Vetos inoportunos na reforma da Lei de Recuperação e Falências
6 de março de 2021, 7h13
A Lei nº 14.112/20, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 24 de dezembro de 2020, alterou em pontos relevantes os institutos da recuperação judicial, extrajudicial e falências. A sanção presidencial, entretanto, veio acompanhada de poucos, mas sensíveis, vetos, entre os quais se destacam aqueles relacionados à disciplina da (não) sucessão de terceiros adquirentes na alienação de ativos.
Os vetos, por seu turno, basearam-se na premissa de que a previsão do projeto contrariaria a moldura constitucional vigente no que diz respeito às obrigações de natureza ambiental do devedor e estaria em descompasso com direitos relativos à probidade e à boa administração pública, além de ir de encontro ao interesse público e causar prejuízo ao erário, no que diz respeito às obrigações de natureza anticorrupção. Portanto, os vetos parecem transmitir a mensagem de que o terceiro adquirente deveria permanecer responsável, entre outras, pelas obrigações de natureza ambiental e anticorrupção do devedor.
Ademais, parece-nos relevante atentar que, sob o ponto de vista do mercado, os vetos ensejam o risco de produzir alguma insegurança jurídica. Isso porque, ao tecer razões fundadas na premissa de que as obrigações de natureza ambiental e anticorrupção supostamente não estariam alcançadas pela norma, os vetos, invocando princípios constitucionais, passam mensagem não alinhada com a aplicação da lei nos seus anos de vigência.
Ora, se por um lado a incerteza e a insegurança são ingredientes que geram perdas ao ambiente jurídico, porque na grande maioria dos casos de insolvência não há recuperação de um negócio sem a injeção segura de recursos por parte de terceiros investidores, por outro, parece-nos um alento constatar que as alterações previstas no projeto de lei, cujos vetos ora se analisam, apenas traduziam entendimento já formado pela doutrina e pela jurisprudência, no que diz respeito ao texto atual (e vigente!) do parágrafo único do artigo 60 da Lei nº 11.101/05.
Assim, a jurisprudência dos tribunais superiores e dos tribunais estaduais já vinha reiteradamente reconhecendo a ausência de sucessão também com relação a outras obrigações que não apenas as de natureza tributária, prevista expressamente no texto legal. Na mesma linha, o Enunciado 104 da III Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal (CGJ) chancelara o entendimento de que não há sucessão do adquirente inclusive com relação a penalidades pecuniárias aplicadas com base na Lei Anticorrupção.
Constitucionalmente, compete ao Congresso Nacional, em sessão conjunta, deliberar, sob o quórum da maioria absoluta dos deputados e senadores, acerca dos vetos presidenciais. Independentemente disso, entendemos desde já adequado referirmos que, mesmo com a eventual manutenção dos vetos, remanesce vigente o texto legal que estipula a regra geral de que o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus, não havendo sucessão do arrematante nas obrigações do devedor. A menção a obrigações de natureza tributária, no dispositivo vigente, consiste em mero exemplo, não excludente de obrigações de outras naturezas.
Trata-se, portanto, de texto sobre o qual a jurisprudência e a doutrina já extraíram norma no sentido de não responsabilizar o terceiro adquirente por quaisquer obrigações do devedor, de forma que, sob o ponto de vista jurídico-normativo, a eventual manutenção dos vetos não possuirá o condão de modificar nem o texto vigente, nem tampouco a jurisprudência construída em 15 anos de vigência e aplicação da Lei 11.101/05.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!