Tema 725 e a prevalência das decisões do STF sobre terceirização
7 de agosto de 2024, 7h03
O Tema 725 de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal surgiu após o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324 e do Recurso Extraordinário (RE) nº 958.252, que abordou a licitude da terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, ainda que para atividade-fim da empresa, sem o reconhecimento de vínculo empregatício:
“Tema 725: É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.”
A ata de julgamento do Tema 725 de Repercussão Geral do STF foi publicada em 4 de dezembro de 2023. Assim, a fim de se verificar qual é o posicionamento do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) quanto ao tema “pejotização”, foi feita uma busca de jurisprudência com as palavras chaves “pejotização” e “vínculo de emprego” na qual foram encontradas 274 decisões, das quais 153 ainda reconheceram o vínculo de emprego, afastando o contrato por prestação de serviços. Sendo assim, foi possível afirmar que há uma resistência do TRT-2 ao novo entendimento do STF, já que apenas em 121 dos julgados pesquisados o vínculo foi afastado.
Empregado hipersuficiente
Contudo, ainda que o entendimento do e. tribunal da 2ª Região pareça dividido, há de se ressaltar que em casos em que o colaborador é enquadrado como empregado hipersuficiente, o posicionamento em manter o contrato por prestação de serviços prevalece.
Vale citar, inclusive, o trecho de decisão recente que trata o tema e que fora analisado:
“Ainda, a prestação de serviços por meio de pessoa jurídica decerto pode atender aos anseios do trabalhador. Isso porque ele mantém a liberdade para se ativar em outras empresas, a atuação como empresário gera melhores ganhos e oportunidades e a tributação sobre os rendimentos da Pessoa Jurídica implica em menores alíquotas.
O entendimento moderno da doutrina é que o princípio da proteção deve ser relativizado, mormente nos contratos em que se verifica a inexistência de hipossuficiência do trabalhador, como no caso em apreço.
Vale dizer que o reclamante é pessoa esclarecida, formado em análise de sistemas com nível superior e auferia rendimentos superiores à grande maioria da população brasileira (R$ 18.900,00), o que o coloca em patamar diferenciado dos demais trabalhadores.
Fica evidente a intenção do reclamante em aliar o melhor dos dois mundos: ter remuneração diferenciada, acima da média da maioria absoluta dos trabalhadores brasileiros e, ainda assim, pretender ser reconhecido como empregado para auferir outras verbas que não faria jus.
A postura do trabalhador esbarra no assim denominado ‘princípio da proibição de comportamento contraditório’ (venire contra factum proprium), pelo qual se espera que as partes sejam fiéis ao que foi contratado de livre e espontânea vontade por elas.”
(TRT da 2ª Região; processo: 1000680-73.2023.5.02.0068; data: 21-03-2024; Órgão Julgador: 9ª Turma – Cadeira 1 – 9ª Turma; relator(a): ALCINA MARIA FONSECA BERES)
Não se trata de uma decisão isolada. Destaca-se também outra decisão que menciona, inclusive, o posicionamento do STF, em que o vínculo é afastado, uma vez que o profissional foi considerado hipersuficiente:
“A jurisprudência recente do E. Supremo Tribunal Federal é no sentido de que, nos casos que envolvem a contratação mediante pessoa jurídica, para a verificação da existência da relação de emprego, deve-se observar se o trabalhador é hipossuficiente ou hipersuficiente.
Isso significa que, de acordo com o E. STF, deve ser analisado se, no caso concreto, o trabalhador enquadra-se dentro dos moldes tradicionais de proteção trabalhista ou se é indivíduo capaz de decidir seus próprios interesses com autonomia.
E, no caso concreto, o autor possuía plena autonomia para contratar na forma que melhor atendesse aos seus interesses, pois se trata de profissional altamente gabaritado e extremamente bem remunerado, motivo pelo qual não é caso de vínculo de emprego. E mais, penso eu que, no caso concreto, a contratação do reclamante, via pessoa jurídica, embora tenha perdurado por alguns anos, teve por objeto a criação e funcionamento de sistema muito complexo para que a reclamada pudesse possibilitar aos seus clientes a realização de operações na Bolsa de Valores (…)”
(TRT da 2ª Região; Processo: 1001526-96.2019.5.02.0079; Data: 02-05-2024; Órgão Julgador: 15ª Turma – Cadeira 5 – 15ª Turma; Relator(a): JONAS SANTANA DE BRITO)
Sendo assim, é possível afirmar o posicionamento favorável à manutenção do contrato de prestação de serviços quando o colaborador se enquadra no que a doutrina e a jurisprudência chamam de hipersuficiente.
Prevalência
Outro ponto relevante é a natureza vinculante do Tema de Repercussão 725 julgado pelo STF que, necessariamente, deve ser acatado pelos tribunais inferiores.

Veja que recente decisão do ministro Dias Toffoli, anulou acórdão do mesmo tribunal analisado que reconhecia vínculo empregatício da assessora de comunicação com o Siaesp, que suspendeu a execução provisória em torno de R$ 1 milhão.
Após ter o vínculo de emprego reconhecido em segunda instância, a Siaesp apresentou reclamação constitucional no STF, argumentando que a decisão do TRT era contrária à autoridade do Supremo, violando aquilo que estabelece o Tema 725.
Destaca-se os trechos da decisão abaixo:
“(…)
Há, ainda, precedentes do STF nos quais o julgado na ADPF nº324 e a tese do Tema nº 725 RG justificaram a procedência da reclamação para afirmar a licitude do fenômeno da contratação de pessoa jurídica, ainda que unipessoal, para prestação de serviço a empresa tomadora de serviço, destacando-se não apenas a compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa na terceirização do trabalho assentada nos precedentes obrigatórios, como também a ausência de condição de vulnerabilidade na opção pelo contrato firmado a justificar a proteção estatal por meio do Poder Judiciário, reconhecendo o vínculo empregatício.
(…)
Pelo exposto, nos termos do art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno desta Suprema Corte, julgo procedente a presente reclamação para cassar a acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, nos autos do Processo nº 1001342-65.2021.5.02.0049, devendo a autoridade reclamada proceder a nova análise dos autos, à luz dos precedentes do STF de observância obrigatória e da decisão na presente reclamatória e, por consequência, determino a 49ª Vara do Trabalho de São Paulo que se abstenha de promover qualquer ato executório no âmbito do CumPr Se nº 1000598-22.2024.5.02.0031.”
(STF, Rcl 69.405, ministro relator: DIAS TOFFOLI, julgado em 27-06-2024, DJ 01-07-2024)
Já em abril houve outra decisão do TRT-2, também cassada pelo Supremo, veja-se:
“Entretanto, diante da decisão do STF “nos termos do art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno desta Suprema Corte, julgo procedente a presente reclamação para cassar o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, nos autos do Processo nº 1001171-09.2020.5.02.0061, devendo as autoridades reclamadas procederem a nova análise dos autos, à luz dos precedentes do STF de observância obrigatória e da decisão na presente reclamatória, e diante da decisão do agravo regimental do Ministério Público que resultou na seguinte EMENTA:
‘Agravo regimental em reclamação. Tema nº 725 da Repercussão Geral (RE nº 958.252) e ADPF nº 324. Contrato de prestação de serviços firmado pela empresa agravada e por pessoa jurídica formada por profissional autônomo. Existência de aderência estrita entre o ato reclamado e os paradigmas da Corte. Agravo regimental não provido.1. O tema de fundo referente à prestação de serviços na atividade-fim da empresa contratante por pessoa jurídica formada por profissional autônomo, por se relacionar com a compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa, revela aderência estrita com a matéria tratada no Tema nº 725 da Sistemática da Repercussão Geral e na ADPF nº324.2. Agravo regimental não provido.’
Só resta, ressalvando meu humilde entendimento pessoal, reconhecer a validade do contrato firmado entre as partes como pessoas jurídicas, o que a luz do disposto na decisão do Tema 725 do STF, repele o reconhecimento de contrato de trabalho; reconhecer que o reclamante apenas providenciou a constituição da pessoa jurídica porque era de seu interesse pessoal e que estava ciente das condições da contratação desta forma, as quais aceitou porque lhe era conveniente, e julgar improcedente a presente reclamatória.
Reformo a sentença de primeiro grau quanto ao reconhecimento do contrato de trabalho.” (TRT da 2ª Região; processo: 1001171-09.2020.5.02.0061; Data: 04-04-2024; órgão julgador: 1ª Turma – Cadeira 2 – 1ª Turma; relator(a): MARIA JOSE BIGHETTI ORDONO)
Uniformização
Na mesma esteira, em sentença publicada em 28 de junho de 2024, o magistrado da 3ª Vara de São Caetano do Sul, se declarou incompetente para julgar a demanda, uma vez que versava sobre contrato de prestação de serviços, citando a necessidade de uniformizar o tratamento das decisões, bem como buscar segurança jurídica e obediência judicial:
(…)
“Ocorre que o STF vem reconhecendo, de forma reiterada, em lides que envolvem a discussão do preenchimento dos requisitos exigidos pela Lei nº11.442/2007, que o exame preliminar da natureza jurídica da relação das partes (prestador e tomador dos serviços), é da competência da Justiça Comum, sendo da Justiça do Trabalho apenas a competência residual (p.ex. Reclamação Constitucional58.069).
(…)
Ou seja, o STF vem definindo a competência considerando-se a natureza da relação jurídica da pretensão demarcada pelo contrato formal entabulado pelas partes, em razão da Tese fixada no Tema 725 da Tabela de Repercussão Geral (licitude de toda e qualquer forma de divisão de trabalho), de observância obrigatória.
(…)
POSTO ISSO, ressalvando entendimento pessoal em sentido contrário, para uniformização de tratamento, segurança jurídica e obediência judicial, nos termos dos arts. 64, § 1º, e 927, ambos do CPC, a preliminar de ACOLHO incompetência absoluta para declarar a incompetência desta Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente ação, e determinar a remessa dos autos ao setor de Distribuição da Justiça Comum desta cidade, com as cautelas de estilo e nossas homenagens.”
(3ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul, ATOrd 1000385-48.2024.5.02.0473, juiz Pedro Rogerio dos Santos, julgado em 27-06-2024, DJ 28-06-2024)
Indicativo
Portanto, começa-se já na primeira instância a se perceber uma movimentação para que seja acatada a ilegitimidade da Justiça do Trabalho para discutir contratos de prestação de serviços, ainda que sob o fundamento de relação de emprego, uma vez que reconhecida a licitude de qualquer forma de divisão de trabalho.
Isto é, mesmo que seja cedo para se ter uma posição solidificada nas decisões do Tribunal Regional da 2ª Região quanto ao afastamento do vínculo empregatício por contratações de pessoas jurídicas, tem-se percebido uma movimentação para que se unifique o entendimento, obedecendo o posicionamento do STF.
Caso as esferas inferiores mantenham a afronta ao Tema 725, é possível cassar as decisões contrárias com a impetração de reclamação constitucional junto ao STF como vem acontecendo nos últimos meses, com a Suprema Corte anulando decisões que não acatam a natureza vinculante do atual posicionamento.
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