Opinião

Sucessão com bens no exterior: por onde começar?

Autores

  • Nadia de Araujo

    é doutora em Direito Internacional pela USP mestre em Direito Comparado pela George Washington University professora de Direito Internacional Privado na PUC-Rio sócia de Nadia de Araujo Advogados e membro da Delegação Brasileira na 22ª Sessão Diplomática da Conferência da Haia (conclusão da Convenção de Sentenças).

  • Lidia Spitz

    é doutora e mestre em Direito Internacional pela Uerj LL.M. em International Business Regulation Litigation and Arbitration pela NYU sócia de Nadia de Araujo Advogados e membro da Delegação Brasileira na 22ª Sessão Diplomática da Conferência da Haia (conclusão da Convenção de Sentenças).

  • Carolina Noronha

    é sócia de Nadia de Araujo Advogados e mestre em Direito Internacional pela UERJ.

11 de novembro de 2021, 20h38

Quando a sucessão causa mortis envolve elementos puramente internos, é inequívoca a jurisdição brasileira para processar o inventário e realizar a partilha dos bens deixados no território nacional entre os herdeiros do falecido.

Em nossa prática, contudo, temos acompanhado de perto o aumento considerável de sucessões hereditárias com aspectos internacionais. Essa é a realidade de um mundo em que as relações familiares e as questões patrimoniais a elas inerentes não estão circunscritas a um único país. Há casos em que o sujeito domiciliado no Brasil falece aqui, mas deixa bens no exterior. Há outros em que a pessoa domiciliada no exterior morre naquele país, mas deixa bens no Brasil.

Quaisquer que sejam as variantes, duas questões sempre sobressaem, para as quais o manejo das regras de Direito Internacional Privado é de curial importância: qual é a autoridade judiciária competente para processar o inventário e a partilha? Qual é a lei que determina quem são os herdeiros do falecido e rege seus direitos sucessórios?

À primeira vista, pode parecer que a jurisdição a ser provocada para decidir a sucessão deva ser necessariamente aquela em que a pessoa faleceu. A verdade, contudo, é que o provimento judicial irá recair é sobre a partilha dos bens deixados. Em outras palavras, a localização dos bens  e não o lugar do falecimento  exerce grande influência na determinação dos juízos que potencialmente poderão ser provocados.

Sob essa perspectiva, cumpre atentar para como o Judiciário brasileiro se posiciona diante das situações em que o conjunto patrimonial deixado pelo de cujus está não apenas no Brasil, mas também disperso no exterior. Nesses casos, a jurisprudência brasileira privilegia o princípio da pluralidade de juízos sucessórios.

Como se sabe, o inventário e a partilha de bens situados no Brasil devem ser feitos necessariamente pela autoridade judiciária brasileira, independentemente de a sucessão ter sido aberta no exterior. Por força do artigo 23, II, do CPC, a jurisdição brasileira é exclusiva, repudiando-se qualquer interferência da Justiça estrangeira nessa seara. Vale destacar que essa regra tem sido flexibilizada pelo Superior Tribunal de Justiça quando a decisão estrangeira cumpre a última vontade manifestada pelo de cujus e transmite bens localizados no território nacional aos herdeiros indicados no testamento.

Ao revés, quando a sucessão é aberta no Brasil, mas o de cujus deixa bens no exterior, a Justiça brasileira compreende que carece de jurisdição para processar o inventário e a partilha desses bens situados fora do território nacional. A lógica subjacente a esse entendimento consiste em um espelhamento da regra de jurisdição internacional prevista no artigo 23, II, do CPC.

A compreensão de que a sucessão com aspectos internacionais é um processo verdadeiramente fracionado não se resume à definição da jurisdição, estendendo-se também à determinação da lei de regência dos direitos sucessórios.

Sabemos que o artigo 10 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) dispõe aplicar-se à sucessão a lei do país em que domiciliado o falecido, sendo irrelevante a natureza ou a localização dos bens transmitidos aos herdeiros. Ocorre que, a despeito da vocação unitária e universal desse dispositivo, a partilha se sujeitará às regras de Direito Internacional Privado locais, as quais podem adotar elemento de conexão diverso. Assim, o que se tem de concreto é que a sucessão de bens situados no exterior será regida pela lei (leia-se, pelo Direito Internacional Privado) do país em que tais bens se encontram, prevalecendo a unidade sucessória prevista na LINDB apenas nos casos em que os bens a serem transmitidos aos herdeiros se encontrem exclusivamente no Brasil.

Especificamente quanto aos bens deixados no país por falecidos estrangeiros, a Constituição Federal assegura a aplicação à sucessão hereditária da lei mais favorável ao cônjuge sobrevivente ou aos filhos brasileiros, quer seja a lei nacional ou a lei pessoal do falecido. A referência à "lei pessoal" do de cujus deve ser apreendida em alusão à lei do domicílio do de cujus.

Uma questão interessante e que tem instigado a doutrina nas sucessões internacionais diz respeito à possibilidade de cômputo dos bens situados no exterior na partilha dos bens localizados em território nacional, para fins de equalização do quinhão atribuível a cada herdeiro de acordo com a lei brasileira. Em alguns esparsos precedentes, o STJ entendeu que a partilha feita no Brasil deveria considerar, para efeito de compensação, o valor dos bens partilhados no exterior. A questão, todavia, é de extrema complexidade e suscita uma série de questionamentos.

Autores

  • é sócia do escritório Nadia de Araujo Advogados, professora de Direito Internacional Privado na PUC-Rio, doutora em Direito Internacional pela USP e mestre em Direito Comparado pela George Washington University.

  • é sócia do escritório Nadia de Araujo Advogados, LL.M. com especialização em International Business Regulation, Litigation and Arbitration pela NYU School of Law, doutora e mestre em Direito Internacional pela Uerj.

  • é sócia de Nadia de Araujo Advogados e mestre em Direito Internacional pela UERJ.

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