Questão de matemática

Juros capitalizados contribuem para acréscimo de dívidas no país

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13 de julho de 2004, 15h19

Muito se discute a respeito da capitalização de juros, ou a questão dos juros sobre juros, frutos renderem frutos, etc, etc. Pois bem, para aclarar a questão há de se ver o seguinte exemplo:

Alguém (Paulo, por exemplo), por um desacordo qualquer, não recebeu de outrem (Pedro, por exemplo) a quantia de R$ 1mil e, para fazer frente ao desencaixe, utilizou seu limite de cheque especial em mesma quantia. Importante observar que, aquele que não pagou, de forma a precaver-se de um percalço futuro, aplicou o valor não pago R$ 1 mil em um banco, em CDB pré-fixado de 30 dias.

Tome-se que tais fatos aconteceram em julho de 1994, data do plano econômico que, efetivamente, conseguiu estancar a inflação no país.

Hoje, junho de 2004, Paulo tendo ajuizado uma execução e fosse receber de Pedro, haveria de ter o montante corrigido pela Tabela do Tjesp, no montante de R$ 2.808,58 que, com juros simples de 1% ao mês (são 119 meses), elevaria a dívida para R$ 6.150,79.

Mas e quanto Paulo deveria ao seu banco?

Segundo o método utilizado por todos os bancos para os juros em conta-corrente (capitalização mensal), devesse R$ 1mil em julho de 1994, em junho de 2004 o cliente bancário seria devedor de R$ 2.886.900,48, isso se desconsiderando a flutuação de taxas (já foram muito maiores) e apenas levando-se em conta a taxa média (6,925%) de junho obtida na “home page” do Bacen!

O devedor de R$ 1 mil a um banco em julho de 1994 estaria hoje, em junho de 2004, devendo a paquidérmica quantia de R$ 2.886.900,48, o que, se convenha, é um total despropósito. Mas tal é patrocinado pela capitalização dos juros?

Em grande parte sim, pois fossem cobrados juros simples (6,925% x 119 meses), o montante devido seria de apenas R$ 9.240,75, o que configura uma diferença abissal aos exagerados e injustificados R$ 2.886.900,48.

Continuando o exemplo, tendo Pedro se precavido e aplicado o valor em CDB’s, quanto o banco deveria lhe pagar no mesmo período?

Pois bem, tivesse o banco “tomado” R$ 1 mil em CDB’s para cobertura do saque do seu cliente no cheque especial, deveria pagar um resgate (igualmente com juros capitalizados), em junho de 2004 para a aplicação em julho de 1994, no montante de R$ 4.038,93 e, repita-se, apenas levando-se em conta a maior taxa (1,18%) de junho obtida na “home page” do Bacen.

Situação alarmante

Para dar cobertura ao saque no cheque especial de seu cliente, no montante de R$ 1mil em julho de 1994, se o banco captou um CDB de mesmo valor e, em junho de 2004 pagará pelo dinheiro tomado R$ 4.038,93 e, noutra ponta, cobrará de seu cliente a soma obscena de R$ 2.886.900,48.

Mas se os juros devidos pelo “devedor comum” fossem, como os do banco, capitalizados?

O cálculo observa a seguinte fórmula:

fv = pv x (1 + i)n

onde:

pv = valor financiado e corrigido – Tabela TJESP (R$2.808,58)

i = taxa de juros (1% a.m.)

n = prazo (119 meses)

fv = valor de resgate (???)

fv = R$2.808,58 x (1 + 0,01)119

fv = R$2.808,58 x (1,01)119

fv = R$2.808,58 x 3,26771

fv = R$ 9.177,62

Nesta esteira, pudessem ser os juros capitalizados mensalmente, inclusive para o cálculo forense, aquele que não recebeu os R$ 1 mil teria na execução R$ 9.177,62; quantia que não seria coberta pela aplicação que teria gerado R$ 4.083,93 (correspondente aos R$ 1mil em CDB’s) e, na outra ponta, ficaria devendo ao banco R$ 2.886.900,48 (R$ 9.240,75 fossem por juros simples).

A se observar o montante devido ao banco — R$2.886.900,48 — há de se divisar algo totalmente surrealista, que é a diferença pela qual o banco capta o recurso que vai emprestar (1,18% a.m.) e a taxa que se utiliza (6,925% a.m.), chegando a uma diferença média percentual de 487% ao mês!

A inapelável conclusão é que não trata a capitalização dos juros, sozinha, o vilão do aumento desmedido das dívidas bancárias, mas, sim, a diferença obscena entre o que o banco paga para tomar o dinheiro e o que cobra para emprestá-lo.

Com efeito, o Mercado Bancário, regido pela Lei nº 4.595/64 (Lei da Reforma Bancária) é aquele em que se intermediam recursos dos agentes superavitários aos deficitários (aproximar ‘quem tem’ de ‘quem precisa’), o que constitui atividade exclusiva de Instituição Financeira (arts. 17 e 18), portanto constituindo um mercado cativo.

O lucro neste segmento da economia reside no movimento de tomar e ceder, denominando-se ‘spread’ bancário a diferença percentual entre a taxa (juros) de captação paga aos investidores e taxa (juros) cobrada aos tomadores.

Diz a Constituição Federal (art. 173, § 4º) que ‘… a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise … ao aumento arbitrário dos lucros’.

A Lei que regula como os mercados (em especial mercados cativos) devem interagir com a sociedade, diz que é ‘… infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados … aumentar arbitrariamente os lucros’ (Lei n.º 8.884/94, art. 20, inc. III).

A Lei nº 4.595/64, que regula o Sistema Financeiro Nacional, não diz o que é aumento arbitrário dos lucros. Assim, por força do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), sabendo-se que o Juiz não pode deixar de decidir (CPC, art. 126), e o deve fazer fundamentadamente (CF, art. 93, IX; c/c CPC art. 165), determina-se que quando a Lei for omissa será utilizada a analogia, podendo ser procurado o conceito de ‘aumento arbitrário do lucro’ em outra Lei.

Diz a Lei 1.521/51, da qual apenas há de se retirar tal conceito, que é excessivo o ‘… lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida’. Se o banco capta por CDB e paga juros em 30 dias de 1,18% e, em contrapartida, aplica este dinheiro em um empréstimo (cheque especial) a seu cliente e, nesta ponta, cobra 6,925% ao mês, está presente uma rentabilidade, um lucro (spread) de 5,745%, que representa uma variação percentual de 487% no mês.

Em 1992, há mais de dez anos, a Revista Exame (ed. nº 508 de 24/06/1992, p. 56), sob o sugestivo título “O Melhor Negócio do Mundo” dizia: ‘Quer fazer um bom negócio no Brasil? Abra um banco. A economia vai mal, as empresas há muito tempo sofrem e gemem e os bancos lucram, lucram, lucram. Na chuva ou no sol, sob bruxarias heterodoxas ou não, os balanços dos bancos têm trazido resultados esplêndidos’.

A única coisa que mudou nestes 10 anos é que o Poder Judiciário, quando provocado, vem bem decidindo: ‘… Daí porque andou na trilha correta a digna Juíza sentenciante ao considerar nulas as cláusulas contratuais que permitiram “spread” superior a 20% da taxa de captação dos CDB’s pelo banco apelante e à cobrança de juros capitalizados, de onde advieram lucros arbitrários, excessivos e fixados de modo unilateral’ (1º TACiv.SP — 11ª Câmara, Apelação nº 737.410-7, j. em 08 de junho de 1998, rel. Juiz Maia da Cunha).

Aliás, quanto ao ilegal aumento arbitrário do lucro, basta enfocar decisão do emérito Superior Tribunal de Justiça, que calcina de vez qualquer possibilidade de contra-argumentação.

É que entendeu aquela emérita Corte de Justiça que configura desproporção e lesão enorme a disparidade, por exemplo, entre taxas de juros a empréstimos similares.

Ora, sabendo-se que a “Taxa Selic” reflete a média de empréstimos ao setor público ao ano e está em 1,24% ao mês; sabendo-se que a taxa média de empréstimos às pessoas jurídicas caucionada em recebíveis e, portanto, com baixíssimo risco de crédito, está em 4,56% ao mês (v. “home page” Bacen), verifica-se um percentual de diferença em 268% ao mês.

Observe-se: Se para emprestar ao Setor Público o banco, com custo operacional, cunha fiscal e demais componentes de seu custo, tem lucro com 1,24% ao mês (porque não é crível que empreste ao Governo por benemerência), é inadmissível e sem nenhuma explicação possível que, para emprestar ao Setor Privado, com risco baixíssimo como é a “Conta Garantida” tenha que acrescer a taxa de mesmo empréstimo em 268% ao mês!?

E nem se contra-argumente a respeito dos custos administrativos, cunha fiscal, compulsório, inadimplência ou pesados tributos que incidem sobre os empréstimos ao setor privado, visto que não se levaram em conta no exemplo os polpudos ganhos de tesouraria e as pesadas tarifas cobradas.

Aliás, ficou lugar comum no país justificar o injustificável. Dizer que as altíssimas taxas de juros cobradas são em face da inadimplência ao setor e as mazelas quanto ao sistema jurídico à recuperação dos créditos.

É uma retórica que não tem reciprocidade em números, pois basta observar o relatório do Bacen sobre o “Spread Bancário no País” (http://www.bacen.gov.br), para se ver ser sem sentido o constante ataque à inadimplência como agravante de risco e das taxas, pois é do mesmo relatório que se irá divisar que a inadimplência varia entre 0,5% e 2,2% dos saldos dos empréstimos ao mês. Ou seja, de cada R$ 1mil apenas R$ 5 até, no máximo, R$ 22 não voltam ao banco, o que é irrisório frente ao volume sideral das taxas praticadas.

Em síntese e em conclusão, a prática de juros capitalizados é, realmente, uma agravante considerável ao acréscimo das dívidas no país, sendo ainda incrementada pela desproporção ‘eqüina’ entre o custo de captação e o de aplicação, o que torna, no Brasil, a empresa bancária tão ou mais rentável que somente algumas atividades ilícitas, como tráfico de drogas e armas, ousam ser. Não obstante, o mal tem cura, como acima exemplificado.

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