Opinião

A entrevista do ministro Gilmar Mendes e o tamanho da Justiça do Trabalho

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11 de abril de 2024, 11h22

O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal, em entrevista à esta ConJur, afirma que nos próximos dez anos será necessário discutir o tamanho da Justiça do Trabalho, levando em conta a possibilidade de parte das ações que discutem as novas relações de trabalho passar a ser de atribuição da Justiça comum.

Entende o ministro Gilmar que talvez esteja essa Justiça superdimensionada, dando como exemplo o acidente de trabalho que ficaria na Justiça do Trabalho e ficou na competência da Justiça comum.

Esclarece a ConJur que essa declaração chega em um momento de crescente tensão entre o Supremo e o Tribunal Superior do Trabalho, por causa de decisões sobre o vínculo empregatício de motoristas e entregadores com plataformas como Uber e iFood, pois, enquanto o Supremo entende que não há vínculo, a Justiça do Trabalho muitas vezes decide em sentido oposto.

Na entrevista, o ministro também citou o grande número de ações em curso no país e expressa que ainda há muitas reclamações sobre terceirização que chegam ao STF, embora a corte já tenha pacificado a possibilidade de atuação dos terceirizados em atividade-fim.

E diz o ministro que a grande pergunta no futuro será qual o órgão judicial que vai decidir esses conflitos que virão, não mais das relações de emprego, mas das relações de trabalho em geral, como, por exemplo, o que chamam de uberização.

Ponderações

Na entrevista, o ministro Gilmar Mendes, com seu profundo conhecimento e experiência, trata de outras questões de alta relevância, inclusive o uso técnico da inteligência artificial. Mas no que concerne à Justiça do Trabalho, como advogado há mais de 50 anos nessa Justiça, faço algumas ponderações sobre a matéria vinculada no texto.

No que concerne ao acidente de trabalho, a Constituição em vigor, no seu artigo 109, I, excepcionou expressamente a competência da Justiça Federal para processar e julgar as causas desse tipo de acidente.

Spacca

Houve então conflitos relevantes sobre a competência ser da Justiça do Trabalho ou da Justiça comum, sendo que o Superior Tribunal de Justiça entendeu que não havia questionamento sobre relação de trabalho, mas sim uma ação indenizatória, sendo competente a Justiça comum, o que gerou a Súmula 363 do STJ, como também ficou expresso na Súmula 235 do Supremo Tribunal Federal,

Na verdade, nesse caso não houve uma perda de competência da Justiça do Trabalho, mas uma apreciação judicial de interpretação da existência ou não da relação de trabalho, firmando-se a competência da Justiça comum para apreciação da matéria.

Quanto aos motoristas e entregadores de plataformas como Uber e iFood, realmente são questões novas, com formas de atuação diversa dos demais trabalhos que estamos acostumados a ver regulamentados tanto no Brasil como nos demais países.

A Justiça do Trabalho, como decorre de uma proteção judicial ao economicamente mais frágil, pretende certamente que esses trabalhadores tenham proteções, certamente que não as mesmas dos demais empregados porque atuam de forma diferenciada, mas que sejam por ela protegidos.

Já o STF considera, e são poucas as decisões sobre a matéria, que não há uma relação de emprego caracterizada, existindo certamente um vácuo do poder legislativo necessário a regulamentar a matéria, não havendo assim um conflito de poderes sobre uma matéria que nem sequer tenha sido ainda objeto de regulamentação legislativa.

Terceirização, reclamações e fraudes

Relativamente à terceirização — e posso afirmar com relevante conhecimento porque obtive êxito no Supremo após sete anos em defesa de sua validade, inclusive na atividade-fim —, muitos magistrados trabalhistas ainda mantêm o entendimento que já estaria jurisprudencialmente formado em todos os Tribunais Regionais do país e no próprio TST, segundo o qual não seria cabível a terceirização em determinadas atividades. Daí o número de reclamações ao Supremo, que certamente decairá com a maciça jurisprudência da Corte Suprema.

Acontece, porém, que é necessário também que o STF aprecie com maior profundidade determinadas reclamações, porque existem mesmo contratações fraudulentas que devem ser efetuadas.

Exemplificando: uma grande empresa cria uma outra terceirizada, sem qualificações necessárias para responder aos direitos dos empregados que por ela são contratados para trabalhar na empresa criadora, e isso ainda existe.

Esses terceirizados na verdade são empregados da empresa principal, havendo uma fraude na criação dessa terceirizada.

Ora, verificada essa fraude, não cabe à Justiça do Trabalho, apenas porque o empregado se diz terceirizado, não responsabilizar a empresa que o contratou de forma fraudulenta. Nesses casos, é preciso que se aprecie a realidade fática do processo, não cabendo ao STF deixar de estar atento à realidade e julgar apenas pela forma.

Da mesma maneira, nos contratos de pessoas jurídicas PJ, que são considerados válidos pela Suprema Corte, muitos são realmente válidos, mas existem os empregadores que só admitem o empregado se ele criar uma pessoa jurídica, ainda mais na atualidade, em que é possível criar uma pessoa jurídica individual.

Volto então à tese que me parece ser válida, segundo a qual se deve fazer a distinção entre conflitos atuais entre o TST e o STF: o trabalho, na Justiça do Trabalho, deve ser apreciado pela realidade fática existente no processo e não pela forma de sua constituição contratual.

Existem milhares de ações trabalhistas, mas também um elevado número de acordos nas conciliações criadas em Centros Especializados na Justiça do Trabalho de Métodos Consensuais, atualmente dirigidos pelo ministro Aloysio Veiga, sendo a Justiça que talvez arrecade o maior número de custas para o país, bem como valores elevados para a Previdência Social.

É bom lembrar também que o volume de processos na Justiça do Trabalho, em sua maioria, decorre da inadimplência de empregadores que não pagam corretamente os direitos existentes, porque, teoricamente, se todos pagassem o que devem nem mesmo precisaria existir essa Justiça.

Finalmente, a Constituição de 1988 alterou a competência da Justiça do Trabalho ampliando-a de forma significativa, pois antes era competente para atuar em conflitos entre empregados e empregadores, sendo que no atual artigo 114 passou a ter competência para apreciar todas as relações de trabalho e não só de emprego, o que me parece não estar sendo visto corretamente pelos poderes competentes.

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