Opinião

Adimplemento substancial e ruptura de promessa de compra e venda de imóveis

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14 de maio de 2025, 17h19

Introdução à teoria do adimplemento substancial

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A teoria do adimplemento se fundamenta nos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos (CJF, 2006), e propõe-se, resumidamente, a balizar as hipóteses de resolução contratual por inadimplemento voluntário das partes contratantes (Tartuce, 2015).

Em suma, a teoria preceitua que: se houve o cumprimento de parte substancial do contrato pelo devedor, a resolução da avença consiste em medida desproporcional e excessivamente prejudicial para ele, razão pela qual o contrato deve ser preservado e o credor precisará se valer de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução da obrigação, como a cobrança e execução do título.

Silêncio da lei do distrato sobre adimplemento substancial

Sobre a matéria, vale esclarecer que a Lei de nº 13.786/2018, conhecida como Lei do Distrato (Brasil, 2018), disciplina as regras para a rescisão dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis, mas não fixa parâmetros específicos para a definição das hipóteses de impedimento da resolução contratual em virtude do adimplemento substancial, o que exige a análise da jurisprudência para delimitar tais parâmetros.

Análise jurisprudencial

O Superior Tribunal de Justiça tem explorado os limites da aplicação do adimplemento substancial e se posicionado pela necessidade de uma análise específica do caso concreto posto a julgamento, visto que a mera análise quantitativa (percentual) como critério para a aplicação da teoria não atende aos seus princípios basilares — boa-fé objetiva e função social dos contratos — e pode, inclusive, vir a se converter em um instrumento à disposição do devedor para justificar sua inadimplência com relação ao pagamento das parcelas finais pactuadas no contrato, desvirtuando a finalidade do instituto.

Desse modo, o entendimento da jurisprudência do STJ é no sentido de que a aplicação da teoria do adimplemento substancial deve ser feita com base no critério composto de aferição, que reúne a análise de parâmetros qualitativos e quantitativos, em conformidade com a orientação fornecida pelo Conselho da Justiça Federal por meio do Enunciado nº 361 (CJF, 2006), aprovado na VII Jornada de Direito Civil, que orientou a análise dos seguintes critérios quando da aplicação deste instituto jurídico:

1. Critério Quantitativo: Percentual do contrato que foi cumprido.

2. Critérios Qualitativos: Os efeitos decorrentes do descumprimento, incluindo: 1) a satisfação dos interesses do credor; 2) o atingimento da função do negócio celebrado; 3) a manutenção do equilíbrio contratual e 4) a diligência por parte do devedor para a satisfação da obrigação.

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Para se ter uma noção percentual do critério quantitativo utilizado pela jurisprudência do STJ, foram analisados os seguintes julgados sobre a matéria: REsp. 76.362/MT; REsp. 1.622.555/MG; REsp. 469.577/SC; AgRg no AgREsp 155.885/MS; REsp. 1.051.270⁄RS; e REsp 1.581.505/SC.

Tais julgados versam sobre contratos com a pactuação de prestações sucessivas e, apesar dos diferentes critérios utilizados pelo STJ, o maior percentual de inadimplência admitido para a aplicação da teoria do adimplemento substancial foi de 20% sobre o valor histórico do contrato, ou seja, sem a inclusão dos fatores de correção e multa.

Diretrizes para as incorporadoras

Com base nos julgados mencionados, pode-se extrair algumas diretrizes para a aplicação da teoria do adimplemento substancial nos contratos de promessa de compra e venda de unidades imobiliárias:

Proporção do Inadimplemento: Conforme supramencionado, a jurisprudência sugere que inadimplementos menores, especialmente aqueles inferiores a 20% do valor histórico do contrato, podem ser vistos como insuficientes para justificar a resolução por inadimplemento, principalmente se o valor em aberto for pouco significativo em relação ao total já pago.

Impacto da Inadimplência: Além da proporção, deve-se considerar o impacto da inadimplência na relação contratual. Isso porque pequenas inadimplências, como atrasos nas últimas parcelas, geralmente não justificam resolução, mas podem existir situações excepcionais nas quais a extinção do contrato se torne necessária diante do impacto da inadimplência para algum dos contratantes.

Conclusão

Diante do exposto, verifica-se que não há um critério numérico fixo para a aplicação da teoria do adimplemento substancial. Não obstante, a análise dos julgados proferidos pelo STJ sugere que um percentual de inadimplemento inferior a 20% do valor total do contrato (não corrigido), especialmente se o impacto da inadimplência for mínimo, costuma ser insuficiente para justificar a resolução contratual pela incorporadora.

Assim, recomenda-se que as construtoras optem pela resolução dos contratos apenas se o inadimplemento for significativo (maior que 20%), além de impactar negativamente a relação contratual e a função do negócio. Entretanto, se o inadimplemento for inferior a 20% do valor total e não afetar substancialmente os interesses contratuais, recomenda-se a preservação do contrato, pois a resolução pode ser considerada excessivamente gravosa e desproporcional, não sendo a melhor opção sob a ótica da boa-fé objetiva e da jurisprudência atual.

Por fim, convém ressaltar que é importante que a incorporadora mantenha em seu banco de dados registros detalhados de todos os pagamentos, negociações e comunicações com os compradores, de modo a fundamentar eventuais decisões de resolução ou manutenção dos contratos com base em uma análise criteriosa.

 


Referências bibliográficas

BRASIL. Lei nº 13.786, de 27 de dezembro de 2018. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 28 dez. 2018. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13786.htm. Acesso em: 11 de dezembro de 2024.

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CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Enunciado CJF nº 361. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/472. Acesso em: 11 de dezembro de 2024.

TARTUCE, Flávio. A teoria do adimplemento substancial na doutrina e na jurisprudência. JusBrasil, 28 mar. 2015. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-teoria-do-adimplemento-substancial-nadoutrina-e-na-jurisprudencia/180182132. Acesso em: 11 de dezembro de 2024.

 

Autores

  • é advogada do Portela Soluções Jurídicas, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito e Inovação (PPGDI) na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap-PE), pós-graduada em Direito Imobiliário e em Direito Civil e Processo Civil na Faculdade Legale, graduada em Direito pela Universidade de Pernambuco (UPE) e procuradora de Honorários da OAB-PE.

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