Opinião

Contrato de trespasse: aspectos jurídicos e aplicações práticas

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  • é especialista em Direito Corporativo e Compliance pós-graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito graduada em Direito pela Universidade Católica de Santos sócia e advogada no escritório Pallotta Martins palestrante instrutora in company e autora de artigos e professora convidada para cursos e eventos.

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5 de março de 2024, 18h27

O contrato de trespasse é uma figura jurídica amplamente utilizada no âmbito empresarial, principalmente no contexto de transferência de estabelecimentos comerciais. Consiste na cessão de um estabelecimento empresarial, com todos os seus elementos corpóreos e incorpóreos, de forma onerosa ou gratuita, mediante contrato entre o cedente (alienante) e o cessionário (adquirente).

O contrato de trespasse apresenta algumas características específicas que o distinguem de outros tipos de contratos, tais como:

  • Complexidade: devido à transferência de um estabelecimento empresarial completo, o contrato de trespasse tende a ser mais complexo e abrangente do que outros contratos comerciais.

Aqui, é importante ressaltar que a transferência de direitos relativos ao fundo de comércio não se confunde com o contrato de trespasse, no qual ocorre a mudança completa da titularidade.

O trespasse envolve requisitos legais fundamentais, os quais devem estar presentes para conferir validade ao acordo e segurança aos envolvidos.

Estes requisitos incluem a notificação e consentimento dos credores, a averbação do contrato de alienação junto ao registro societário e a publicação oficial na imprensa, além da assunção temporária de responsabilidade solidária por débitos contabilizados, conforme previsto em lei.

  • Universalidade: o trespasse abrange todos os elementos corpóreos e incorpóreos do estabelecimento, incluindo bens tangíveis (móveis, imóveis, estoque) e intangíveis (clientela, marca, ponto comercial).

O Enunciado 59 da II Jornada de Direito Comercial estipula que “a mera instalação de um novo estabelecimento, em lugar anteriormente ocupado por outro, mesmo que no mesmo ramo de atividade, não implica responsabilidade por sucessão”.

Nesse contexto, a falta de evidências substanciais e de provas robustas relacionadas à mistura de patrimônios e estruturas societárias impede a presunção de sucessão empresarial.

  • Solidariedade passiva: o cedente e o cessionário podem ser responsabilizados solidariamente pelas obrigações anteriores à transferência do estabelecimento, a menos que haja acordo expresso em contrário.

De acordo com o Código Civil, o adquirente do estabelecimento é responsável pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que estejam regularmente contabilizados.

O devedor primitivo permanece solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir da publicação da transferência na imprensa oficial quanto aos créditos vencidos e da data do vencimento quanto aos outros.

  • Garantias e indenizações: o contrato de trespasse geralmente inclui cláusulas relativas a garantias e indenizações, visando a proteger os interesses das partes em relação a vícios ocultos, passivos trabalhistas, fiscais, entre outros.

O contrato de trespasse gera diversas consequências jurídicas, tanto para o cedente quanto para o cessionário, tais como:

  • Transferência de propriedade: o cessionário adquire a propriedade do estabelecimento empresarial, tornando-se responsável por sua gestão e atividades.

Em caso de estabelecimento locado, é relevante notar que o Conselho da Justiça Federal promulgou o Enunciado nº 234 durante a 3ª Jornada de Direito Civil, que estabelece que no caso de trespasse de um estabelecimento empresarial, o contrato de locação do respectivo ponto não é transferido automaticamente ao adquirente.

Portanto, deve haver manifestação de vontade por parte da locadora, conforme o disposto no artigo 13, caput, da Lei nº 8.245/1991,

  • Sucessão trabalhista: em caso de transferência de estabelecimento, o cessionário sucede o cedente nas obrigações trabalhistas, respondendo pelos direitos e deveres dos empregados anteriores.

  • Responsabilidade civil e tributária: o contrato de trespasse pode implicar na transferência da responsabilidade civil e tributária relacionada ao estabelecimento, sujeitando o cessionário às obrigações e eventuais litígios decorrentes da atividade empresarial.

No artigo 133 do Código Tributário Nacional: o adquirente, no trespasse, responde pelos tributos relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido devidos até à data do ato:

I — integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;
II — subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão;

  • Garantias e Indenizações: as partes podem estabelecer cláusulas de garantia e indenização no contrato de trespasse, visando a proteger-se contra eventuais prejuízos decorrentes de vícios ou responsabilidades ocultas do estabelecimento.

O contrato de trespasse é uma importante ferramenta jurídica no âmbito empresarial, permitindo a transferência de estabelecimentos comerciais de forma segura e eficaz.

Para sua validade e eficácia, é fundamental observar os requisitos legais e as características específicas dessa modalidade contratual, bem como prever as consequências jurídicas decorrentes da transferência do estabelecimento.

Assim, o contrato de trespasse representa uma alternativa viável para a continuidade e desenvolvimento de atividades empresariais, proporcionando benefícios tanto para o cedente quanto para o cessionário.

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