Penhora de valor irrisório para interrupção do prazo da prescrição intercorrente na execução
2 de março de 2024, 9h20
Um dos temas que ainda causam debate no processo tributário é a prescrição intercorrente. Antes, questionava-se a possibilidade da extinção do executivo fiscal a partir do referido instituto, questionamento esse que dividia opiniões.
A partir da publicação da Lei 11.051/2004, foi encerrada a discussão em razão da inclusão do §4º no artigo 40 da Lei 6.830/1980 — Lei de Execuções Fiscais (LEF) —, no qual houve previsão expressa da prescrição intercorrente.
Série de dúvidas
Com o fim de uma incerteza, inúmeras outras foram surgindo, como por exemplo: o início do prazo de suspensão de um ano do §1º do artigo 40 se dá a partir da decisão do magistrado ou de forma automática a partir da ciência da Fazenda Pública? E o termo inicial do prazo prescricional de cinco anos, começa a correr automaticamente após um ano? Entre tantos outros.
Para se garantir maior previsibilidade, o Superior Tribunal de Justiça em 31/8/ 2012 veio a afetar vários Temas (566, 567, 568, 569, 570 e 571) relacionados à temática, a partir do leading case REsp 1.340.553/RS, definindo, por exemplo, que é marco interruptivo para a prescrição intercorrente a efetiva constrição patrimonial (item 4.3 da ementa). Porém, deve se considerar qualquer valor para fins de interrupção?
Em 2011 foi realizada pesquisa pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a pedido do CNJ na qual se constatou, entre tantos outros dados, que um processo em primeiro grau na Justiça Federal custa aos cofres da União em média R$ 4,3 mil, com duração média de oito anos, dois meses e nove dias [1].
Em estudo mais recente do CNJ [2] em relação ao ano de 2021, o tempo médio de duração das execuções fiscais era de seis anos e 11 meses, sendo que da Justiça Federal era de nove anos e dez meses.
Por fim, no estudo do ano de 2022, elaborado pelo Insper, também em relação ao ano de 2021, foi verificado que entre os anos de 2018 a 2021, das inscrições em dívida ativa ajuizadas que vieram a ser encerradas, apenas 22% se deram em razão de pagamento (importante ponderar que boa parte foi em favor dos conselhos regionais), sendo que o restante ocorreu por outras causas como, a título exemplificativo, a prescrição intercorrente.
Prescrição intercorrente e o princípio da eficiência
Diante desse cenário de ineficiência, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) vem a se utilizar de outras estratégias para otimizar a satisfação do crédito fazendário, tal como a implementação do Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos (RDCC) — Portaria PGFN nº 396/2016 —, o ajuizamento parametrizado (Portaria PGFN nº 33/2018), a estipulação de valores mínimos para a inscrição em dívida ativa e ajuizamento de execuções fiscais (artigo 1º, I e II da Portaria do Ministério da Fazenda nº 75/2012) , o cancelamento de débitos inscritos em dívida ativa com valor inferior a R$ 100 ( artigo 18, §1º da Lei 10.522/02) e arquivamento de processos cujo valor for inferior ao valor determinado por ato da PGFN (artigo 20 da Lei 10.522/02).
Bloqueio de valores irrisórios
A prescrição intercorrente acaba por representar importante ferramenta na efetivação do princípio da eficiência do Poder Judiciário. Isso porque ela desafoga o sistema daqueles casos que evidentemente só estão a trazer prejuízos à sociedade. Daí se retorna ao questionamento inicialmente lançado: a penhora de qualquer valor deve ser considerada como marco interruptivo da prescrição intercorrente?
Imagine-se a situação em que uma causa de valor de R$ 1 milhão está a tramitar por mais de dez anos, em razão de morosidade cartorária, citação por edital, redirecionamento, entre outros, e que, de fato, não houve nenhuma penhora. E, após cinco anos da primeira tentativa frustrada de satisfação do crédito, ocorre o bloqueio de R$ 100 na conta do executado.
Pergunta-se: deve ocorrer a interrupção do prazo prescricional? É necessária a reflexão do que deve ser compreendido como “efetiva constrição patrimonial”, para além do claro impacto financeiro, já que a manutenção do feito por mais seis anos, em razão de um suposto proveito de R$ 100, evidentemente traria maiores prejuízos.
Nota-se neste caso que o valor bloqueado é irrisório em relação ao valor total do débito exequendo, eis que não garante sequer 1% do valor da execução, por conseguinte não sendo suficiente para cumprir a finalidade da execução fiscal.
A crítica que aqui se faz ao termo “efetiva constrição”, balizado pelo valor irrisório, não é uma tentativa de abertura semântica exacerbada para conferir ampla discricionariedade ao julgador.
O que aqui se pondera é que diante da possibilidade praticamente inexistente de satisfação integral ou pelo menos razoável do crédito fazendário, deve se colocar na balança os custos envolvidos para a manutenção do feito. Inegável que o vocábulo “valor irrisório” também detém um espectro interpretativo considerável.
O próprio Superior Tribunal de Justiça veio a apontar que honorários advocatícios arbitrados em valor inferior a 1% da demanda deveriam ser considerados como irrisórios (AgInt no REsp 1.475.220 / PR; AgInt no REsp 1.517.813 / RS). Não que a medida deva ser a anteriormente citada, porém, confere no mínimo um parâmetro que deve ser levado em conta na casuística.
O enunciado do artigo 836 do CPC/2015 (antigo art. 659, §2º, do CPC/1973) preceitua que não se levará a efeito a penhora, quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da própria execução. Nesse sentido é o entendimento do TRF-1 – 1030732-20.2021.4.01.9999; TRF-4 – 5012720-95.2019.4.04.0000; TRF-5 – 0000165-31.2007.8.15.0221; TRF-5 – 0503156-23.2007.8.02.0046.

Em que pese a previsão legal no sentido de que a efetiva constrição patrimonial ser apta a interromper a prescrição intercorrente, nota-se que previamente e/ou de forma conjunta deve ser considerado se o valor penhorado restará absorvido pelo valor do pagamento das custas da execução, sob pena de desfazimento da penhora, não havendo que se falar em existência de marco interruptivo.
Portanto, o artigo 40, § 3º da Lei 6.830 não será interpretado de forma isolada, sem previamente ser analisado se no caso de fato ocorreu a “efetiva constrição patrimonial” em consonância com os objetivos finais pretendidos no feito executivo, que é a satisfação do débito exequendo que resultará na extinção da execução.
Neste contexto, é pertinente destacar que também a garantia apresentada para fins de apresentação dos embargos à execução fiscal apesar de não precisar corresponder ao valor integral da execução, se efetivada a penhora em valor irrisório em relação ao valor executado, não se encontra seguro o juízo, ainda, que parcialmente, resultando na extinção dos embargos, com base no artigo 16, §1º da Lei 6.830, e por conseguinte, extinguindo sem resolução do mérito (REsp n. 1.446.727-PR).
Mais prejuízos do que benefícios
Partindo desta linha de raciocínio, se para fins de garantia para embargos não será levado a efeito a penhora, a mesma interpretação recai sobre os casos de penhora em valor irrisório frente ao valor da execução no curso do executivo fiscal, para fins de interrupção do prazo prescricional.
Para além disso, sob as lentes do texto constitucional, a compreensão de que a penhora de valores irrisórios deve ser considerada como efetiva constrição patrimonial, acaba por entrar em colisão direta com o princípio da eficiência (artigo 37, CF).
Assim volta-se à discussão inicialmente apontada sobre a viabilidade econômica das execuções fiscais de valor irrisório, tendo em vista que todo processo tem um custo para o Estado, e que muitas vezes esse custo acaba ultrapassando o valor a ser exigido na execução fiscal em trâmite. Será que haverá efetivo proveito econômico? Será que não existem outros meios alternativos para cobrança de créditos de valores mais baixos?
O que aqui se defende não é uma tentativa de criar subterfúgios ao devedor no processo executivo, mas sim enriquecer o debate diante da peculiaridade que é a penhora de valores irrisórios. A manutenção do feito diante dessa particularidade acaba por causar mais prejuízos do que benefícios. Para tanto, é de suma importância que a temática seja melhor explorada no Judiciário, devendo assim ser realizada uma análise mais pormenorizada diante do concreto, sem a aplicação automática e indiscriminada do REsp nº 1.340.553/RS.
[1] https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7862/1/RP_Custo_2012.pdf
[2] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022-1.pdf
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