Opinião

Método bifásico para arbitramento de indenização por danos extrapatrimoniais

Autores

  • é advogado pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Damásio e em Falências e Recuperação Judicial pela FGV.

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  • é doutoranda e mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) especialista em Direito do Consumidor pela Universidade de Coimbra em Direito Francês e Europeu dos Contratos pela Université Savoie Mont Blanc em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais pela UFRGS em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e advogada sócia do RMMG Advogados.

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3 de novembro de 2024, 15h23

O princípio da reparação integral insculpido no caput do artigo 944 do Código Civil, diretriz fundamental para a quantificação da indenização dos prejuízos de natureza patrimonial e extrapatrimonial [1], preconiza que “a indenização mede-se pela extensão do dano” [2]. Tal significa que a indenização a ser alcançada à vítima deve corresponder exatamente ao dano sofrido, nem mais, nem menos.

Quanto aos danos patrimoniais, ela corresponderá ao prejuízo devidamente demonstrado (danos emergentes e/ou lucros cessantes), mas, quanto aos danos extrapatrimoniais, diante da sua subjetividade e da dificuldade de demonstração da sua extensão, o arbitramento da indenização é tarefa mais complexa, tratando-se de grande desafio ao intérprete do Direito na seara processual.

Com o fim de tornar objetivo o arbitramento da indenização dos danos não patrimoniais, certas normas tentaram estabelecer limites indenizatórios máximos, a exemplo da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967), cujo artigo 51 fixa valores máximos a serem pagos pelos jornalistas profissionais em caso de dano decorrente de ato culposo por si praticado.

Outro exemplo é o artigo 223-G inserido na Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n.º 5.452/1973) pela Lei n.º 13.467/2017, o qual estabelece critérios para a fixação dos danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho e limita os valores indenizatórios a serem arbitrados.

Ambas as mencionadas tentativas de arbitramento foram inexitosas. Quanto à primeira, após a vigência da Constituição de 1988 (CF/1988), em razão do disposto nos incisos V e X do artigo 5º, os tribunais nacionais se posicionaram no sentido de que teriam sido derrogadas todas as restrições à plena indenização dos danos extrapatrimoniais.

Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça cristalizou tal entendimento na Súmula nº 281. Relativamente à segunda, o Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.050, definiu que os critérios de quantificação da reparação do dano extrapatrimonial insertos no artigo 223-G da CLT são meramente orientativos ao julgador, mas é plenamente constitucional o arbitramento indenizatório em valores superiores aos limites máximos fixados [3].

Método bifásico

Tais entendimentos vão ao encontro da recomendação inserta no artigo 953 do Código Civil no sentido de que o arbitramento do valor da indenização tem de ser equitativo, em conformidade com as circunstâncias do caso concreto. E é precisamente a partir dessa recomendação que o STJ passou a adotar, para a fixação da indenização por danos extrapatrimoniais, o chamado método bifásico, recomendando sua utilização aos magistrados em geral.

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Ao julgar o Recurso Especial nº 1.152.541 em setembro de 2011, a 3ª Turma da referida Corte de Vértice esclareceu de que maneira o método bifásico se aplica: em um primeiro momento (primeira fase), deve o julgador analisar decisões relativas a um mesmo interesse jurídico lesado e chegar ao valor médio de indenização arbitrado pelo tribunal a que está vinculado; posteriormente (segunda fase), tem de analisar as circunstâncias e aspectos específicos do caso concreto, tais como a gravidade da conduta antijurídica, o grau e a extensão do dano, a culpabilidade do causador do dano, eventual culpa concorrente da vítima e a condição econômica das partes, para, ao final, majorar ou minorar o valor delimitado na primeira etapa, chegando ao montante final [4]. Destaque-se que o relator do recurso é o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que procurou definir, no âmbito doutrinário, um critério razoável para a operação de arbitramento judicial da indenização por dano extrapatrimonial [5].

Em 2016, a 4ª Turma do STJ pontuou que a adoção do método bifásico acabou por uniformizar o tratamento da questão nas duas Turmas especializadas em Direito Privado. Segundo afirmou o ministro Luis Felipe Salomão, o método “parece ser o que melhor atende às exigências de um arbitramento equitativo da indenização por danos extrapatrimoniais, uma vez que minimiza eventual arbitrariedade de critérios unicamente subjetivos do julgador, além de afastar eventual tarifação do dano” [6]. Em decisões posteriores, a referida corte reafirmou tal conclusão [7], e, atualmente, ambas as Turmas integrantes da 2ª Seção utilizam o método bifásico para arbitrar o quantum indenizatório dos danos de natureza extrapatrimonial [8].

Efetivamente, o método bifásico parece ser aquele que melhor concretiza o princípio da reparação integral porquanto suas duas etapas possibilitam ao julgador uma análise detalhada de decisões prolatadas em casos semelhantes e, também, dos fatos subjacentes ao caso concreto, de sorte que o valor final arbitrado tem maiores possibilidades de efetivamente reparar o dano extrapatrimonial na sua exata extensão.

Sintonia do método com o CPC e didatismo

Outrossim, o método bifásico vai ao encontro do que disciplinam o caput e §1º do artigo 489 do Código de Processo Civil, os quais elencam, respectivamente, os elementos essenciais da sentença e as situações em que não se considera devidamente fundamentada uma decisão, merecendo destaque as seguintes hipóteses: quando a decisão (1) se limita a indicar, reproduzir ou parafrasear atos normativos sem explicar a sua relação com a causa ou a questão decidida; (2) emprega conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; ou (3) invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão.

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Ao utilizar o método bifásico, a decisão está mais propensa a atender às exigências de um arbitramento equitativo e, ainda, possibilita a adequada compreensão, pelas partes, dos fundamentos utilizados para a fixação do quantum indenizatório. Consequentemente, pode auxiliar na redução de interposição de recursos, já que a maior transparência e clareza na fundamentação, a partir da exposição do raciocínio adotado nas duas etapas de arbitramento da indenização, permite uma melhor reflexão nas possibilidades de êxito de reforma da decisão.

Apesar dos benefícios do método bifásico, sua aplicação ainda se mostra tímida no âmbito de certos tribunais brasileiros, que continuam a fundamentar os valores arbitrados com base nos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, na condição econômica das partes, no caráter pedagógico da indenização e na vedação ao enriquecimento sem causa.

Tais parâmetros, embora pertinentes, podem acabar por dificultar a adequada compreensão das razões de decidir do julgador, seja porque têm alto grau de abstração (podendo ser equiparados a conceitos jurídicos indeterminados), seja porque, muitas vezes, não há clara demonstração da sua efetiva aplicação concreta (constituindo motivos genéricos que se prestam a justificar qualquer decisão).

No mais, a ainda tímida — embora crescente — aplicação do método bifásico pode estar relacionada ao elevado número de ações judiciais cujo pedido consiste na indenização por dano extrapatrimonial. Tal questão pode acabar por dificultar a análise mais aprofundada e detalhada de cada situação concreta, ao passo que o uso dos parâmetros clássicos da proporcionalidade, razoabilidade, caráter pedagógico e condição econômica das partes, dentre outros, pode tornar o julgamento das causas mais célere, já que a fundamentação dispensa maiores detalhamentos das razões de decidir do julgador.

Contudo, esses critérios, ainda que pertinentes e que, à primeira vista, possam conferir mais agilidade ao trâmite processual, não devem ser utilizados de modo exclusivo, já que podem resultar no arbitramento inadequado do montante indenizatório e, consequentemente, levar à necessidade de interposição de recursos pelas partes.

Ao que tudo indica, o método bifásico, composto por duas fases distintas e complementares, parece ser o que melhor concretiza o princípio da reparação integral preconizado no artigo 944 do Código Civil, pois suas etapas possibilitam ao julgador uma análise detalhada de decisões prolatadas em casos semelhantes e, também, dos fatos subjacentes ao caso concreto, de sorte que o valor final apurado tem maiores possibilidades de reparar o dano extrapatrimonial na sua exata extensão, além de estar em consonância com decisões proferidas em situações similares.

Outrossim, considerando que assegura melhor compreensão do raciocínio aplicado na fundamentação, tem o condão de reduzir a interposição de recursos, assegurando, ao fim e ao cabo, maior celeridade processual. Por ser, portanto, vantajoso tanto para as partes quanto para o próprio sistema judiciário, sua utilização deve ser ampliada no âmbito dos tribunais brasileiros, e realizada desde a sentença.

 


[1] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral: indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 28.

[2] Segundo Miragem, o princípio da reparação integral orienta a responsabilidade civil no direito contemporâneo, obrigando o responsável a reparar todos os danos causados por determinada conduta que lhe é imputável (MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 337).

[3] Veja-se trecho da ementa: “[…] Os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e §1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superior aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 6050. Relator: Min. Gilmar Mendes. Brasília, 26 jun. 2023, DJe 17 ago. 2023).

[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1.152.541/RS. Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Brasília, 13 set. 2011, DJe 21 set. 2011.

[5] Sobre a questão, ver: SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da Reparação Integral: Indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 275-313.

[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. O método bifásico para fixação de indenizações por dano moral. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-10-21_06-56_O-metodo-bifasico-para-fixacao-de-indenizacoes-por-dano-moral.aspx. Acesso em 13 ago. 2024.

[7] Veja-se, a título exemplificativo: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt nos EDcl no REsp n.º 1.809.457/SP. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Brasília 20 fev. 2020, DJe 03 mar. 2020.

[8] Nesse sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n.º 2.069.520/RS. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Brasília, 13 jun. 2023, DJe 16 jun. 2023.

Autores

  • é advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Damásio e em Falências e Recuperação Judicial pela FGV.

  • é doutoranda e mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Francês e Europeu dos Contratos pela Université Savoie Mont Blanc, em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais pela UFRGS e em Direito Público pelo UniCeub e advogada.

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