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STJ reconhece aplicabilidade da prescrição intercorrente para infrações aduaneiras

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  • é advogado no GBA Advogados Associados e pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Campus Campinas).

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2 de maio de 2025, 20h50

O sistema de preclusão foi estruturado em nosso ordenamento jurídico como prestígio à garantia da estabilidade das relações sociais, de forma eliminar a possibilidade de obrigações perpétuas. A ideia de limitar temporalmente o exercício de um direito, diante à inércia do seu titular em defendê-lo, protege a estabilidade e segurança jurídica.

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De forma que, um devedor — como são os contribuintes e cidadãos — não pode aguardar ad eterno a cobrança de um credor — como é o Fisco —, o qual terá de tutelar seu direito respeitando-se os limites temporais que cerceiam a relação jurídica e extinguem seu direito creditório.

Para além das hipóteses de extinção da obrigação (relação jurídica material) pela inércia do credor (decadência do direito e prescrição da pretensão punitiva), o ordenamento brasileiro também fixa hipóteses em que a relação jurídica processual se esvai com o decurso do tempo. Trata-se do instituto da prescrição intercorrente.

Prescrição intercorrente

Espalhada em leis esparsas (por exemplo: artigo 924, V, do Código de Processo Civil; artigo 40, § 4º, da Lei de Execuções Fiscais), a prescrição intercorrente é causa de extinção da ação executória ou punitiva. Suas hipóteses de ocorrência estão diretamente ligadas à inércia do sujeito ativo, geralmente relacionada à falta de ímpeto para localizar os bens do devedor executado.

Todavia, a prescrição intercorrente não se aplica apenas às execuções (processos judiciais). Existem também regras que limitam temporalmente a atuação estatal em processos administrativos. No âmbito federal, o artigo 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 expressamente prevê sua aplicação nos processos administrativos federais de apuração de infrações à legislação federal.

O parágrafo primeiro estabelece a incidência da “prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho”.

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Esse dispositivo, vinculado aos processos administrativos federais de exercício do poder de polícia, não tem aplicação, porém, aos processos de apuração de infrações funcionais (PAD) ou tributárias (PAT), de acordo com o artigo 5º da referida lei.

Autuação tributária

Isso significa dizer que uma autuação tributária não está limitada pelo artigo 1º, § 1º da Lei 9.873/99. A bem da verdade, a ausência de previsão de incidência da prescrição intercorrente para infrações tributárias, no âmbito do processo administrativo fiscal (regido pelo Decreto 70.235/77), levou o Superior Tribunal de Justiça a concluir pela inaplicabilidade da prescrição intercorrente para o processo administrativo de lançamento e imposição de multa tributários (vide REsp nº 1.113.959/RJ, acórdão publicado em 11/3/2010).

Diante de tal posição do Superior Tribunal de Justiça, nasceu nova controvérsia relacionada ao processo administrativo fiscal de crédito não tributário, mas igualmente regido pelo Decreto 70.235/77 (artigo 7º, inciso III), como é o caso das infrações aduaneiras. Estariam elas, uma vez que os parâmetros processuais de sua apuração se encontram submetidos ao Decreto 70.235/77, livres da prescrição intercorrente — como ocorre com as autuações tributárias?

Foi esta interpretação defendida pela União — Fazenda Pública nos autos do Recursos Especiais Repetitivos nº 2147578 e 2147583, em cujos acórdãos foi fixada a tese do Tema Repetitivo 1293, com a seguinte redação:

“1. Incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos.

2. A natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à legislação aduaneira é de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação.

3. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 apenas se a obrigação descumprida, embora inserida em ambiente aduaneiro, destinar-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.”

Acertadamente e por unanimidade, o Superior Tribunal de Justiça adotou como critério de definição de aplicação do artigo 1º, § 1º da Lei 9.873/99 a natureza jurídica (de caráter material) da norma infringida. De forma que, havendo o descumprimento de obrigação aduaneira (não tributária), estará submetido à prescrição intercorrente o processo administrativo tendente a apurá-lo, ainda que desta infração surjam obrigações tributárias (consequência reflexa da autuação).

O Superior Tribunal de Justiça colocou um aparente fim à importante controvérsia que ainda assombrava sobretudo empresas brasileiras importadoras e exportadoras (tradings). A nosso sentir, de modo a confirmar a correta tendência que o Tribunal já seguia, de adotar a natureza da infração — cujo descumprimento é apurado no processo administrativo — como o vetor de definição sobre a aplicação ou não da prescrição intercorrente da Lei 9.873/99.

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