Opinião

Restabelecer a verdade na greve da Faculdade de Direito da USP

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29 de setembro de 2023, 11h09

As alunas e alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo estão em greve! Não só nós, mas também discentes de importantes cursos da USP, como Poli, FFLCH e ECA. Em conjunto, demandamos a contratação de professores e mais investimentos em uma universidade na qual o potencial de geração de conhecimento está estagnado pelo duro regime fiscal imposto por seus dirigentes.

Na luta política, em momentos de ascensão das organizações populares, sobretudo naqueles nos quais o instrumento de pressão utilizado pelos de baixo é a greve, se desprendem do falso manto de progressismo os indivíduos mais arraigados em seus privilégios sociais.

XI de Agosto
XI de Agosto

Geralmente, a reação ocorre a partir de uma ferrenha oposição ao movimento grevista, com ataques coordenados contra aqueles que buscam movimentar uma estrutura institucional marcada pela desigualdade. O que acontece hoje contra os grevistas da Faculdade de Direito da USP aconteceu em face dos chilenos, em 1973, e segue ocorrendo cotidianamente contra os movimentos sociais em todo o mundo.

Do alto dos seus escritórios de advocacia envidraçados ou de dentro de gabinetes jurídicos financiados pelo povo, alguns professores acusam os alunos grevistas de intolerância, violência e intransigência. E pior: tentam dividir o corpo discente ao espalhar mentiras acerca de suposto vandalismo e de falsas ameaças de agressão contra os indivíduos contrários à greve.

Do muito que é dito por eles, pouco se fala das demandas reais do movimento: a contratação de professores, mais recursos para a permanência estudantil e a adoção de um programa de medidas que adeque a USP à nova realidade do seu corpo discente que, após anos de luta política, atinge o seu ápice de força reivindicatória, causando medo naqueles que querem que tudo mude para que tudo continue igual.

Contra aqueles que espalham mentiras é preciso restabelecer a verdade: não há qualquer ato de vandalismo em curso. Cabe a quem acusa os estudantes disso denunciar a atual diretoria, haja vista que a direção possui completo acesso ao edifício da Faculdade e, portanto, teria prevaricado ao não impedir que o patrimônio público fosse destruído. Se não o fez é porque não houve qualquer tipo de ação violenta por parte dos estudantes.

Da parte desses, parece causar mais constrangimento cadeiras empilhadas em um piquete do que o fato da evasão universitária entre alunos negros da USP ser 9% maior do que entre os alunos ingressantes por ampla concorrência. Além da própria dificuldade em justificar o fato da USP acumular 5,7 bilhões em caixa enquanto suas faculdades estão em pedaços.

Vigilantes terceirizados, pós-graduandos, alunos contrários e favoráveis à greve, funcionários e professores são livres para circular no edifício. Esses últimos, só são impedidos de dar aula, mas não por qualquer imposição violenta de barricadas e de alunos, mas sim por uma decisão soberana dos estudantes em iniciar uma greve com 606 votos a favoráveis e apenas 8 votos contrários.

Os rivais da greve não querem os estudantes em movimento, mas sim parados à espera da eterna promessa de melhorias ou das migalhas da iniciativa privada que, a partir de ações de caridade, é apontada como o Santo Graal de todos os problemas da USP.

E, a partir da infiltração de recursos privados, busca-se conquistar a cabeça e corações de cada estudante negro e pobre que conquistou o acesso à universidade. Exclui-se o pensamento crítico em substituição à internalização dos interesses do mercado. Em um esquema simples: se é o mercado que nos salva hoje, é o mercado que nos salvará amanhã.

No corpo docente, parcela considerável é bolsonarista, de esclarecidos ou não. Da parte deles, o desejo de servir ao regime como "homens de Estado" levou muitos a participarem do governo fracassado de Jair Bolsonaro. Floriano Marques de Azevedo, no entanto, nunca ousou em nomeá-los com o que de fato são: a parcela ilustrada dos terroristas que atacaram Brasília.

Ouvir de Azevedo, em um contexto de greve, que os alunos grevistas se equivalem aos terroristas do 8 de janeiro é a maior das falsificações que se pode impor à discussão política. É um argumento inócuo e desesperado. Fruto de um corporativismo docente covarde.

Primeiro porque não há qualquer grau de destruição ao patrimônio. Não que isso signifique que somos convenientes às dezenas de homenagens a ilustres escravistas e burocratas presentes nas paredes do prédio histórico. Pelo contrário, nosso compromisso é com a mudança, não com a perpetuação de violências simbólicas.

Segundo que, do nosso ponto de vista, são mais semelhantes aos extremistas de direita os apologistas do neoliberalismo econômico e jurídico que apoiaram a conjuntura econômica que levou à ascensão do fascismo no Brasil e a sua vitória eleitoral. Dito isso, fazemos o esforço de reposicionar quem nos acusa no campo correto desta disputa: hoje, quem se alinha ao bolsonarismo mais uma vez, por serem contra a greve, são vocês, não nós.

Quanto ao ufanismo franciscano, primeiro aspecto ideológico elencado pela oposição docente, que anuncia a Faculdade de Direito da USP como vanguarda iluminista na defesa das liberdades democráticas, uma leitura atenta e contra-hegemônica da história é capaz de causar a derrocada dessa pretensão.

Como setor responsável pela reprodução da ideologia jurídica e da sustentação burocrática do Estado, a Faculdade de Direito da USP sempre cumpriu bem a sua função. É por isso que setores docentes reivindicam tanto um suposto passado ilustrado de glórias, nas quais as violações fundamentais à população negra e trabalhadora são meras contradições dentro do processo histórico.

Nesse sentido, há uma mal-intencionada percepção de que a história das Arcadas teria sido formada pela equivalência das suas próprias contradições. No entanto, essa é apenas uma narrativa profundamente ideológica com pretensão de história oficial, com o objetivo de tornar menos violenta a leitura do passado. É a falsa aparência que, a cada ascensão de lutas — como a que vivemos na atual greve — é diluída pela verdadeira essência deste espaço.

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