Opinião

Acessibilidade e bem-estar climático em shows e eventos

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14 de maio de 2024, 17h17

Shows e eventos vão além do palco e dos artistas; incluem também a acessibilidade e a garantia de que todas as pessoas possam aproveitar plenamente do evento, independentemente de suas condições físicas.

Os altos preços de shows e eventos de entretenimento não devem ser o único motivo para justificar a necessidade de uma infraestrutura melhor, mas compreender que, para as empresas responsáveis pela organização desses eventos, existe uma obrigação legal de fornecer um serviço de qualidade e seguro, que ofereça conforto e bem-estar a todos aqueles que adquirem ingressos para desfrutarem de experiências e lazer no país.

Nesse contexto, o presente artigo tem por intuito apresentar a legislação pertinente e um recente caso notório de acessibilidade julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Acessibilidade e responsabilidade

Por definição, todos os fornecedores da cadeia de consumo devem assegurar padrões mínimos e adequados para o acesso a esses eventos, para que tudo ocorra sem maiores problemas, especialmente para pessoas com deficiência.

Nesse sentido, com o advento da Lei nº 13.146/2015 [1] ou chamado Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Inclusão tornou-se um princípio, fundamentado na dignidade da pessoa humana. O artigo 53 desta lei prevê que a acessibilidade é um direito às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida para que possam participar socialmente e exercer sua cidadania plenamente.

A mesma lei traz uma definição para acessibilidade no artigo 3º, inciso I. Vejamos:

“Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:

I – acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida;”

Pela ótica do Direito do Consumidor, é importante esclarecer que todas as partes envolvidas, incluindo as empresas incumbidas da organização e gestão dos eventos, compartilham igualmente a responsabilidade por quaisquer danos causados aos consumidores.

Assim, a responsabilidade objetiva, expressa no artigo 14, caput e § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor, é clara: “o fornecedor de serviços é responsável, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relacionados à prestação dos serviços”.

Nesse cenário, o Recurso Especial N° 1.912.548 – SP [2] trouxe um importante esclarecimento acerca da arguição de “fato exclusivo de terceiro” em situações como essa. O fato exclusivo de terceiro é uma excludente de responsabilidade aplicada quando o terceiro não possui qualquer relação com o fornecedor.

No caso em questão, uma pessoa com deficiência física adquiriu um camarote premium visando uma experiência melhor em show. Porém, ao chegar ao evento, enfrentou dificuldades de acesso tanto ao camarote quanto à entrada do local, devido à falta de rampas adequadas e banheiros adaptados para cadeirantes.

A ação por danos morais foi proposta contra a empresa responsável pela organização do evento. Embora o camarote — local onde ele assistiu ao show — seja operado por outra empresa, isso não exime a organizadora de responsabilidade, uma vez que ela era a responsável pela coordenação geral do evento.

Nas palavras da relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, “é a sociedade quem deve se adaptar, eliminando as barreiras físicas, de modo a permitir a integração das pessoas com deficiência ao seio comunitário”.

Dessa forma, a acessibilidade em eventos não é somente uma questão de cortesia ou boa vontade das organizadoras, mas sim um direito assegurado por lei.

Bem-estar climático

Diante das ondas de calor intensas registradas nos últimos anos no Brasil, a proteção do bem-estar climático se tornou uma preocupação no cenário de shows e eventos, principalmente após a passagem da cantora Taylor Swift no Rio de Janeiro e em São Paulo em novembro de 2023.

Taylor Swift

Os shows da artista foram marcados por sensações térmicas atingindo os 60° C, resultando na morte de uma fã, o que evidenciou e tornou urgente a necessidade de adoção de medidas para proteger a saúde do público em dias quentes.

Nesse sentido, o Ministério da Justiça, através da portaria nº 35, de 18 de novembro de 2023 [3], determinou estratégias à proteção da saúde dos consumidores em shows, festivais e quaisquer eventos especialmente expostos ao calor.

A medida, inicialmente válida por 120 dias, foi recentemente prorrogada por igual período. Uma das diretrizes de destaque é a exigência de que as empresas garantam o acesso gratuito a garrafas de água pessoais, bem como disponibilizem bebedouros ou distribuam embalagens com água adequada para consumo durante todo o evento. Vejamos o artigo 2º da referida portaria:

“Art.2º Nas circunstâncias descritas no artigo 1º, as empresas responsáveis pela produção dos eventos deverão:

I – garantir o acesso gratuito de garrafas de uso pessoal, contendo água para consumo no evento, devendo disponibilizar bebedouros ou realizar distribuição de embalagens com água adequada para consumo, mediante a instalação de ‘ilhas de hidratação’ de fácil acesso a todos os presentes, em qualquer caso sem custos adicionais ao consumidor;

II – garantir que tanto os pontos de venda de comidas e bebidas quanto os pontos de distribuição gratuita de água estejam dispostos em regiões estratégicas do local evento a fim de facilitar o acesso pelos consumidores, consideradas a estrutura física e a quantidade estimada de participantes; e

III – assegurar espaço físico e estrutura necessária para assegurar o rápido resgate de participantes do evento, em caso de intercorrências relacionadas à saúde e demais situações de perigo.

Parágrafo único. A produção deverá assegurar o acesso gratuito de garrafas, contendo água potável para consumo pelos consumidores, devendo fixar os materiais de que tais recipientes podem ser compostos, a fim de garantir a segurança e a integridade física dos participantes.”

É de se consignar que entendemos que a portaria nº 35/2023 visa, para além de proteger a saúde e vida dos consumidores, democratizar e viabilizar o acesso à água, a qual, nesses ambientes, é frequentemente comercializada por valores exorbitantes.

Por tudo, determinar a acessibilidade para todas as pessoas, independentemente de suas condições físicas, bem como garantir que os shows e eventos ofereçam medidas para enfrentar as condições climáticas é um direito consoante aos princípios expressos não somente no Código de Defesa do Consumidor, mas também na própria Constituição. Isso permite que todos possam ter acesso a vida cultural e social no país, sem comprometer sua saúde e segurança.

 


[1] LEGISLAÇÃO. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em: 2 maio. 2024.

[2] STJ – REsp: 1912548 SP 2020/0217668-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 04/05/2021, T3 – 3ª TURMA, Data de Publicação: DJe 07/05/2021

[3] DOS CONSUMIDORES EM SHOWS, E. E. D. À. P. DA S.; DE GRANDES PROPORÇÕES, F. E. Q. E.; PROVIDÊNCIAS., E. DÁ O. PORTARIA GAB-SENACON/MJSP No, DE DE NOVEMBRO DE 3. Disponível em: <https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/mjsp-edita-portaria-que-estabelece-estrategias-de-protecao-a-saude-dos-consumidores-em-grandes-eventos/portaria-35.pdf>. Acesso em: 2 maio. 2024.

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