Sonegação e lavagem de dinheiro
13 de março de 1998, 0h00
Continuação da entrevista do secretário Everardo Maciel
Pergunta – Secretário, vamos explicar direito. Porque aí, o senhor está correndo um grande risco, de quem é crítico como o senhor é. Por exemplo, dessa festa que virou o tal do 0900, as nossas televisões, todos os dias dão exemplo disso. A Receita Federal não vai ganhar um tostão com isso?
Maciel – Nem um centavo. O pagamento será feito pelo contribuinte diretamente à empresa telefônica, ou seja, a Receita Federal não entra no processo.
Pergunta – É o custo da ligação, e ponto.
Maciel – Ponto. Literalmente.
Pergunta – A comunicação entre o cidadão e a Receita se dará sempre por meio automático?
Maciel – Por meio automático.
Pergunta – Quer dizer, vai atender uma voz e me dizer, você quer saber o quê? Se você quer saber sobre Imposto de Renda de pessoa física, disque 1. Se quer saber sobre Imposto de Renda de pessoa jurídica…?
Maciel – Por enquanto, só pessoa física. Se você quer saber sobre declaração de bens, disque 3. Quer saber sobre ganhos do capital, disque 4. Quando você põe o número 4, por exemplo, aparece uma voz e diz quais as alternativas que se tem. Então você diz, quero saber tal assunto. Ao final há uma avaliação que o contribuinte tem a fazer do serviço. Se ficou satisfeito ou não para que possamos, com isso, conhecer o nosso serviço e ter a participação do contribuinte. E um custo para ele é desprezível, simbólico. Vai, no máximo, gastar R$ 1,00, para fazer uso disso.
Pergunta – Só os contadores é que não vão ficar muito felizes com isso, porque vão perder uma fonte de renda… Secretário, fiquei outro dia pasmo ao ler que 12% das compras externas deste país foram feitas nas Ilhas Caimã. Mais do que se compra no Japão. Fiquei, de repente, absolutamente perplexo com o fato de saber que as Ilhas Caimã tinham esse poderio, podiam ser comparadas às ilhas japonesas. O que é isso? É realmente prova da pujança das Ilhas Caimã, ou temos aí uma lavagem deslavada de dinheiro?
Maciel – Isso é pirataria fiscal pura. Esses ditos paraísos fiscais, essas zonas de exclusão tributária, como eu podia chamar, na verdade conseguem corromper todo o sistema de relações tributárias do mundo. Nós estamos apresentando, o Brasil estará apresentando, em maio, um acordo internacional para excluir qualquer tipo de relação fiscal ou comercial com esses ditos paraísos fiscais, que constituem uma aberração, um insulto a qualquer coisa que possa parecer séria no mundo. Dizemos o seguinte: todos os negócios feitos com paraíso fiscal, com o Brasil, a partir de 1º de janeiro deste ano, sujeitam-se à fiscalização do chamado preço de transferência. Nós definimos de maneira objetiva o que é um paraíso fiscal. Paraíso fiscal é qualquer país cuja alíquota máxima do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas é inferior a 20%. De maneira objetiva, talvez seja a única legislação do mundo que tenha isso de forma bem clara. Paraíso fiscal é a corrupção fiscal. Nada mais do que isso. É uma reedição, de outra forma, com um outro objetivo, do pirata. E não sem razão, estamos sempre em algumas ex-possessões inglesas ou em algumas ilhas inglesas. Como as ilhas virgens britânicas, que têm um estatuto especial e o governo britânico diz que dado esse estatuto especial, não tem como intervir nessa matéria. Mas, é algo que todos os países do mundo estão tratando com absoluta desconfiança. Diria que estão tentando imaginar algum tipo de mecanismo restritivo às operações comerciais com esses paraísos fiscais. É lavagem de dinheiro puro. Isso tem a ver com narcotráfico, com lavagem de dinheiro de uma maneira mais genérica e, sobretudo, com a burla fiscal.
Pergunta – Temos alguns desses paraísos na América do Sul, secretário?
Maciel – Não, não.
Pergunta – A situação do Uruguai é absolutamente diversa?
Maciel – O Uruguai é diferente. O Uruguai tem alguns problemas que dificultam, inclusive, nossas relações fiscais e aduaneiras, que em relação a algum tipo de tratamento, o sigilo bancário excessivamente rigoroso. Estamos fazendo uma proposição de um acordo multilateral, de cooperação fiscal, aduaneira e de um acordo também para prevenir a bitributação. Esse acordo tem tido a adesão, a maior simpatia, por parte da Argentina, do Chile, que não integra o Mercosul, e que antes não fazia acordo com ninguém, está aceitando fazer esse acordo pela primeira vez, com a Bolívia, com o Paraguai. Mas, o Uruguai não tem-se manifestado receptivo à idéia de celebração desse acordo.
Pergunta – Isso certamente é um complicador em relação ao Mercosul.
Maciel – Com certeza. Fica uma coisa estranha. Quer dizer, temos um país que não se integrou efetivamente e alega razões muito específicas. Uma autoridade chegou a me dizer, numa conversa pessoal, que o Uruguai, que em uma certa ocasião quis ser a Suíça da América do Sul, agora pretendia ser o Luxemburgo da América do Sul. Eu disse que o título não era nada conveniente, nem o tornava um país mais simpático. Não o enaltece em nada.
Continua…
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