Contratações sustentáveis na nova Lei de Licitações: avanço necessário
20 de dezembro de 2024, 18h28
As contratações sustentáveis ganharam protagonismo na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLCA), que criou uma série de mecanismos e critérios, inclusive na fase de planejamento, para que a sustentabilidade seja protagonista, considerando aspectos ambientalmente amigáveis na definição do objeto a ser contratado na seleção do particular fornecedor ou prestador de serviços.
O principal objetivo desses novos mecanismos é justamente alinhar o maior contratante do país com os aspectos ambientais e sustentáveis do mercado, induzindo o comportamento de seus fornecedores e prestadores de serviços em direção à adoção e/ou preferência por processos produtivos/ comerciais e produtos/serviços menos poluentes e degradantes.
Analisando os aspectos legais da sustentabilidade nas contrações públicas, ressaltamos inicialmente o artigo 5º da Lei 14.133/21, que repete a Lei 8.666/93 e traz “desenvolvimento nacional sustentável” como um dos princípios a serem seguidos nos procedimentos licitatórios, vejamos:
DOS PRINCÍPIOS
Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
Ocorre que o desenvolvimento nacional sustentável não foi previsto apenas como princípio, como ocorreu com a Lei 8.666/93. Tal exigência se desdobrou em diversos artigos da nova lei, trazendo a necessidade dos órgãos pensaram o meio ambiente e a sustentabilidade em todos os momentos da licitação, notadamente na fase de planejamento, onde se escolhe a solução e realiza-se a sua descrição.
Desenvolvimento nacional sustentável
Nessa toada, o artigo 11 da NLLCA traz como objetivo do processo licitatório o próprio desenvolvimento nacional sustentável, atraindo para a licitação não apenas a compra de um produto ou na contratação de um serviço, mas também o próprio respeito ao meio ambiente e a sustentabilidade, vejamos:
DO PROCESSO LICITATÓRIO
Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:
I – assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;
II – assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição;
III – evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;
IV – incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.
Ato conseguinte, o artigo 34, §1º da NLLCA deixa claro que mesmo adotando o critério de menor preço, ou seja, aquele onde o órgão paga o menor valor ofertado pelos licitantes, o produto deve respeitar os parâmetros mínimos de qualidade — afinal, quem compra mal compra duas vezes! —, sendo um destes parâmetros o próprio impacto ambiental, trazendo a noção de que o meio ambiente precisa ser pensado independente de um certo aumento no valor do produto ou do serviço, na medida em que os custos indiretos (como a proteção do meio ambiente) deverão ser considerados para definição do menor dispêndio. Vejamos:
Art. 34. O julgamento por menor preço ou maior desconto e, quando couber, por técnica e preço considerará o menor dispêndio para a Administração, atendidos os parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação.
§ 1º Os custos indiretos, relacionados com as despesas de manutenção, utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental do objeto licitado, entre outros fatores vinculados ao seu ciclo de vida, poderão ser considerados para a definição do menor dispêndio, sempre que objetivamente mensuráveis, conforme disposto em regulamento.
Menor preço não é único critério de compra
Assim, como visto, segundo a nova lei, para os órgãos públicos não cabe somente comprar pelo critério de menor preço, posto que a própria lei determina que o produto ou o serviço atenda os parâmetros mínimos de qualidade, evitando produtos de má qualidade, que acabam por gerar ainda mais custo, ou que pela má-qualidade prejudique a administração diante da sua utilização, o que deve ser observado já na fase de planejamento, com o estudo técnico preliminar (análise de mercado e escolha da solução), termo de referência (descrição da solução) e na cotação de preços (precificação da solução).
Ainda, o artigo 34 da NLLCA ressalta justamente a ideia de que, mesmo no critério de menor preço, o impacto ambiental deve ser considerado, sendo que, no caso em concreto, estamos falando da inclusão de exigências que respeitem a tragam menos agressão ao meio ambiente na sua utilização e descarte.
Nesse sentido também ressalta a doutrina do professor Joel de Menezes Niebuhr, vejamos:
A sustentabilidade tem sido compreendida de maneira amplíssima, não restrita ao aspecto ambiental. Tornou-se, do modo como vem sendo posta, espécie de amálgama de diversos vetores que remetem ao interesse público, quiçá, para essa visão, seja a própria representação do interesse público.
(…)
A sustentabilidade, sob o viés ambiental e ecológico, pode repercutir nas licitações de diversas maneiras. As principais são: (i) em relação às especificações do objeto da licitação e do futuro contrato; (ii) no tocante a requisitos de habilitação; (iii) quanto aos critérios para avaliar a proposta mais vantajosa; e (iv) no que tange à previsão de preferências. [1]
Ademais, o estudo técnico preliminar, documento obrigatório em quase todo procedimento licitatório e que tem por objetivo apontar a necessidade, as soluções de mercado e a melhor solução, prevê expressamente a necessidade do órgão de apontar o impacto do produto no meio ambiente e as suas medidas mitigadoras, na tentativa de forçar o pensamento nas medidas sustentáveis — ou mitigadoras — no momento da escolha do produto ou serviço, vejamos:
Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:
§ 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos:
XII – descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável;
Prova de qualidade do produto
A propósito, o inciso III do artigo 42 da Lei nº 14.133/2021 admite que a prova de qualidade do produto apresentado por licitantes seja empreendida por meio de “certificação, certificado, laudo laboratorial ou documento similar que possibilite a aferição da qualidade e da conformidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental, emitido por instituição oficial competente ou por entidade credenciada”.

Com esse espírito, o artigo 45 da Lei nº 14.133/2021 exige também que as obras e serviços de engenharia respeitem as normas relativas à:
I – disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos gerados pelas obras contratadas;
II – mitigação por condicionantes e compensação ambiental, que serão definidas no procedimento de licenciamento ambiental;
III – utilização de produtos, de equipamentos e de serviços que, comprovadamente, favoreçam a redução do consumo de energia e de recursos naturais;
IV – avaliação de impacto de vizinhança, na forma da legislação urbanística;
V – proteção do patrimônio histórico, cultural, arqueológico e imaterial, inclusive por meio da avaliação do impacto direto ou indireto causado pelas obras contratadas.
Por fim, a jurisprudência do próprio Tribunal de Contas da União, no Acórdão 1375/2015, prevê a necessidade dos órgãos de adequarem aos critérios de sustentabilidade, desde que motivados, mesmo que isto reflita num aumento dos valores na hora da contratação, como forma de garantir a aplicação e cumprimento das políticas públicas ambientais que devem ser perquiridas pelo Estado, vejamos:
É legítimo que as contratações da Administração Pública se adequem a novos parâmetros de sustentabilidade ambiental, ainda que com possíveis reflexos na economicidade da contratação. Deve constar expressamente dos processos de licitação motivação fundamentada que justifique a definição das exigências de caráter ambiental, as quais devem incidir sobre o objeto a ser contratado e não como critério de habilitação da empresa licitante. [2]
Portanto, como visto, as contratações sustentáveis ganharam forte protagonismo com o advento da Lei 14.133/21, tornando-se um dos objetivos do processo licitatório e exigindo a sua análise pela administração pública desde a fase de planejamento das contratações, sobretudo no Estudo Técnico Preliminar, além de possibilitar aos fornecedores que possuem produtos ou serviços menos poluentes e degradantes um excelente diferencial competitivo, notadamente em um mercado tão competitivo.
____________________________
Referências
[1] Niebuhr, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo (p. 412). Fórum. Edição do Kindle.
[2] Acórdão 1375/2015. Tribunal de Contas da União-Plenário.
[1] Niebuhr, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo (p. 412). Fórum. Edição do Kindle.
[2] Acórdão 1375/2015. Tribunal de Contas da União-Plenário.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!