No caso de reforma tributária, indispensável previsão que impeça majoração
9 de junho de 2023, 17h19
Se é para ter reforma constitucional tributária, entende-se como indispensável e legítimo que o princípio da vedação ao confisco seja revisitado, de modo que seja garantido expressamente que o contribuinte não suportará majoração da carga tributária.
Pois bem.
Em mais de uma oportunidade, defendeu-se, nas salas de aula e em palestras [1], que a reforma tributária constitucional pode ser problemática, de modo que o atual cenário, que é ruim, possa incrível e surpreendentemente piorar. Longe de trazer todos os fundamentos para defender esse ponto de vista, pode-se elencar alguns, sem exauri-los:
a) seria necessário definir, primeira e democraticamente, o “tamanho do Estado” para, após, discutir reforma constitucional tributária. A reforma administrativa deveria vir à frente;
b) a praticidade tributária independe de reforma constitucional, bastando que seja infraconstitucional, racionalizando o sistema;
c) a experiência com a unificação de tributos não dá conforto. O SIMPLES Federal e, após, Nacional, foi/é grande ideia, mas, curiosamente, está complexo. A unificação de tributos, pelo histórico, não é solução tributária no Brasil;
d) é indispensável garantir a autonomia financeira dos entes federados, em total respeito ao pacto federativo. Não há espaço para mais centralização;
e) após mais de 30 trinta anos da Constituição, a jurisprudência constitucional ainda tenta consolidar conceitos, tais como, renda, receita, circulação de mercadorias, faturamento etc. A modificação de tributos vai conduzir ao novo contencioso para discutir novos conceitos;
f) a ausência de lei complementar regulamentadora, que seria deixada “para depois”, gera imprevisibilidade;
g) período de transição, ainda mais a médio ou a longo prazo, é um golpe ao discurso político apresentado de que seria necessário simplificar o sistema tributário.
Enfim, sendo vencida a ideia de que é desnecessária a reforma constitucional, bastando a infraconstitucional, o que se propõe, nesta rápida reflexão, é que seja dada garantia aos contribuintes de que eles não arcarão com majoração da carga tributária, no caso de mudança. Para tanto, o princípio da vedação ao confisco, atualmente positivado, poderia ser refletido e melhor definido. Assim, se é para discutir reforma constitucional tributária, o primeiro artigo em qualquer proposta de emenda constitucional (PEC) deveria prever que o contribuinte não sofrerá com majoração da carga tributária. A partir daí que seria possível, legitimamente, discutir o que constitucionalmente modificar no sistema tributário nacional.
O que preocupa, na verdade, é que, sob o discurso político de justiça, de racionalidade, de simplificação etc., haja, na verdade, majoração à atual alta carga tributária brasileira, que é desproporcional às contrapartidas oferecidas ao povo. Ou seja, é dito em alto bom tom que a reforma seria para simplificar e implementar justiça, mas, no fundo e talvez com espécie de reserva mental, pretenda-se majorar a arrecadação, até mesmo para fazer frente às recentes ações que desencadeiam no aumento de despesas públicas.
Alguns estudos sérios foram feitos, considerando as propostas em andamento, e o cenário é preocupante quando se visualiza a possibilidade de majoração da carga tributária.
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), por um lado, afirma que a reforma tributária pretendida pelo Governo trará tanto impacto negativo que ela só será viável se vier acompanhada da desoneração da folha [2]. Por outro lado, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) estima que a reforma causará disparada do preço dos alimentos no varejo [3]. Ainda, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por sua vez, prevê que a reforma poderá ocasionar em aumento de 22,7% no preço da cesta básica [4].
Tratam-se, claro, de estimativas, mas que refletem perfeitamente o cenário de insegurança do contribuinte frente à reforma.
Assim, entende-se que proposta de reforma constitucional tributária legítima e séria deveria trazer, para segurança do contribuinte, artigo, preferencialmente o primeiro, que garanta a não majoração tributária.
Para tanto, sugere-se que o princípio da vedação ao confisco, que se encontra no artigo 150, IV da Constituição, venha a receber maior concretude. Isso porque quando a Constituição prevê que é vedado aos entes federados "utilizar tributo com efeito de confisco", acaba deixando abstrato o conteúdo do referido princípio.
Em trabalhos anteriores [5], foi possível trazer reflexão sobre o que seria vedação ao confisco em matéria tributária, obviamente levando em conta a abstração do atual texto constitucional. Agora, neste ensaio, a proposta é diferente. Afinal, se é para ter reforma constitucional tributária, por que não dar maior concretude à vedação ao confisco? Por que não prever, nas propostas, que a carga tributária não será majorada?
A resposta aos questionamentos pode ser mais simples do que inicialmente se imagina. Basta revisitar a história e, assim, buscar boa solução.
Se hoje o princípio da vedação ao confisco é abstrato e depende de interpretação de juristas, constituições anteriores deram maior concretude ao referido princípio.
A Constituição de 1946, no seu artigo 19, V, § 6º [6], impôs que o imposto de exportação não poderia ultrapassar a importância de 10% ad valorem.
No entanto, mais precisa foi a Constituição de 1934, que pode servir de inspiração, posto que, em seu artigo 185, previa que o imposto não poderia ser elevado além de 20% do seu próprio valor: "Nenhum imposto poderá ser elevado além de vinte por cento do seu valor ao tempo do aumento" [7].
Sugere-se que o disposto na Constituição de 1934 venha a ser utilizado como referência. Ora, que tal previsão constitucional, a partir de uma das PECs, de que a carga tributária não poderá ser elevada ao tempo da aprovação da reforma tributária? E mais, traga um segundo dispositivo no sentido de que, após a implementação da reforma constitucional tributária, nenhum tributo possa ser elevado além de dez por cento do seu valor ao tempo do aumento?
Enfim, se é para ter reforma constitucional tributária, que seja garantido ao contribuinte não ter que experimentar majoração da carga tributária, especialmente de forma imediata e a médio prazo.
[1] Palestra ministrada na UNA BH: https://www.youtube.com/watch?v=BMSLZQH5jxE&t=3582s
[2] REFORMA tributária deve ser aprovada com desoneração da folha. Abrasel [2023]. Disponível em: https://abrasel.com.br/noticias/entrevistas/paulo-solmucci-para-o-setor-de-servicos-a-reforma-tributaria-so-pode-ser-aprovada-com-desoneracao-da-folha-junto/. Aceso em 30 mai 2023.
[3] SUPERMERCADOS: reforma com imposto único aumentará preço dos alimentos. Abras [2023]. Disponível em: https://www.abras.com.br/clipping/noticias-abras/113573/supermercados-reforma-com-imposto-unico-aumentara-preco-dos-alimentos. Acesso em 30 mai 2023.
[4] SEM alíquotas diferenciadas, CNA prevê aumento da cesta básica, da inflação e da carga tributária do Agro. CNA Brasil [2023]. Disponível em: https://cnabrasil.org.br/noticias/sem-aliquotas-diferenciadas-cna-preve-aumento-da-cesta-basica-da-inflacao-e-da-carga-tributaria-do-agro. Acesso em 30 mai 2023.
[5] MELO, João Paulo Fanucchi de Almeida. Princípio da capacidade contributiva: a sua aplicação nos casos concretos. 01. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2012. v. 01. 272p.
MELO, João Paulo Fanucchi de Almeida. Direito Tributário Constitucional: princípios, regras, competências e imunidades. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2022. v. 1. 294p
[6] BRASIL. [Constituição (1946)]. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, publicado em 19 set. 1946, republicado em 25 set. 1946 e 15 out. 1946.
[7] BRASIL. [Constituição (1934)]. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 16 jul. 1934.
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