O diálogo necessário no antitruste
26 de março de 2021, 8h02
Em um artigo publicado recentemente, intitulado "Como economistas e não economistas podem se entender" [1], o economista e professor da Universidade de Havard Dani Rodrik tratou das vantagens e das limitações dos métodos econômicos e o valor que tais métodos podem agregar à análise de outras disciplinas. O professor enfatizou que a abordagem dos economistas pode complementar, mas nunca irá substituir os métodos alternativos — muitas vezes qualitativos — usados em outras disciplinas acadêmicas.
Dentro dos principais tópicos do Direito da Concorrência, a análise econômica tem papel relevante na definição de mercado, poder de mercado, abuso de posição dominante, cartéis, acordos verticais e fusões & aquisições. Além disso, a aplicação da teoria dos jogos, da economia comportamental, da econometria e da análise financeira tem sido cada vez mais utilizada no exame de questões concorrenciais. Não há dúvidas de que, nas discussões concorrenciais, o diálogo entre economia e Direito existe e é, por vezes, acalorado. Pode-se citar, por exemplo, Richard Posner — um dos principais responsáveis pela popularização da análise econômica do direito (também cunhada de law & economics) —, que em sua obra "Economic Analysis of Law" [2] submeteu a maior parte dos ramos do Direito (incluindo o Direito Concorrencial) a uma análise sistemática sob a perspectiva econômica.
Mas, nesse diálogo necessário entre economia e Direito (e outras disciplinas), não podemos perder o foco de quais são os objetivos do antitruste. Não conseguirei aqui aprofundar esta discussão. Todavia, é importante ter clareza de onde estamos, como chegamos até aqui e como queremos evoluir na análise concorrencial. Compartilho da ideia de que o foco no bem-estar do consumidor trouxe maior coerência intelectual para a análise antitruste.
No final dos anos de 1970, o juiz e professor americano Robert Bork [3] teve papel fundamental ao defender a exclusão dos objetivos sociais, políticos e protecionistas e ao promover o bem-estar econômico como o principal objetivo da política antitruste. Wright e Ginsburg (2013) [4] afirmam que agora há um consenso de que essa evolução em direção ao bem-estar tem beneficiado os consumidores e a economia de forma mais ampla. De fato, as análises concorrenciais baseadas no bem-estar levaram a uma maior previsibilidade na tomada de decisões do Judiciário e das autoridades antitrustes ao redor do mundo.
Cordeiro e Monteiro (2020) [5], ao defenderem esses mesmos argumentos, acrescentam que o direito concorrencial não é a solução para todos os problemas e que a "caixa de ferramentas" do antitruste muitas vezes falha e precisa ser aprimorada constantemente. Tais autores salientam, entretanto, que é importante compreender que melhorar a ferramenta é muito diferente de mudar a sua finalidade.
Com esse arcabouço em mente, os questionamentos e as argumentações jurídicas em relação às evidências qualitativas dos casos concretos são essenciais no confronto com o que a teoria econômica prediz e o que os modelos quantitativos mostram. Nessa troca de percepções multidisciplinar ganha a análise concorrencial no aprimoramento das suas ferramentas de análise.
No caso brasileiro, apesar de a jurisprudência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ter como estrela-guia o bem-estar do consumidor, o diálogo pode se aprofundar, principalmente no que tange à utilização de métodos econômicos para análise concorrencial. Por exemplo, Castro (2017) [6] analisou 6.732 decisões proferidas por conselheiros do Cade, entre 2004 e 2014, para verificar o nível do debate dos métodos econômicos, principalmente a estatística e a econometria. Encontrou que em menos de 2% dos mais de seis mil votos analisados havia algum termo relacionado a métodos quantitativos, como, por exemplo, elasticidade cruzada ou perda crítica. Segundo o referido autor, foi dada atenção a cerca de 20 termos ligados à econometria em razão dela permitir um debate a respeito de como se compreendem os fenômenos causais, tão relevantes à avaliação de diversos assuntos jurídicos. O referido estudo termina a análise com dados de 2014. Entretanto, podemos verificar uma mudança recente. Nos últimos anos, Resende et al. (2020) [7] mostraram uma atuação cada vez maior do Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Cade na produção de notas técnicas e estudos de mercado e setoriais para subsidiar as decisões da autarquia.
Importante também é que tal produção de conhecimento seja combinada com um maior diálogo entre ambas as disciplinas. Os métodos econômicos precisam ser entendidos para serem utilizados e citados. Além disso, para a economia ser ouvida e entendida também é preciso ouvir e entender outras perspectivas. Só assim será possível melhorar as ferramentas utilizadas na análise concorrencial. Parafraseando Dani Rodrik, citado no início deste artigo, economistas e outros acadêmicos devem aceitar a diversidade de suas abordagens, em vez de rejeitá-las. Dessa maneira, poderemos aperfeiçoar a disciplina para que seja capaz de entender o mundo real e propor soluções aos problemas concorrenciais de forma objetiva e que efetivamente traga benefícios para os consumidores.
[1] Disponível em: https://www.project-syndicate.org/commentary/economists-other-social-scientists-and-historians-can-get-along-by-dani-rodrik-2021-03/portuguese.
[2] POSNER, Richard. (1973) Economic Analysis of Law. 1ed. Little, Brown and Company.
[3] Bork, Robert H. (1978) The Antitrust Paradox. New York: Free Press.
[4] Wright, Joshua D.; Ginsburg, Douglas H. (2013) The Goals of Antitrust: Welfare Trumps Choice. Fordham Law Review, v. 2405.
[5] Cordeiro, Alexandre; Monteiro, Ana S. C. (2020) Os objetivos do Direito Antitruste: evolução e perspectivas para o pós-Covid-19. Portal Jota. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/os-objetivos-do-direito-antitruste-evolucao-e-perspectivas-para-o-pos-covid-19-01082020.
[6] Castro, Ricardo M. (2017). Direito, Econometria e Estatística. Tese de Doutorado – Universidade de Brasília.
[7] Resende, Guilherme M.; Castro, Ricardo M.; Mundim, Felipe N. (2020) Departamento de Estudos Econômicos do Cade: Passado, Presente e Futuro. Documento de Trabalho nº 006/2020/DEE/Cade. Brasília. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/documentos-de-trabalho/2020/documento-de-trabalho-n06-2020-departamento-de-estudos-economicos-do-cade-passado-presente-e-futuro.pdf.
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