in nomine Curiae”, a prática de atos que vulnerem a integridade da competência ou que desrespeitem a autoridade dos pronunciamentos emanados do próprio Supremo Tribunal Federal.

Na realidade, o instrumento processual da reclamação, examinado em sua precípua destinação constitucional, tem por finalidade neutralizar situações anômalas, que, criadas por terceiros estranhos ao Supremo Tribunal Federal, venham a afetar a integridade da competência institucional desta Corte ou a comprometer a autoridade de suas próprias decisões.

Isso significa, portanto, que, tratando-se de decisões proferidas pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, as objeções que contra elas possam ser deduzidas deverão manifestar-se mediante utilização de recursos adequados, interponíveis nas hipóteses previstas no ordenamento positivo (CPC, art. 545 e art. 557, § 1º; Lei nº 8.038/90, art. 39; RISTF, art. 317), sem prejuízo da possibilidade excepcional de ajuizamento da pertinente ação rescisória, sempre que se cuidar de ato definitivo revestido de conteúdo sentencial (RTJ 75/29 – RTJ 92/922 – RTJ 110/978 – RTJ 114/471, 475 – RTJ 143/535 – RTJ 148/137, v.g.).

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, não conheço, por incabível, da presente reclamação.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 1º de agosto de 2002.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

* decisão publicada no DJU de 8.8.2002

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