Opinião

Desmistificação do cooperativismo no direito do trabalho

Autor

  • Yasmym Barbi da Silva

    é advogada pós-graduanda em direito do trabalho membro da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Santa Catarina e membro do Núcleo de Estudos Avançados de Direito do Trabalho e Socioeconômico da Universidade Federal de Santa Catarina.

29 de março de 2024, 11h22

A adaptação das formas de trabalho à modernidade resultou no surgimento de três novas modalidades de possibilidade de contratação de trabalhadores, sendo elas a terceirização, o teletrabalho e o conhecido “bico oficial”, o contrato intermitente.

Essas novas opções contratuais do empregador ensejam a idealização para que a classe se reúna em cooperativas.

Primordialmente, é intrínseco o entendimento de que o cooperativismo encontrasse contido na concepção da terceirização, trazida à legislação brasileira sob o advento da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), a qual assegurou a contratação de trabalhadores terceirizados na atividade-fim da entidade jurídica, autorização infraconstitucional que certificou o desempenho das flexibilizações na admissão laboral, como resposta à precariedade e à vulnerabilidade das relações empregatícias diante do cenário contemporâneo ao qual se encontravam empregadores e empregados.

As cooperativas de trabalho são estabelecidas como “a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho”, conforme redação do artigo 2º da Lei 12.690/12.

Uma das características principais do cooperativismo dentro dessas empresas é a forma democrática a qual são regidas, visto que entre seus membros há ausência de hierarquização, enfraquecendo a precarização das relações de trabalho, mencionadas anteriormente.

A ordenança da mão de obra no cooperativismo, como nova forma de relação de trabalho, busca atingir o princípio da equidade e inclusão dos colaboradores, afastando a discriminação.

A existência de cooperativas do trabalho é permitida e tende a ser cada vez mais estimulada. O cooperativismo como forma de relação de trabalho desmascara as fraudes nas relações empregatícias, agindo como remédio institucional ao desemprego e precarizações da atual conjuntura laboral.

A licença legal e jurisprudencial concedida à terceirização teve como reflexo a necessidade de aperfeiçoamento da regulamentação das cooperativas, as quais são reguladas pela Lei 12.690/12, que veda a contratação de cooperativas de trabalhadores para intermediação de mão de obra subordinada, protegendo a principal característica do cooperativismo, prestação de serviço para seus cooperados em prol destes, sendo esse o “produto” desta prestação de serviço. Com a finalidade de juntos atingirem seus propósitos comuns, afastando o intento ao lucro.

No tocante à regulamentação constitucional dessas sociedades cooperativas, encontramos na Constituição de 1988 o seu primordial princípio, liberdade de adesão, que é utilizado não somente para inclusão nesse regime laboral, mas também para regular o livre desligamento do sócio da cooperativa.  A Lei 5.76412 também elucida essa principiologia em seu artigo 4º, como princípio, a adesão voluntária, não impondo a limitação do número de associados.

Características do cooperativismo

Marcelo Camargo/Agência Brasil

As características elementares do cooperativismo são a autonomia e consequentemente a autogestão. Conforme já mencionado, o artigo 2º da lei especial que regula as cooperativas, Lei 12.690/12, as define como “a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão”.

Depreende-se, portanto, a qualidade e singularidade desses atributos, os que os difere da caracterização do vínculo empregatício, o qual possui requisitos objetivos, sendo ele em confronto, o da subordinação. É neste ponto que vemos a ambiguidade dessas duas formas de relação de trabalho.

As fraudes institucionais no mercado de trabalho vêm, infelizmente, se aperfeiçoando ao longo dos anos, utilizando-se das flexibilizações contratuais laborais para fomentarem a precarização da relação de emprego. Diante disso, as cooperativas foram mistificadas como fraudes e excluídas da participação no mercado voltado a prestação de serviços ao Estado (Piccini, 2004).

De acordo com o autor, o cooperativismo no passado e no presente ainda apresenta maior visibilidade, diante da sua resiliência em se adequar e adaptar-se a flexibilização e reestruturação produtiva, tendo como reflexo a preocupação quanto à precarização do trabalho.

“Portanto, as cooperativas sofrem dupla acusação, tendo por fulcro a suspeita de precarização das relações de trabalho: sustentam-se em uma estrutura que rompe ou torna subsidiário o vínculo empregatício; possibilitam a expansão da terceirização que fragiliza a condição do trabalhador, responsabilizando-o pelos riscos da prestação laboral e destruindo a perspectiva de estabilidade e direitos trabalhistas”. (Alcântara, 2014)

Diante desta legislação, a qual regulamenta as cooperativas, apesar do reconhecimento e concessão de benefícios paritários em alguns aspectos aos trabalhistas, os cooperados não devem ser confundidos com trabalhadores.

A execução de sua função e seus desempenhos divergem significativamente, ao passo que os primeiros possuem autonomia, não havendo hierarquização entre a classe, enquanto aqueles contratados através de vínculo empregatício carecem da característica intrínseca da relação de emprego, a subordinação.

A caracterização do vínculo empregatício encontra-se em sua base a presença de cinco requisitos, conhecido por estudantes, juristas, advogados e magistrado como “Shopp”, sendo eles, a subordinação, onerosidade, pessoalidade, pessoa física e habitualidade. É notório que o posicionamento dos tribunais pátrios versam sobre a existência ou não dos requisitos ensejadores do vínculo de emprego, para sua efetiva caracterização, os quais vão de antemão à prestação de serviço como cooperado.

Cooperado x trabalhista

É concluso que o cooperativismo exórdio das cooperativas não pode ser descrito dentro do contexto do modelo assalariado da empresa usual. Não há sobreposição entre o direito cooperativo e o direito trabalhista, quando a personalidade jurídica não possui empregados, apenas cooperados.

Mesmo diante desta vasta diferenciação, a maior preocupação englobada por esse sistema ainda trata da possibilidade de fraude. Exemplificando, existem duas formas do cometimentos dessas fraudes, uma empresa contrata a prestação de serviço de uma cooperativa visando a fraudar a legislação trabalhista, utilizando-se do dispositivo legal, artigo 442, parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho.

O qual preconiza que não há a existência de vínculo de emprego entre tomadores de serviços das cooperativas e os cooperados.  Ou uma empresa “contrata” empregados efetivamente subordinados, preenchendo todos os requisitos do vínculo empregatício, entretanto o enquadra como cooperado, para esquivar-se dos encargos trabalhistas e previdenciários.

É justamente neste ponto que a Lei 12.690/12 expressa a proibição da contratação de cooperativas de trabalhadores para intermediação de mão de obra subordinada.

O artificio a ser usado para diferenciar a atuação das cooperativas das fraudes institucionais comporta-se no fato de que a modalidade de terceirização deve ser investigada sob os princípios protetivos do direito do trabalho, “pois, apesar de ser declarada constitucional pelo STF, caso presentes os requisitos da relação de emprego, o vínculo laboral deve ser reconhecido em face do tomador de serviços, à luz do preceito celetista esculpido no artigo 9º da CLT, caso o cooperado assim deseje”. (Silva, 2018)

Dentre os requisitos do vínculo empregatício, que possibilita a constatação da existência ou não de fraude institucional, o que se sobressai é a o subordinação. Conforme mencionado, esse objetivo intrínseco rebate a autonomia e autogestão do cooperativismo como empreendimento solidário autogestionário.

Portanto, é possível diferenciar o cooperativismo das fraudes institucionais que possuem a finalidade de mascar o vínculo empregatício, partindo da análise, pelo Juízo competente, da existência ou não dos requisitos ensejadores do vínculo de emprego.

Sendo a subordinação o principal pressuposto a ser explorado, ao passo que esse, vem de antemão as características singulares das cooperativas como empreendimentos solidário autogestionários.

Autores

  • é advogada pós-graduanda em direito do trabalho, membro da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Santa Catarina e membro do Núcleo de Estudos Avançados de Direito do Trabalho e Socioeconômico da Universidade Federal de Santa Catarina.

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