Opinião

Entre a doação e imposto: nova batalha no STF pelo patrimônio familiar

Autor

3 de maio de 2025, 6h39

O Supremo Tribunal Federal formou, no último dia 25, maioria para admitir a repercussão geral no Recurso Extraordinário — RE 1.522.312/SC — Tema 1321, fixado com a seguinte afetação: “Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 145, §1º, e 153, III, da Constituição, a incidência ou não de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) sobre doações de bens e direitos aos filhos do contribuinte, em adiantamento de legítima, transmitidos a valor de mercado”.

Freepik

O recurso, relatado pelo ministro Gilmar Mendes, analisa um caso em que um ascendente realizou uma doação com a finalidade de adiantamento de herança, adotando como valor da transação o valor de mercado do bem, o que resultou na tributação do imposto de renda relativo ao ganho de capital, dada a diferença entre o valor de mercado atualizado e o valor histórico do bem (valor registrado no momento da aquisição do patrimônio).

Irresignado com a cobrança de IR, o contribuinte buscou o Judiciário e obteve ganho de causa no TRF-4, que determinou a anulação do lançamento tributário, fundamentando que não ocorre o fato gerador do imposto de renda quando há doação de bens aos filhos do contribuinte, mesmo que transmitidos a valor de mercado. O Fisco, por sua vez, recorreu ao STF, requerendo a reforma da decisão de segundo grau e a manutenção da cobrança de imposto de renda sobre o ganho de capital.

A Corte Superior, diante do crescente número de casos análogos ao RE 1.522.312/SC, reconheceu a existência de repercussão geral sobre o tema, de modo que o julgamento formará precedente obrigatório a ser seguido pelo Poder Judiciário de todo o país.

Ganho de capital sobre doações

A controvérsia gira em torno da possibilidade ou não de tributação do ganho de capital sobre doações feitas a descendentes. Contudo, este julgamento poderá afetar, também, inventários e outras doações.

Antes de analisarmos os argumentos do Fisco e dos contribuintes, é importante destacar que o artigo 3º da Lei nº 7.713/1988 determina que o imposto de renda incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, quando apurado ganho de capital em “operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins”.

Por outro lado, o artigo 6º, inciso XVI, da mesma lei, dispõe que os valores recebidos a título de doação em adiantamento da legítima ou por herança são isentos do imposto de renda.

Spacca

Paralelamente, o artigo 23 da Lei nº 9.532/1997 estabelece que, na transferência de direito de propriedade por sucessão (nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima), os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador. O inciso II do caput ainda determina que o imposto será devido pelo doador, até o último dia útil do mês-calendário subsequente ao da doação, no caso de adiantamento de legítima.

O parágrafo primeiro do mesmo artigo dispõe que, se a transferência for efetuada a valor de mercado, a diferença entre o valor histórico e o valor atualizado estará sujeita à incidência do imposto de renda à alíquota de 15%.

Isenção em acréscimo patrimonial

Em resumo, existe previsão legal para a incidência do imposto de renda sobre doações. Entretanto, há também a ressalva de que, se a doação for feita em adiantamento de legítima, não haverá incidência do imposto em face do patrimônio recebido pelo donatário, pois o acréscimo patrimonial por herança é isento.

A controvérsia reside no fato de que, quando a doação é realizada a valor de mercado, entende-se que o doador teria, em tese, um ganho de capital, correspondente à valorização do bem, ainda que este seja imediatamente transferido.

Sobre essa discussão, formaram-se duas correntes: a pró-contribuinte e a pró-fisco.

De um lado, os contribuintes, mesmo nos casos de doações realizadas a valor de mercado, sustentam que a tributação configura bitributação, uma vez que a operação já é tributada pelos estados por meio do ITCMD. Além disso, defendem que, no ato da doação, ocorre um decréscimo patrimonial para o doador, e não acréscimo, afastando a hipótese de incidência de imposto de renda.

De outro lado, o Fisco, representado pela PGFN, defende a incidência do IRPF sobre o ganho de capital do bem doado, quando houver diferença entre o custo de aquisição e o valor da transferência. Fundamenta seu posicionamento nos artigos 145, §1º, e 153, III, da Constituição, sustentando que os dispositivos legais em debate não tributam a doação em si, mas sim o ganho de capital revelado no ato da doação.

Afetamento em outras áreas sucessórias

No recurso em análise, a PGFN pugna pela declaração de constitucionalidade da expressão “doação” constante no §3º do artigo 3º da Lei nº 7.713/1988, bem como da locução “doação em adiantamento de legítima” constante no caput do artigo 23 da Lei nº 9.532/1997, e do inteiro teor do inciso II do §2º também do artigo 23 da referida lei.

Postas as razões das partes, é importante tecer uma crítica à afetação do tema: a análise da constitucionalidade da incidência do imposto de renda sobre doações a filhos, em adiantamento de herança, poderá afetar diversas outras situações sucessórias, como o próprio recebimento da herança causa mortis.

Se o acréscimo patrimonial do doador, no momento da transferência do bem a título de adiantamento de herança, for considerado tributável, não se aplicaria a mesma lógica na sucessão causa mortis?

Além disso, outras consequências práticas serão inevitáveis: as causas em tramitação que discutem a matéria deverão ser sobrestadas até o julgamento definitivo do STF e, caso o resultado seja favorável ao Fisco, será imprescindível a modulação dos efeitos da decisão, para assegurar a segurança jurídica das doações já realizadas.

É importante ressaltar que o STF possui entendimentos conflitantes entre suas turmas sobre o tema. Existem precedentes favoráveis tanto aos contribuintes quanto ao Fisco. Recentemente, o ministro Flávio Dino foi relator do RE 1.439.539/RS, cujo julgamento favoreceu o contribuinte. Entretanto, o relator do RE 1.522.312/SC, ao qual foi atribuída repercussão geral, é o ministro Gilmar Mendes, que, em julgamentos análogos anteriores, posicionou-se favoravelmente à Fazenda Pública.

Diante desse cenário, os detentores de patrimônio devem estar atentos e bem assessorados juridicamente, a fim de evitar surpresas e onerações indevidas na transmissão de seus bens aos herdeiros.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!