Controvérsia nº 576: mais um capítulo das subvenções para investimento no STJ
22 de fevereiro de 2025, 7h03
A tributação das subvenções para investimento no revogado regime da Lei nº 12.973/14 é mais um exemplo de tema tributário cujas discussões “não acabam nem quando terminam”, sujeitas a novos capítulos e “teses-filhote”.
Em 2017, a 1ª Seção do STJ pacificou o entendimento das Turmas no sentido de que os créditos presumidos de ICMS não estão sujeitos à tributação pelo IRPJ e pela CSLL por ofensa ao pacto federativo (EREsp). Esse entendimento foi expressamente confirmado no Tema nº 1.182 dos Repetitivos, que condicionou a não tributação somente dos demais benefícios fiscais de ICMS aos requisitos de destinação a reserva de incentivos fiscais e de não distribuição.
Apesar do EREsp e do Tema nº 1.182, o STJ selecionou dois recursos especiais para decidir se a possibilidade de inclusão dos créditos presumidos nas bases do IRPJ e da CSLL será submetida ou não à sistemática dos repetitivos (Controvérsia nº 576/STJ). Ambos os recursos selecionados pelo STJ [1] foram interpostos pela Fazenda Nacional contra acórdãos do TRF-4, que reconheceram que as receitas decorrentes de créditos presumidos de ICMS não integram as bases do IRPJ e da CSLL, independentemente do cumprimento do atendimento aos requisitos previstos no artigo 30 da Lei nº 12.973/14.
Em suma, a Fazenda Nacional defende que o tema mereceria novo julgamento pelo STJ, uma vez que o EREsp não teria força vinculante. Defende ainda que a Lei Complementar nº 160/17, publicada após o julgamento do STJ, classificou todos os benefícios fiscais de ICMS como subvenções para investimento, o que tornaria a não tributação dos créditos presumidos condicionada ao cumprimento dos requisitos legais do artigo 30.
Apesar da alegação de que o EREsp de 2017 não teria considerado a LC 160/17 em razão da sua superveniência, vale destacar que, em outro julgamento (EREsp nº 1.462.237, de 2019), a 1ª Seção afirmou que a citada lei, ainda que examinada, em nada alteraria a conclusão de que os créditos presumidos não são tributáveis, por ofensa ao pacto federativo.
Segurança jurídica
De toda forma, ainda que os embargos de divergência não possuam caráter vinculante, ainda há diversos motivos pelos quais a Controvérsia nº 576/STJ não deveria ser submetida à sistemática dos repetitivos, preservando a segurança jurídica e o entendimento consolidado sobre a matéria.
Inicialmente, convém demonstrar que a exclusão dos créditos presumidos, independentemente do cumprimento dos requisitos legais, foi abrangida pelo Tema nº 1.182, o que pode ser comprovado por diversas passagens do acórdão.

A começar pela delimitação da tese submetida a julgamento, o Tema nº 1.182 consistiu em analisar a possibilidade ou não de estender o entendimento firmado no EREsp sobre os créditos presumidos às demais espécies de benefícios fiscais. Em outras palavras, o tema partiu da premissa de que já não haveria mais controvérsia quanto à não tributação dos créditos presumidos.
Em seguida, a fundamentação do Tema nº 1.182 foi construída no sentido de que os créditos presumidos se diferenciam dos demais benefícios fiscais por representarem um efetivo dispêndio do poder público, afastando, assim, o chamado “efeito de recuperação” das outras espécies. Ainda que o STJ tenha afirmado que as demais espécies, em tese, não poderiam ser excluídas das bases dos tributos federais, a exclusão foi autorizada pela legislação desde que cumpridos os requisitos do artigo 30.
A primeira tese fixada no Tema nº 1.182 estabeleceu que não seria possível excluir os demais benefícios, salvo quando atendidos os requisitos legais. Contudo, esse entendimento não se aplicaria aos créditos presumidos, cuja exclusão foi convalidada pelo repetitivo, sem necessidade de observância de qualquer requisito previsto em lei.
Créditos presumidos
Na solução daquele caso concreto, o STJ determinou o retorno dos autos à origem para que o tribunal verificasse o cumprimento dos requisitos do artigo 30 exclusivamente em relação às demais espécies de benefícios, mas não aos créditos presumidos, os quais deveriam ser excluídos em razão do pacto federativo, e não por autorização legal.
No voto vencedor, acompanhado à unanimidade, o ministro relator Benedito Gonçalves afirmou que seria irrelevante discutir se o crédito presumido seria enquadrado como subvenção para custeio ou para investimento, assim como seriam irrelevantes as alterações introduzidas pela LC 160/17[2]. O voto ainda reiterou que a exclusão dos demais benefícios fiscais seria admitida somente em razão da previsão legal, ao passo que, em relação aos créditos presumidos, a exclusão não depende do cumprimento de qualquer requisito.
Na mesma linha, cita-se como exemplo o voto-vogal do ministro Mauro Campbell, que também afirmou serem irrelevantes as alterações introduzidas pela LC 160/17. E conclui afirmando que, aos créditos presumidos, aplica-se o entendimento do EREsp, enquanto aos demais benefícios é necessário observar o artigo 30 [3].
Constata-se, portanto, que a ratio decidendi do repetitivo está inteiramente fundamentada na distinção entre créditos presumidos e demais espécies de benefícios fiscais. Enquanto os primeiros independem de autorização ou requisitos legais para serem excluídos das bases do IRPJ e da CSLL, aquelas só o seriam por previsão legal.
Por ser essa a razão de decidir do repetitivo, a não tributação dos créditos presumidos independentemente do cumprimento dos requisitos integra a eficácia vinculante do precedente, motivo pelo qual a Controvérsia nº 576/STJ não deveria ser admitida. Antes disso, os recursos especiais sequer deveriam ter alcançado o STJ, pois a eles deveria ter sido negado seguimento, por estarem os acórdãos recorridos em conformidade com o repetitivo.
Ainda assim, uma vez alcançado o STJ, o não reconhecimento da controvérsia deve levar em consideração, primeiramente, a eficácia vinculante do repetitivo, nos termos do artigo 927, III, do CPC. Soma-se a isso o fato de que os recursos especiais eleitos pela controvérsia não apresentam qualquer distinguishing capaz de infirmar o posicionamento da Corte. Não houve alterações de fato ou de direito, uma vez que as modificações introduzidas pela LC 160/17 foram consideradas no julgamento do repetitivo.
Fazenda Nacional
Adicionalmente, como a Fazenda Nacional foi parte tanto no EREsp quanto no repetitivo (transitado em julgado), a decisão da controvérsia deve examinar se seus pedidos não se encontram cobertos pela coisa julgada. Nos termos do artigo 508, do CPC, uma vez transitada em julgado a decisão, consideram-se aduzidas e repelidas todas as alegações que a parte poderia ter apresentado. Assim, considerando que a superveniência da LC 160/17 foi apreciada no repetitivo, haveria eficácia preclusiva que impede a Fazenda Nacional de suscitar novamente esse fundamento perante a corte.
Mesmo que se alegue que os motivos da decisão não fazem coisa julgada, nos termos do artigo 504, I, do CPC, o fato de os créditos presumidos não estarem sujeitos aos requisitos legais integra tanto o dispositivo do repetitivo quanto a primeira tese fixada. Como já mencionado, o dispositivo determinou o retorno à instância de origem para que fosse verificado o cumprimento dos requisitos legais apenas no tocante aos demais benefícios fiscais, excluindo explicitamente os créditos presumidos, mais um fator que reforça a aplicação da coisa julgada.
Ainda que se descarte a existência de coisa julgada nesse ponto, os tribunais têm o dever de uniformizar a jurisprudência, garantindo sua estabilidade, integridade e coerência (artigo 926, CPC). Se os fundamentos apresentados nos recursos especiais da Controvérsia nº 576/STJ já foram analisados no Tema nº 1.182 e, diante da inexistência de alteração de fato ou de direito desde então, não há razão para submeter novamente o tema à sistemática dos repetitivos.
Caso, ainda assim, o tema seja afetado, tendo em vista o entendimento adotado à unanimidade no Tema nº 1.182, a conclusão natural seria o desprovimento dos recursos especiais. Qualquer decisão que implique o provimento desses recursos exigira um considerável esforço argumentativo, dadas as exigências de segurança jurídica, proteção da confiança e isonomia previstas no artigo 927, §4º, do CPC, além de demandar eventual modulação de efeitos em razão de alteração da jurisprudência dominante.
Em conclusão, a Controvérsia nº 576/STJ não deveria ser admitida, considerando a eficácia vinculante do Tema nº 1.182, cuja ratio decidendi se baseia na distinção entre créditos presumidos e demais espécies de benefícios. Tal distinção dispensa o atendimento a requisitos legais para a exclusão dos créditos presumidos, análise já realizada sob a ótica da LC 160/17.
Assim, como não há elementos novos que justifiquem a rediscussão do regime anterior da Lei nº 12.973/14 (sendo a análise do novo regime da Lei nº 14.789/23 pauta para discussões futuras), a tentativa de submeter novamente o tema à sistemática dos repetitivos encontra óbice na coisa julgada, além de contrariar a segurança jurídica, a estabilidade, a integridade e a coerência da jurisprudência.
[1] REsp nº 2.171.374 e REsp nº 2.171.329.
[2] “Desse modo, de acordo com a conclusão a que chegou a Primeira Seção naquela assentada, se mostra irrelevante a discussão a respeito do enquadramento do crédito presumido de ICMS como “subvenção para custeio”, “subvenção para investimento” ou “recomposição de custos” para fins de determinar essa exclusão. Por conseguinte, também decorre da compreensão firmada no ERESP 1.517.492/PR que são irrelevantes as alterações produzidas pelos arts. 9º e 10, da Lei Complementar n. 160/2017 (provenientes da promulgação de vetos publicada no DOU de 23.11.2017) sobre o art. 30, da Lei n. 12.973/2014, ao adicionar-lhe os §§ 4º e 5º, que tratam de uniformizar ex lege a classificação do crédito presumido de ICMS como “subvenção para investimento” com a possibilidade de dedução das bases de cálculo dos referidos tributos desde que cumpridas determinadas condições. Nesse sentido: REsp. n. 1.605.245-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25 de junho de 2019 e REsp n. 1.825.503/SC, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 13/10/2020.”
[3] “Em suma, ao crédito presumido de ICMS se aplica o disposto nos EREsp. n. 1.517.492/PR. Já aos demais benefícios fiscais de ICMS se aplica o disposto no art. 10, da Lei Complementar n. 160/2017 e no art. 30, da Lei n. 12.973/2014.”
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