Opinião

Falsificações nas assinaturas dos documentos societários e a necessidade de maior fiscalização

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3 de junho de 2025, 11h14

O desenvolvimento da economia digital aprimora os meios de produção e beneficia a atividade empresarial, contribuindo para a agilidade e velocidade nos negócios e contrapondo-se às antigas práticas burocráticas e morosas. Em que pese os inegáveis ganhos obtidos, fartamente comemorados no ambiente econômico, político, pela sociedade civil e até pela comunidade acadêmica, observa-se, cada vez mais, que cidadãos e empresas de variados portes vêm sofrendo fraudes digitais, destacando-se, as perpetradas no âmbito das falsificações de assinaturas eletrônicas.

As referidas fraudes nas assinaturas digitais, lançadas em contratos em geral e em diferentes espécies de instrumentos societários (constituições de sociedades e alterações de contratos sociais) são cometidas em plataformas que não são compatíveis com os mecanismos de conferência e validação, ou derivam da utilização de correios eletrônicos clonados; em ambas as hipóteses, causando sérios prejuízos às vítimas.

Em especial, no que tange aos instrumentos societários que obrigatoriamente são levados a arquivamento perante os órgãos de registro para a criação de sociedades ou suas respectivas alterações societárias há o agravante de que uma assinatura falsa, além da própria natureza ilícita do ato, compromete sua estrutura organizacional e negocial, seja da sociedade simples ou da empresa (individual ou coletiva), dependendo de sua natureza.

Neste sentido, cumpre considerar como fato grave que o registro público, com a efetivação do arquivamento de atos societários falsos, confere autenticidade e publicidade a documentos arquivados irregularmente, com desastrosas repercussões financeira e patrimonial a toda uma comunidade de interessados, sejam empresas ou cidadãos.

Evidencia-se, pois, neste cenário, que os órgãos responsáveis pela execução do registro público, segundo suas incumbências legais, precipuamente, deveriam zelar de modo rígido e adequado pela autenticidade e veracidade das respectivas assinaturas apostas nos instrumentos societários, evitando fraudes e ilegalidades como pressupostos fundamentais. Tal conduta, aliás, está prevista no artigo 1.153 do Código Civil, o qual assim dispõe: “Cumpre à autoridade competente, antes de efetivar o registro, verificar a autenticidade e a legitimidade do signatário do requerimento, bem como fiscalizar a observância das prescrições legais concernentes ao ato ou aos documentos apresentados”.

Enunciado, decreto e instrução normativa

O assunto é tão relevante que já foi objeto de enunciado proferido pela Junta Comercial do Estado de São Paulo, Enunciado Jucesp nº 1, onde ficou consignado que “as assinaturas lançadas nos requerimentos para arquivamento de atos, antes da efetivação do registro, deverão ser verificadas quanto à autenticidade e à legitimidade do signatário, formulando-se exigência, quando for o caso, para que o requerente sane as irregularidades encontradas, nos termos do artigo 1.153, do Código Civil”.

Também, o Decreto 1.800/96, artigo 40, §1º, estampa que verificada a qualquer tempo a falsificação em instrumento ou documento público ou particular, o órgão do registro público de empresas mercantis e atividades afins dará conhecimento do fato à autoridade competente, para as providências legais cabíveis, sustando-se de imediato os efeitos do ato na esfera administrativa, até que seja resolvido o incidente de falsidade documental.

Spacca

Neste exato diapasão, visando garantir segurança jurídica às assinaturas digitais, a Instrução Normativa 81/2020 do Drei – emitida pelo órgão coordenador e supervisor das Juntas Comerciais –, estabeleceu que as chancelas virtuais devem conter meios próprios de verificação, pelo sistema do Gov.BR, ou em plataformas que visem a validação das assinaturas apostas.

A mesma instrução normativa, especifica que no caso de assinaturas falsas, o cancelamento do arquivamento ilegal poderá ocorrer mediante requerimento protocolado perante a Junta Comercial, instruído com os documentos comprobatórios da alegada falsidade, onde serão intimados os interessados para a instalação do devido processo legal, com manifestação de todos os envolvidos e da Procuradoria da Junta.

Após este trâmite, observando-se obviamente o contraditório, decidir-se-á acerca de eventual desarquivamento do ato viciado e determinar-se-á a comunicação do fato à Polícia Civil, ao Ministério Público e às autoridades fazendárias, para que sejam tomadas as medidas cabíveis.

Geralmente, em situações similares, costuma-se conceder a suspensão dos efeitos do ato, de modo liminar, até a finalização do procedimento perante o órgão incumbido do registro societário. São considerados exemplos de comprovada falsidade, a assinatura física ou digital de documento após o falecimento do assinante, a assinatura por certificado digital declarado fraudulento pela própria certificadora, entre outras hipóteses.

Há de se considerar que quando for alegada a falsidade pela parte interessada, após análise que conclua pela existência de indícios de falsificação, a Junta Comercial poderá suspender os efeitos do ato dito fraudulento até que o requerente comprove a inautenticidade da assinatura ou até a resolução do incidente pelas autoridades policiais, administrativas, judiciais ou arbitrais competentes.

É de bom tom que se esclareça que a suspensão dos efeitos do ato não se confunde com o seu cancelamento e, portanto, enseja apenas a anotação cadastral quanto à suspensão, não implicando no retorno dos dados cadastrais ao status do documento anteriormente arquivado.

Arcabouço insuficiente

Todas essas práticas, nada obstante o bom ordenamento e delineamento procedimental previsto pela legislação regulatória competente, na realidade e na prática, não funcionam de modo rápido e nem tampouco a contento. O que infelizmente se observa, em determinados casos e circunstâncias, é que ainda persiste a possibilidade da realização de registros societários contendo assinaturas eletrônicas falsas. Todo este arcabouço de procedimentos administrativos previstos em lei não está sendo suficiente para garantir a plena legalidade e transparência dos atos societários arquivados perante as Juntas Comerciais.

Ora, há de se considerar que o pilar que fundamenta e sustenta a existência do sistema registral, acima de qualquer incumbência burocrática, é a capacidade dos órgãos de execução do registro gerarem segurança jurídica e fortalecerem a atividade negocial, fornecendo informações “fidedignas” e verdadeiras, seja no âmbito negocial ou jurídico.

Entretanto, por falta da adequada fiscalização e zelo das Juntas Comerciais na verificação da autenticidade e legitimidade do signatário do requerimento, bem como na fiscalização e observância das prescrições legais concernentes ao ato ou aos documentos apresentados, nos termos depreendidos no artigo 1.153 do Código Civil, ainda, hoje em dia, é possível que documentos com assinaturas falsas sejam inadvertidamente registrados.

Nossa visão e recomendação, destarte, se concentram no fato de que o registro empresarial, a cargo das Juntas Comerciais, deve fiscalizar com rigor a observância das prescrições legais concernentes ao ato ou aos documentos apresentados, antes de efetivar o arquivamento societário, nos moldes do que é previsto pelo Código Civil, verificando a autenticidade e a legitimidade do signatário do requerimento e demais instrumentos pertinentes, para que os empresários se sintam atraídos, seguros e confortáveis para implementarem negócios e investimentos, sem receio de se depararem com fraudes em suas assinaturas.

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