Restrições cadastrais

STF e STJ questionam convênio do TJ-SP com Serasa

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8 de maio de 2001, 0h00

O convênio que permite ao Tribunal de Justiça paulista repassar informações judiciais às empresas de investigação cadastral (Serasa, SPC, SCI, etc) para serem usadas como elemento de avaliação de crédito do consumidor “reveste-se de plena legalidade”, segundo notificação da empresa Centralização de Serviços dos Bancos S/A (Serasa), enviada à revista Consultor Jurídico.

A Serasa informa que o serviço prestado pelo TJ-SP é “devidamente remunerado”, o que contrasta com a representação enviada pelo advogado Nelson Comegno ao Ministério Público paulista, onde se propõe a instauração de Ação Civil Pública contra a gratuidade do convênio.

A informação colide também com o que afirma o autor do livro Práticas Abusivas da Serasa e SPC, o advogado Carlos Adroaldo Ramos Covizzi.

Os termos do acordo, que poderiam elucidar a questão, não são divulgados.

A base legal do convênio, segundo informação atribuída ao consultor jurídico da Serasa, João Nicolau, é o inciso LX do artigo 5º da Constituição (“A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”) e o artigo 155 do Código de Processo Civil.

O artigo do CPC estabelece que, exceto quando se decreta segredo de justiça, “os atos processuais são públicos”. O parágrafo único do artigo, porém, estabelece que “o direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico, pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha resultante do desquite”.

Nem o CPC nem a Constituição autorizam esse tipo de convênio, na opinião do presidente eleito do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio. “O Judiciário atuar como delator é algo impensável”, afirma o ministro, para quem esse tipo de relação conflita com a finalidade da Justiça.

“No Superior Tribunal de Justiça não existe isso”, informa o presidente do STJ, ministro Paulo Costa Leite. “E fazer restrição cadastral em razão de alguém estar litigando em juizo bate de frente com a própria jurisprudência do STJ, que se firmou no sentido de que não é possível o registro negativo se ainda se discute a existência de débito em juizo.”

Como exemplo dessa impossibilidade, o ministro Marco Aurélio menciona o caso do Tribunal Superior Eleitoral, que não fornece informações cadastrais “nem mesmo quando o pleito é de Vara de Família, quando o juízo pretende localizar pessoas que deixam de pagar pensões”. A única exceção, explica, é para casos de persecução criminal.

Outro aspecto levantado é o fato de órgão do Judiciário colaborar com o êxito de empresa privada que comercializa as informações que recebe. À parte o fato de contribuir para que uma falsa presunção seja usada para prejudicar alguém, Marco Aurélio invoca o princípio da moralidade administrativa para esse tipo de acordo. “Se a empresa obtém uma mercadoria e lucra em cima dessa mercadoria em detrimento da privacidade dessa pessoa, isso deve ser coibido”.

Para o advogado Carlos Covizzi, “está havendo um claro desvio de finalidade” na utilização desses cadastros. Covizzi reporta-se à Lei 10.337, de São Paulo, aprovada em 1999, que manda expurgar dos cadastros informações indevidas. Cita também a decisão da 22ª Vara Cível Federal, na Ação Civil Pública 1999.61.00056142-0, onde se determinou que nenhuma informação de processo em andamento poderá ser utilizada contra as partes, seja a que pretexto for.

Outro problema invocado para o convênio, cujo texto atual não é fornecido pela Serasa nem pelo TJ-SP (que está revendo o acordo) é a Portaria nº 3 da Secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça. O instrumento relaciona como prática abusiva “o envio do nome do consumidor e/ou seus garantes a cadastros de consumidores (SPC, Serasa, etc.), enquanto houver discussão em juízo relativa à relação de consumo”.

Em parecer sobre processo CG 85.232/88, sobre o pedido do convênio, em 1995, o juiz auxiliar da Corregedoria, José Thales Sena Rebouças relata que, mesmo antes de o TJ aprovar o acerto, a Prodesp (estatal que centraliza os serviços de informática do Estado), já fornecia à Serasa, ao SPC e a outra empresa, a Protector, todas as informações de atos judiciais da primeira instância.

Também antes do convênio ser firmado, a partir de 1989, a Serasa recebia as listagens em xerox, por R$ 0,15 a página – o que mobilizava um funcionário em tempo integral para a tarefa. Segundo o servidor “as informações têm sido tratadas de modo inconveniente pela interessada (Serasa)” que “apenas informa a existência da distribuição e com isso provoca um grande afluxo de pessoas no fórum, em busca de informações complementares”.

A tentativa de obter as mesmas informações nas Comarcas do interior, diz o juiz, “acabou por envolver funcionários do Poder Judiciário em problemas disciplinares”.

Sena Rebouças considerou, à época, legítimo o interesse da empresa, mesmo anotando que “os dados que distribui interferem diretamente na constituição de direitos entre futuros credores (os associados da interessada) e futuros devedores”.

Antes de recomendar a aprovação do convênio para repasse das informações por meio eletrônico, baseado no fato de que o fornecimento de cerca de 1.000 páginas copiadas por semana vinha atrapalhando o TJ, o juiz ressalvou que, “entretanto, não pode o Poder Judiciário divulgar tais informações sem maiores cuidados, pois a atividade da interessada interfere na esfera de direitos de pessoas que dependem de um histórico cadastral favorável para realização de seus negócios”.

Leia a correspondência enviada pela Serasa

NOTIFICAÇÃO EXTRA-JUDICIAL

Ao site

Consultor Jurídico

A/c Márcio Chaer

Diretor de Redação

Rua Haddock Lobo, 1.307, cj. 221

Cerqueira César – São Paulo – SP

CEP 01414-003

Ref.: Disponibilização de matéria em vosso site referindo-se à empresa SERASA – Centralização de Serviços dos Bancos S. A.

Prezados Senhores.

É esta para notificar-los extra-judiciamente para que cessem imediatamente a disponibilização de matéria envolvendo o nome da empresa signatária em vosso site Consultor Jurídico, e para que só voltem a referenciar o nome da SERASA em vossas matérias e reportagens quando esta for antecipadamente ouvida.

Outrossim, a título de esclarecimentos, prestamo-lhes as seguintes informações para que não se alegue desconhecimento acerca dos procedimentos lícitos da empresa SERASA. A publicação de tais esclarecimentos já é autorizada pela SERASA, se observada a íntegra de cada tópico.

1. Primeiramente, é de destacar-se à possibilidade de sua fonte desconhecer a verdade dos fatos de que lhes deu conhecimento; ou está levianamente, mercê de interesses subalternos, provocando notícias infundadas.

2. O provimento da E. Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo que autoriza o acesso a informações públicas provindas dos Distribuidores Judiciais a empresas como a SERASA, SPC, e SCI, a título oneroso, reveste-se de plena legalidade, como efetivamente deve ser. Vale dizer, o serviço permitido é devidamente remunerado.

3. Releva aduzir que a publicidade dos atos processuais é legalmente prevista (art. 155 do CPC) e tem previsão constitucional (art. 5º, LX, da CF). A distribuição de ações de execução, busca e apreensão, falência e concordata, antes de anotada pela SERASA, é publicada no Diário Oficial.

4. Todos os questionamentos do Ministério Público, na esfera da cidadania, como sempre, foram devidamente esclarecidos, de modo a não haver qualquer pendência.

Em suma, no que pertine ao direito de consumidores idôneos, o que é proibido, a SERASA não faz; o que é obrigado a SERASA cumpre; e o que é permitido a SERASA faz com a responsabilidade conseqüente.

SERASA – Centralização de Serviços dos Bancos S. A.

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