Opinião

Linhas de transmissão e seus efeitos nefastos na Alta Mogiana

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28 de janeiro de 2024, 7h14

Uma das máximas mais conhecidas no âmbito popular acerca da ciência do Direito é, sem sombra de dúvidas, a expressão: “o direito não socorre os que dormem” (Dormientibus non succurrit jus).

Em outras palavras, aqueles que querem lutar pela tutela de seus direitos não podem deixar a tomada de decisões importantes e a adoção de medidas cruciais para “depois”, principalmente, quando a violação de seus direitos é iminente, razão pela qual providências pré-processuais são de todo recomendadas, como, por exemplo, a organização de documentos importantes, a confecção de laudos comprobatórios, entre outros subsídios que auxiliarão muito o jurisdicionado – e seu advogado, diga-se de passagem — quando o conflito judicial eclodir.

Servidões administrativas na Alta Mogiana
Pois bem, há algum tempo, as terras rurais da valiosíssima região da Alta Mogiana, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, têm sido alvo de empreendimentos vultosos, autorizados pelo serviço público federal, cujos efeitos são demasiadamente nefastos aos interesses dos produtores rurais, os quais terão suas propriedades – em grande parte, terras altamente produtivas – recortadas e limitadas com a imposição severa de servidões administrativas, restringindo o amplo direito de uso e gozo do imóvel rural.

A título de exemplificação, em nossa região está em vias de ser implementado um novo empreendimento para instalação de linhas de transmissão de energia de alta tensão (500kv) entre Nova Ponte (MG) e Araraquara (SP) (cf. Contrato de Concessão nº 07/2022-Aneel), cuja faixa de domínio poderá atingir até 128 metross de largura.

Sabe-se, pois, que aludido traçado terá aproximadamente 296 km e atingirá um número expressivo de municípios (Igarapava, Aramina, Buritizal, Ituverava, Guará, São Joaquim da Barra, Orlândia, Morro Agudo, Pontal, Pitangueiras, Sertãozinho, Jaboticabal, Guariba, Dobrada, Matão e Araraquara) [1], assim como atingirá centenas de propriedades rurais, tendo como efeito colateral um impacto absolutamente inestimável, sob os aspectos social, econômico e ambiental, tornando assim a região numa verdadeira “colcha de retalhos”.

Pegar ou largar
Infelizmente, no que concerne às negociações extrajudiciais entre o expropriante e o expropriado, o modus operandi adotado pela empresa concessionária do serviço público federal, com o devido respeito, chega a ser “trágicômico”, seja sob a ótica da legislação em vigor (cf. artigo 10-A – Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941 c.c. art. 3º, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil), seja sob a perspectiva ética, uma vez que não há nenhum esforço efetivo para realização de uma solução amigável e justa antes do ajuizamento das ações judiciais.

Isto é, na prática, o que ocorre é bem simples, mas não deixa de ser pernicioso, se não, vejamos: um representante de uma empresa terceirizada que, por sua vez, representa a empresa concessionária, faz um contato telefônico ou uma visita ao proprietário rural, apresenta alguns documentos sobre o empreendimento e diz o número correspondente ao valor da oferta – certamente, muito aquém do valor de mercado! – e aguarda ainda uma resposta positiva do surpreendido produtor rural.

Para piorar, o representante da empresa terceirizada já aduz aos ouvidos do novo expropriado, proprietário rural: “…esse é o preço final, é pegar ou aguardar para discutir na justiça.”.

Das duas, uma
Com essa inusitada apresentação da “oferta”, o amedrontado proprietário rural, geralmente, tem duas condutas.

A primeira, caso esteja precisando de recurso financeiro imediato, para socorrer suas contas bancárias, acaba por ceder à pressão do representante da concessionária e assina concordando com o valor da oferta. Aqui, portanto, o caso está encerrado.

A segunda, por sua vez, é aquela em que o proprietário rural tenta discutir o valor ofertado extrajudicialmente, com argumentos e dados convincentes, apresentando valores de mercado praticados na região, mas a resposta do então representante da concessionária é sempre a mesma: “…esse já é o valor final, não posso transigir, não tenho autorização”.

Aliás, na grande maioria das vezes, os representantes da empresa terceirizada não são os mesmos que acompanham a “negociação” até o final, ora “fulano” entra em contato por telefone, ora “beltrano”, via WhatsApp.

Tarde demais
Melhor dizendo, há uma enorme rotatividade entre os “negociadores”, deixando ainda mais confuso o já perturbado proprietário rural, o qual não sabe mais como proceder e como irá fazer para recuperar o grande prejuízo que se aproxima ao ter o uso de sua terra restringido e não ter ideia de como irá ficar o plantio daquela cultura que tanto investiu para produzir.

Não obstante, por questões culturais, o proprietário rural acaba deixando para depois para tomar as medidas cabíveis, ou seja, apenas após o recebimento da “carta de citação” – algumas vezes, já com o mandado de imissão de posse emitido em favor da concessionária, em decorrência do deferimento de medida liminar —, é que realmente passa o proprietário a visualizar a realidade de seu problema.

Daí porque, o proprietário rural não deve aguardar e deixar para o “último minuto” a tomada de decisões e diligências importantes, pois são tais providências que irão permitir que seu advogado desenvolva o melhor trabalho, principalmente, quando existirem questões mais complexas referentes à avaliação tanto da propriedade rural afetada, assim como do próprio cultivo que ali se encontra, como, por exemplo, a cana-de-açúcar.

Produtores de cana
Não há a menor dúvida de que o setor sucroalcooleiro será um dos mais afetados ante a imposição de inúmeras faixas de servidões no Estado de São Paulo, tendo em vista que várias propriedades rurais produtivas serão inexoravelmente divididas ao meio ou fracionadas, o que implica flagrante desvalorização do imóvel.

Além disso, como é cediço, o cultivo de cana-de-açúcar (dentre outras culturas) é expressamente vedado nas faixas destinadas à servidão para passagem de linha de transmissão de energia elétrica, por questões afetas à preservação da segurança, circunstância que acaba influindo negativamente na produção da principal fonte de renda de muitos agricultores do interior paulista.

Veja-se, portanto, que o novo empreendimento, que está em vias de ser implementado na região, interseccionará diversos municípios e, por via de consequência, fatiará centenas de propriedades rurais, restringindo o uso do solo nas largas faixas de servidão, sendo certo que o “valor da oferta” para fins de indenização, não condiz com a realidade mercadológica das valiosíssimas terras (roxas) paulistas.

Falta diálogo
Por derradeiro, não é demais ressaltar que se fosse fomentado o prévio e efetivo diálogo entre os principais setores da economia brasileira afetados – principalmente, entidades representativas do setor sucroalcooleiro —, ao ensejo da realização dos projetos e concessões pelo poder público, certamente, situações como a aqui retratada seriam evitadas e melhor solucionadas para todos os interessados.

Nesse sentido, caso houvesse uma efetiva comunicação entre os setores interessados e o Poder Público, uma das hipóteses de solução pacífica e mais profícua seria a unificação ou integração das futuras faixas de servidão nas servidões preexistentes na região, com aproveitamento útil do espaço afetado, como, por exemplo, a antiga faixa de servidão destinada a um poliduto que já atravessa esse território.

Sendo assim, a cobiçada região da Alta Mogiana tem sido alvo de severos e sucessivos empreendimentos, os quais estão sendo autorizados pelo administração pública federal, razão pela qual, caso não haja nenhuma mudança na esfera administrativa, caberá ao proprietário rural afetado adotar uma postura mais ativa e diligente no afã de, no mínimo, conseguir obter uma “justa indenização” perante o Poder Judiciário (cf. artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal c.c. artigo 40 do Decreto-Lei n. 3.365/41).


[1] https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/notas/2023/audiencias-publicas-da-linha-de-transmissao-500-kv-nova-ponte-3-2013-araraquara-2-c1-e-c2-cs-e-se-nova-ponte-3 . Acesso em: 23.01.2024

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