Indústria de rebeliões

Jornalista diz que bloqueador de celular não diminui criminalidade

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12 de março de 2002, 15h08

O cerceamento da liberdade é a maior punição que um ser humano pode receber. Seja de um dia, seja de muitos anos. Mesmo assim, os egressos do sistema carcerário retornam ao crime sabendo que, mais dia menos dia, serão capturados e terão, novamente, furtada a readquirida liberdade.

Assistir o tempo passar atrás de grades e muralhas, onde permeia violência, corrupção e promiscuidade, leva o preso a transformar o seu cérebro em uma usina do mal. Ocioso, acaba arquitetando ações mirabolantes que muitas vezes, por culpa do fracasso, convertem-se em rebeliões.

A criminalidade precisa ser combatida, até porque a sociedade não pode viver, eternamente, a mercê da insegurança por culpa da inoperância do Estado e da avidez do sistema capitalista.

O fracasso do Estado diante da criminalidade proporcionou um efeito cascata de indignação, que levou as pessoas a terem o mesmo pensamento. Que todos os bandidos devem morrer.

Querer aplicar a Lei de Talião, do olho por olho, dente por dente, é no mínimo uma insanidade administrativa, além de ser um vilipêndio da dignidade humana.

Isto não representa apenas o regresso da sociedade, mas principalmente a degradação da raça humana.

O Estado está transferido à população aquilo que condena na lei. O exercício arbitrário da própria razão.

O fato não é se posicionar como uma vaca de presépio diante da criminalidade, mas mostrar ao preso, através de atitudes coerentes e rígidas, que apenas com disciplina e bons costumes consegue-se voltar ao convívio social.

Jamais esta proposta se transformará em realidade, se o preso tiver em seu reaprendizado lições de truculência e de maus tratos, mesmo tendo agido de forma bárbara e incoerente no crime que o condenou.

Não é apenas a segurança do cidadão que está indo pelo ralo, mas o futuro de um país que um dia foi promissor. A maior parte da população carcerária do Brasil é composta por jovens, com menos de trinta anos de idade. Na maioria dos casos o agente condutor à criminalidade, de forma direta ou indireta, foi o mundo das drogas.

É fato que existem muitos casos em que o criminoso é irrecuperável desde antes do delito, o que se configura em criminalidade patológica e cujo tratamento deveria estar a cargo de departamentos psiquiátricos adequados, eficazes e humanos.

É responsabilidade do Estado tratar o psicopata e recuperar o delinqüente, com o mesmo orçamento disponível atualmente, ou quiçá com muito menos.

Na verdade, o crime e a sua vigilância convivem em universo exíguo, separados por uma linha mais fina que um fio de cabelo. O policial, agente responsável pela segurança da sociedade, busca força e poder numa mal intencionada correição, enquanto o criminoso busca as mesmas coisas no erro. Em ambos os casos, os personagens são vítimas diretas de uma exclusão social voraz.

Enquanto o cidadão se acua e se esconde dentro de casa, o que fere a garantia constitucional de ir e vir, o crime cresce do lado de fora numa velocidade atroz, pela ação dos bandidos e pela complacência da polícia.

Para o Estado é muito fácil fugir de sua responsabilidade atacando a organização criminosa, quando ele próprio permitiu a sua existência.

Na roça existe uma máxima que “cobra se mata no ninho”. O Estado cochilou e a cobra escapou, e se deixar irá devorá-lo.

O Estado tenta mostrar à população que está se movimentando para combater o crime, mas a burocracia e o ranço político proporcionam a este movimento uma velocidade paquidérmica. Muitos políticos, juízes e promotores têm dito que a grande arma do crime organizado, que supostamente domina as cadeias, é o telefone celular.

Na verdade a grande arma do criminoso preso são os baixos salários dos agentes penitenciários, que muitas vezes prevaricam por sobrevivência. Mas a prevaricação pode ocorrer por problemas psicológicos, há muito abandonados pelo Estado e pela sociedade. Agem tal e qual os bandidos, deixando-se corromper pela febre capitalista, cujos ícones de consumo que irão adquirir com o dinheiro sujo, lhes garantirão um status de reconhecimento e respeito no gueto onde vivem.

A instalação de bloqueadores de telefones celulares não irá diminuir a criminalidade, como também não impedirá a comunicação entre os criminosos. O que o Estado está se propondo a fazer é criar mais uma dificuldade, para que os funcionários do sistema penitenciário possam vender facilidades.

É sabido por todos, inclusive pelas autoridades, que conseguir um telefone celular dentro de um presídio é, simplesmente, questão de alguns poucos tostões, se comparados ao estrago que tal atitude pode gerar. É na remuneração digna e adequada do funcionário público que reside o antídoto para esta situação.

Tirante as mazelas imperialistas dos Estados Unidos, o sistema penitenciário americano não só funciona, como recupera. O direito de defesa é universal, sendo dever do preso imprimir uma velocidade adequada na busca da sua absolvição e respectiva liberdade.

Nas prisões americanas a justiça não só concede o direito de comunicação, como monitora os telefonemas feitos pelos presos, a partir de centrais telefônicas, para números previamente analisados e autorizados.

O simples contato com o mundo externo pode se transformar em um opressor da mente maquiavélica de um preso. Um sistema telefônico monitorado pelo Estado, e pago pelos usuários presos é, com toda a certeza, muito mais barato que qualquer bloqueador de sinal de telefone celular, além de ajudar na recuperação.

Se o Estado cumprir o que manda a Constituição no que se refere à manutenção do preso, proporcionando-lhe uma detenção digna e humana, com certeza a criminalidade tende a diminuir e a readaptação do preso à sociedade, a aumentar. Acabar com a falta de segurança é um problema que só será resolvido com tempo, seriedade, probidade e dedicação, não podendo ser utilizado como promessa eleitoral de qualquer candidato político.

Para combater a violência não é necessário um facínora, mas sim um diplomata que consiga atrofiar, com respeito e sabedoria, o monstro que o próprio Estado criou e alimentou para que crescesse.

Revista Consultor Jurídico, 12 de março de 2002.

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